Minha primeira cerveja foi uma experiência amarga. O gosto do líquido frio à base de cevada não era bom, o componente amargo impedia que eu, na época com 16 anos, adotasse a bebida preferida dos alemães. Então eu e minhas amigas a misturávamos com refrigerantes. No decorrer do tempo, a proporção da mistura foi ficando cada vez mais generosa em favor da cerveja, até que, após longo período de adaptação, passei a aceitar seu gosto puro.
Quem cresceu nos anos 90 não ouvia falar de sementes de chia, smoothies verdes, nem bifes de tofu. Estilo de vida saudável para nós era sinônimo de estraga-prazer, fitness era perda de tempo. Durante o ensino médio e a universidade, não me lembro de eu, ou algum de meus amigos, jamais ter pedido uma só cerveja não alcoólica. Eu conhecia as garrafas com rótulo “sem álcool”, no máximo, das festas de família para as quais fora convidado algum tio abstinente.
De lá para cá, o mundo cervejeiro continuou girando, tanto em termos de sabor como no aspecto social. Hoje, a cerveja sem álcool faz parte de todo cardápio, por vezes é possível até escolher entre tipos diferentes, como pilsen, kölsch ou weizenbier, feita de trigo.
Hoje, com toda tranquilidade, posso pedir uma na cervejaria, num dia quente de verão em que o álcool não deve subir à cabeça, sem ter que escutar comentários cínicos dos amigos. Os números confirmam a tendência: segundo a Associação dos Cervejeiros Alemães, as vendas das não alcoólicas em maio de 2019 superou em 6,5% o mesmo período no ano anterior.
A bebida compõe a trinca de preconceitos com que eu, como alemã, sou confrontada, durante as férias: Rammstein, salsichão, cerveja! A receita mais antiga que se conhece vem da China, e o México é campeão de exportação, mas a Alemanha tem o Preceito de Pureza. Essa lei alimentar purista de 1516 prescreve os quatro únicos ingredientes admissíveis – água, lúpulo, malte e fermento – e nos torna famosos em todo o mundo como a nação da cerveja.
A fabricação da bebida envolve um processo de fermentação em que forçosamente se forma álcool. Então, como a não alcoólica pode ainda ser uma cerveja de verdade? Após se debater durante anos com essa questão, mestres cervejeiros alemães desenvolveram dois processos complexos: ou o etanol é retirado posteriormente, ou a fermentação é interrompida ao ser alcançado o limite de 0,5% de álcool.
Pois também na cerveja não alcoólica há resquícios etílicos. Só que em quantidades tão mínimas que “não têm qualquer efeito fisiológico sobre o corpo humano”, assegura a Associação de Cervejeiros. Se no início apenas um punhado de cervejarias ofereciam uma variante não alcoólica, atualmente nenhuma quer ficar de fora.
Um dos fatores é que, paralelamente ao faturamento crescente com a bebida que não embriaga, um outro número tem forçado os fabricantes a repensarem: a cada ano, os alemães bebem menos cerveja. Segundo o portal online Statista, se em 1970 o consumo anual era de cerca de 140 litros per capita, em 2018 ele não chegou a 100 litros. “A sem álcool é a única variedade que cresce a cada ano, nos últimos anos”, confirma Marcus Strobl, do Instituto Nielsen de pesquisa de mercado.
O crescimento da cerveja não alcoólica no mercado se deve sobretudo a uma mudança de imagem. Nos anos 70, as primeiras variedades eram apresentadas como “bebida de emergência” para motoristas: a Bitburger Drive até explicitava esse fato no nome.
A partir de 2010, algumas não alcoólicas passaram a se apresentar como isotônicas, assim como uma bebida esportiva, “algo que bebo quando estou ativo e preciso de vitaminas e minerais”, diz Strobl. Cerca de cinco anos mais tarde, chegaram as radler, misturas com refrigerantes.
“Cada vez mais a cerveja sem álcool é encarada como uma bebida refrescante. Hoje é como uma espécie de substituto amargo do refrigerante ou da schorle [suco de fruta com água mineral gasosa]. As ocasiões para se beber cerveja não alcoólica foram pouco a pouco ampliadas”, relata Strobl.
No fim das contas, o faturamento e o direcionamento de mercado das fabricantes de cerveja provavelmente estão nas mãos da geração mais jovem. Numa enquete recente da Central Federal de Educação sobre Saúde (BZgA), apenas 8,7% dos adolescentes até 17 anos admitiu consumir álcool uma vez por semana; em 2004, essa taxa era de 21,2%.