Com quase quatro décadas de carreira e formado em economia, diplomata se despede do país e defende acordo entre o Mercosul e a União de Europeia. Ele também afirma que brasileiros estão interessados em investimentos italianos
Ao fim de quase quatro anos no comando da Embaixada da Itália, em Brasília, Francesco Azzarello, 64 anos, considera a experiência no Brasil como “desafiadora”, “estimulante” e “linda”. Em entrevista ao Correio, o embaixador avalia de forma positiva o comércio entre os dois países, mas critica a imposição de barreiras, que “penalizam os possíveis investidores”. Formado em economia e com 37 anos de carreira diplomática, Azzarello defende o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) e acredita que as tratativas resultariam em enormes benefícios para o Brasil. Para ele, a Itália não tem a capacidade de enfrentar e resolver, sozinha, a crise migratória. “É necessário um esforço sério, honesto e coordenado, em nível internacional e europeu”, observa. Em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia, o embaixador diz ser necessário honestidade política para enfrentar a situação e tentar facilitar uma solução.
O senhor termina este mês seu período servindo no Brasil. Que balanço faz da sua estada aqui? O que foi possível avançar na relação entre os dois países?
Foi uma experiência muito desafiadora, estimulante e linda. Nas relações bilaterais Itália-Brasil, o trabalho é potencialmente infinito. Ele pode se estender por todo o país, abrangendo qualquer tema. Mais do que avançar, eu diria que continuamos e consolidamos expandindo e aprofundando. Um exemplo para todos é o setor científico e da pesquisa. Mas, em geral, eu diria que os dois países são complementares, em todas as áreas, inclusive naquela crucial das relações humanas.
O senhor vê um potencial de crescimento do comércio bilateral entre Itália e Brasil? Que investimentos em nosso país mais interessam ao governo italiano?
O comércio está indo bem, mas seu potencial é limitado pelas fortes barreiras à entrada. Essas barreiras também penalizam os possíveis investidores, pois afetam o sistema de custos de produção e, portanto, os preços. No fim, o processo de industrialização é prejudicado, com possíveis transferências de tecnologia e de treinamento de mão de obra qualificada. A Itália é um grande investidor no Brasil, em vários setores, inclusive estratégicos. Nossa filosofia é, sempre que possível, a parceria com os locais. Os brasileiros estão recentemente mostrando sinais de interesse em investir na Itália, e eu os encorajaria a fazê-lo cada vez mais. A Itália é um parceiro ideal para o Brasil. Somos confiáveis e leais.
Como vê a possibilidade de um acordo entre Mercosul e União Europeia? De que modo isso pode ser benéfico para a Itália?
Do lado europeu, há grande interesse e disposição para encerrar as negociações e encontrar soluções aceitáveis para todos. A Itália sempre foi a favor do acordo, e todos devem aceitar compromissos razoáveis. O Acordo UE-Mercosul também traria enormes benefícios para o Brasil. Precisamos de equilíbrio e de serenidade de julgamento. Devemos evitar preconceitos e condicionamentos ideológicos.
A primeira-ministra Giorgia Meloni defendeu que o fluxo de imigração ilegal não é solução para a crise demográfica europeia. De que modo o senhor analisa isso? Qual seria a solução para a crise?
Obviamente, eu não faço comentários sobre as palavras da minha primeira-ministra. No entanto, posso lembrar a todos que a imigração ilegal na Itália vem ocorrendo há décadas e que nosso país e seu povo têm sofrido muito com isso. Por muito tempo, a Itália se sentiu abandonada a si mesma diante de um problema gigantesco, que ela é absolutamente incapaz de enfrentar, quanto mais de resolver sozinha. É necessário um esforço sério, honesto e coordenado, em nível internacional e europeu. Por trás de tudo, é claro, permanece o espírito de acolhimento e de ajuda fraterna, que sempre caracterizou a política italiana e é parte integrante do DNA dos italianos, um povo generoso e altruísta. Mas há limites além dos quais não se pode ir.
Qual é a posição da Itália em relação à guerra na Ucrânia? Vocês têm enviado armas a Kiev, a exemplo de outros países, como Alemanha e EUA?
Em uma observação feita totalmente em nome pessoal, a guerra de agressão da Rússia na Ucrânia me faz pensar cada vez mais, só de olhar as imagens disponíveis na internet e nos canais sociais, sobre alguns aspectos trágicos da Segunda Guerra Mundial. O que está acontecendo no coração da Europa na década de 2020 deixa qualquer um sem palavras. Idosos, mulheres, crianças, toda a população indefesa e, depois, igrejas, hospitais e casas de civis, todos mortalmente atingidos. É preciso muita prudência, equilíbrio e sabedoria, determinação e honestidade, inclusive honestidade política, para enfrentar a situação e tentar facilitar uma solução. A Itália, desde o primeiro momento, juntamente com os países da União Europeia e de outros Estados europeus e não europeus, condenou, sem hesitação, e participou dos esforços para apoiar a defesa ucraniana contra a agressão russa. Só podemos rezar pela paz e esperar que todos, indiscriminadamente, tentem facilitá-la, sem criar mais divisões, o que o mundo certamente não precisa.
Por Denise Rothenburg, Rodrigo Craveiro / Correio Braziliense