O Presidente democrata Joe Biden, no poder desde janeiro de 2021, está a ter dificuldades em aprovar nomeações para os mais de 1.200 cargos da administração norte-americana e, ao nível da diplomacia, apenas conseguiu confirmar 9% dos embaixadores.
A frágil maioria no Senado (câmara alta do Congresso norte-americano) — com 50 senadores para cada lado (democratas e republicanos), deixando o voto de desempate para a vice-Presidente, Kamala Harris — tem dificultado a aprovação das indicações do Presidente democrata, mas a causa do impasse é mais profunda e revela a grande divisão política que se vive nos Estados Unidos da América (EUA).
A American Foreign Service Association — organização que representa 17.000 profissionais de seis agências e departamentos — já revelou a sua preocupação com a lentidão neste processo de nomeações e de aprovações pelo Senado, constatando que os EUA nunca tiveram tantos lugares vagos na sua história de mais de 200 anos.
Por esta altura nos respetivos mandatos presidenciais, Barack Obama já tinha 77% dos embaixadores nomeados confirmados e Donald Trump tinha 70% desses lugares garantidos pelo Senado.
Mas, quase um ano após ter chegado à Casa Branca, Joe Biden só tinha feito, até ao início deste mês, 78 nomeações para embaixadores, dos quais apenas sete (9% do total) foram confirmadas pelo Senado.
Biden nem sequer conseguiu fazer passar o nome do importante embaixador no Reino Unido.
Em Portugal, Randi Charno Levine foi apresentada como a nova embaixadora dos EUA, mas a sua nomeação é uma das muitas que ainda aguarda a validação do Senado, que se mostra progressivamente mais intransigente com as opções presidenciais.
“Os motivos são vários, mas há um que deve ser destacado: o senador republicano Ted Cruz, que tem bloqueado as nomeações de diversos embaixadores, por retaliação ao facto de Joe Biden ter retirado a oposição americana à construção do gasoduto Nord Stream 2, entre a Rússia e a Alemanha, numa tentativa de a administração Biden melhorar as relações com a Alemanha”, explicou à agência Lusa Nuno Gouveia, especialista em política norte-americana.
Apesar de um só senador não ter o poder de bloquear nomeações, o processo das nomeações diplomáticas tem-se atrasado no Comité de Assuntos Externos no Senado, devido à frontal oposição de vários republicanos, especialmente de Ted Cruz.
“Mas o Governo Biden tem também culpas, pois ainda não efetuou nomeações para alguns postos”, acrescentou Nuno Gouveia, alertando para os riscos deste impasse político, que espelha as dificuldades governativas de Joe Biden e ajuda a explicar a sua queda nos índices de popularidade.
Para Felipe Pathé Duarte, especialista em Relações Internacionais e professor da Nova School of Law, este é “um sintoma da polarização política em Washington”, que está a prejudicar a imagem do Presidente e a desestabilizar o ambiente político no Congresso.
“Esta inércia deixou várias capitais sem embaixadores. E tudo isto prejudica a imagem pública e a capacidade reativa — sobretudo num contexto em que os EUA procuram reatar a sua autoridade em termos globais e se vê a braços com crises de política externa muito complexas”, concluiu Pathé Duarte.
“Há imensos postos diplomáticos um pouco por todo o mundo que ainda não têm embaixador, estando estas representações a ser lideradas por diplomatas sem peso político e institucional”, acrescentou Gouveia, que lembra que esta situação causa embaraços diplomáticos, como quando os EUA tiveram um conflito diplomático com a França, ao anunciarem um acordo entre EUA-Reino Unido-Austrália (AUKUS) para a venda de submarinos de propulsão nuclear à Austrália.
Apesar de Biden ter vindo a repetir muitas vezes, e em vários palcos, a frase “a América está de volta”, referindo-se à recuperação do seu peso político no cenário mundial, a verdade é que a diplomacia dos EUA está fragilizada e, em alguns casos, inoperante.
“A França teve uma reação violenta ao caso dos submarinos e os Estados Unidos nem sequer tinham um embaixador em Paris, pois a pessoa nomeada esperava ainda a sua confirmação no Senado”, rematou Nuno Gouveia.
Significativo é, igualmente, o facto de o Governo de Biden não ter conseguido ainda nomear embaixadores para países estrategicamente relevantes no atual cenário político mundial, como a Ucrânia, o Reino Unido ou os Emirados Árabes Unidos.