Liz Elaine Lôbo/ Súsan Faria
Produção: Elna Souza
A Bélgica é um dos sete países europeus que participam do estudo “Discovery” para testar tratamentos contra a covid-19. Seus pesquisadores trabalham dia e noite em diagnósticos, moléculas, processos e anticorpos. O governo tem tomado medidas para evitar escassez de equipamentos de proteção, dispositivos médicos para a população. O embaixador Patrick Herman, em entrevista exclusiva à revista Embassy, explica que o governo decidiu estender as medidas de contenção até 03 de maio, quando as autoridades irão elaborar a próxima etapa de “desconfinamento”. Segundo o diplomata, os setores de artes, entretenimento e recreação e o comércio são os mais fortemente afetados com a pandemia. Leia a entrevista completa no www.embassynews.info
Embassy – Desde 17 de março, decretou-se o confinamento dos cidadãos belgas e medidas de proteção contra a pandemia. Hoje, são quantos infectados? Quantas vítimas fatais?
Temos 33.500 casos conhecidos de coronavírus até o momento, incluindo 5.500 hospitalizados e 1.200 em terapia intensiva. Lamentamos a morte de 4.440 compatriotas.
Embassy – Quais são as condições na área de saúde da Bélgica para lidar com a pandemia? Há médicos, hospitais e respiradores suficientes?
Até o momento, as medidas implementadas pelos nossos governos, para retardar o contágio e aumentar a capacidade de leitos em unidades de terapia intensiva (UTI), tornaram possível manter a taxa de ocupação em UTIs sempre abaixo de 60%. O governo também encarregou o ministro Philippe De Backer de uma força-tarefa para evitar escassez de equipamentos de proteção, dispositivos médicos, diagnósticos e produtos farmacêuticos, e a primeira-ministra Sophie Wilmès anunciou oficialmente, no dia 16 de abril, a garantia de 130 milhões de máscaras cirúrgicas e mais de 50 milhões de máscaras FFP2. No entanto, a pressão mundial nas cadeias de suprimentos significa que eventualmente vivenciamos algumas faltas, incluindo de medicamentos não relacionados diretamente à crise da Covid-19.
Embassy – Pesquisas de laboratórios da Bélgica indicam anticorpos contra o coronavírus. Quais os estudos mais adiantados nesse sentido? Estão validados ou em experimentação?
A Bélgica é líder mundial no campo farmacêutico e biofarmacêutico e dezenas de laboratórios universitários e privados, no país, trabalham dia e noite em diagnósticos, moléculas, processos e anticorpos. Sobre anticorpos, por exemplo, a líder mundial em vacinas, a GSK Vaccines, com sede global em Rixensart, está desenvolvendo métodos para identificar novos anticorpos antivirais. Mas, como destaca Emmanuel André, o virologista que atua como porta-voz do governo na crise, o desenvolvimento do conhecimento na área de imunização ainda está em andamento, inclusive na área de imunidade natural. Nos outros setores médicos, a GSK Vaccines também está envolvida na busca por uma vacina e na realização de testes de triagem. Entre dezenas de outras pesquisas em andamento, posso mencionar o laboratório do Hospital Universitário de Bruxelas (LHUB-ULB) que acaba de anunciar que desenvolveu um teste diagnóstico que pode detectar a presença do vírus Covid-19 em 15 minutos em pacientes com uma infecção grave; um virologista da Universidade de Namur que desenvolveu um método de análise baseado em uma técnica de extração com um reagente básico, fabricado na Bélgica e disponível em grandes quantidades; e um novo teste desenvolvido pela empresa ZenTech em Liège que identifica portadores saudáveis de Covid-19 e as pessoas infectadas. Além da área da biologia, pesquisadores belgas desenvolvem respiradores artificiais, como o protótipo “Breath4life”, scanners térmicas, etc. Internacionalmente, o governo belga está contribuindo com € 5 milhões para a pesquisa de uma vacina contra a Covid-19 via a “Coalition for Epidemic Preparedness Innovations” (CEPI), uma aliança internacional de parceiros públicos e privados. A Bélgica é um dos sete países europeus que participam do estudo “DISCOVERY” para testar tratamentos contra o vírus covid-19. Através de co-financiamentos, parcerias e bolsas de estudo, as universidades e institutos de pesquisa e inovação belgas trabalham com colegas em todo o mundo, incluindo efetivamente o Brasil, onde projetos bilaterais de virologia foram realizados no passado, por exemplo, sobre o interferon entre a Universidade de Liège e a UNISUL.
Embassy – O governo belga já divulgou algum novo plano para tentar reorganizar a economia? O que tem sido feito pelos pequenos empreendedores?
As empresas belgas afetadas pela Covid-19 podem, desde fevereiro, recorrer ao programa de “desemprego temporário”. Até o dia 10 de abril, aproximadamente 130 mil empregadores tinham feito essa solicitação, de um total de 1,3 milhões trabalhadores a serem beneficiados. O governo também decidiu conceder uma garantia estatal para certos empréstimos tomados, a fim de mitigar as consequências econômicas do coronavírus, com o objetivo de garantir novos empréstimos para empresas não financeiras, incluindo trabalhadores autônomos e o setor sem fins lucrativos. O governo decidiu estabelecer uma moratória temporária nas falências de empresas, protegendo-as contra execuções hipotecárias e permitindo que os pagamentos fossem parcelados. Os trabalhadores temporariamente desempregados terão, ainda, o direito de trabalhar provisoriamente nos setores de horticultura e silvicultura. Além disso, foi adotada uma flexibilização nas regras de destacamento de trabalhadores e trabalho temporário. Durante o período de crise, haverá o congelamento da redução dos subsídios de desemprego.
Embassy – Quais os setores econômicos mais afetados na Bélgica com a crise causada pela pandemia?
Com base em um cenário que prevê o confinamento da população ao regime atual por um período de sete semanas, o Banco Nacional da Bélgica e o Escritório Federal de Planejamento estimaram, na semana passada, que o PIB real da economia belga poderia ter um decréscimo de 8% em 2020. Segundo o nosso Ministério da Economia, a HORECA (hotéis, restaurantes, cafés), o setor de artes, entretenimento e recreação e o comércio são áreas fortemente afetadas. A grande integração da economia belga com as cadeias globais de valor também gera um efeito cascata: quando a expansão da atividade econômica desacelera em uma região do mundo, também é sentida em nosso país. A demanda final francesa, por exemplo, representa 6,2% do valor agregado belga, a demanda alemã 5,6% e a holandesa 4,0%. A Itália, atualmente atingida pelo coronavírus, gera 2,4% de nosso valor agregado, enquanto a demanda final total da China representa 1,9% do valor agregado belga.
Embassy – Como a questão da pandemia vem sendo tratada em relação aos refugiados e imigrantes na Bélgica?
Infelizmente, a suspensão da emissão de vistos por nossas embaixadas durante a crise afeta o trânsito de pessoas, por exemplo, o reagrupamento familiar. No entanto, o governo belga já tomou medidas para garantir que essa interrupção de emergência não afete os direitos dos solicitantes além da crise. Quanto aos pedidos de asilo, é importante notar que o fechamento das fronteiras europeias não se aplica a refugiados que buscam proteção internacional. Os registros de requerentes de asilo na Bélgica foram retomados, após alguns dias de interrupção por motivos de saúde pública, e várias medidas foram adotadas para adaptar os procedimentos à questão da saúde. Medidas para impedir a disseminação do coronavírus também foram tomadas nos centros de acolhimento. O governo permitiu que os requerentes de asilo entrassem no mercado de trabalho durante o período do procedimento. Há alguns dias, também recebemos orientações da Comissão Europeia para garantir que os novos procedimentos cumpram os instrumentos legais internacionais referentes às pessoas protegidas.
Embasy – A educação é uma das áreas mais valorizadas na Bélgica. Como o país está reagindo para manter o nível de atendimento aos estudantes?
As escolas continuam aceitando os filhos das pessoas envolvidas na luta contra a Covid-19 e organizando programas de aulas por meio eletrônico, mas as aulas em sala de aula não serão retomadas até 03 de maio. Elas retomarão suas atividades gradualmente, provavelmente com algumas diferenças dentro das diferentes regiões do país e entre as diferentes idades. Algumas universidades já anunciaram que as aulas não serão mais retomadas neste ano acadêmico e que as provas serão feitas apenas à distância. Outras universidades estão preparando a realização de provas em grandes centros de conferência, o que permite cumprir o distanciamento social durante as provas. O trabalho das universidades continua, mas sem trabalho prático, sem laboratórios, sem estágios, o que nos forçará a buscar uma grande recuperação nos próximos anos.
Embassy – Quais são as perspectivas de futuro?
Diante do cenário atual, em 15 de abril, o governo decidiu estender as medidas de contenção até 03 de maio. No entanto, a partir da próxima semana, as autoridades irão elaborar a próxima etapa de “desconfinamento” planejada para o início de maio. Esta etapa será baseada em vários pilares, a saber, distâncias de segurança, triagem em larga escala, rastreamento e desenvolvimento de novas regras a serem aplicadas no mundo do trabalho. Usar máscara será de fundamental importância. Em seguida, será uma questão de implementar as propostas do grupo de especialistas encarregados da Estratégia de Saída, em particular a reabertura progressiva dos negócios, em seguida dos cafés, restaurantes e bares, bem como das escolas, dos movimentos de jovens e das viagens. Em 16 de abril, os centros de bricolagem e jardinagem foram reabertos, um pequeno passo à frente, mas bastante significativo.
Embassy – Qual tem sido o papel da embaixada da Bélgica durante essa crise mundial?
A embaixada e nossos dois consulados-gerais trabalharam desde o início da crise para identificar e auxiliar nossos turistas no Brasil para que eles pudessem ir o mais rápido possível a um aeroporto internacional e encontrar um lugar em um voo para à Europa. Segundo a Polícia Federal do Brasil, havia de fato cerca de 300 viajantes belgas no país no final de março. Por meio de vídeos em nossas redes sociais (Twitter, Instagram, Facebook), e-mails e telefonemas, os três postos pediram aos belgas que retornassem ao país o mais rápido possível. Em estreita cooperação com as autoridades brasileiras, vários casos problemáticos ou humanitários foram resolvidos: belgas a bordo de navios, pessoas muito idosas, viajantes presos nas regiões extremamente periféricas ou em países vizinhos. Agora, a prioridade está na situação de nossa comunidade belga aqui, garantindo o bem-estar dos nossos belgas, a retomada dos serviços consulares normais e o planejamento de contingências no caso da situação de saúde ou segurança piorar rapidamente em determinadas partes do Brasil. É crucial, ainda, apoiar nossos negócios diante de novas realidades, incluindo manter fronteiras abertas, preservar cadeias de suprimentos e garantir suprimentos estratégicos. Mesmo que os métodos de trabalho tenham mudado radicalmente, o trabalho diplomático de reportar, criar redes e desenvolver colaborações, cooperações e sinergias entre o Brasil e a Bélgica é mais importante do que nunca, em questões tecnológicas, culturais, políticas e de segurança.