BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Recém-eleita presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, Kátia Abreu (PP-TO) critica o componente ideológico na política externa conduzida pelo chanceler Ernesto Araújo e afirma que não cabe ao governo brasileiro opinar sobre o sistema de governo na China.
“O ministro Ernesto deve ter as suas qualidades, ou não teria sido escolhido para o Itamaraty. Eu só acho que [ele] precisa repensar a respeito desses conceitos ideológicos”, disse ela, em entrevista à reportagem em seu gabinete nesta quinta-feira (25).
“Se não funcionou no governo da esquerda, não funcionará no governo da direita”, afirmou a senadora, lembrando do período em que as administrações do PT eram criticadas por apostar suas fichas na cooperação Sul-Sul.
Abreu foi ministra da Agricultura no governo Dilma Rousseff e candidata a vice na chapa de Ciro Gomes (PDT) em 2018. Ligada ao agronegócio, foi escolhida para comandar a comissão no biênio 2021-22. A senadora defende que Ernesto precisa abandonar a retórica de confrontação com a ditadura comunista chinesa. O chanceler tem um histórico de choques com Pequim.
Ernesto já declarou que o Brasil “não venderá a alma” para exportar minério de ferro e soja e, mais recentemente, atacou o que chamou de “tecnototalitarismo” de países com “diferentes modelos de sociedade” -referências à China.
Além do mais, o chanceler praticamente rompeu o diálogo com a embaixada da China em Brasília. Ele chegou a pedir a demissão do diplomata Yang Wanming. A solicitação foi ignorada.”O sistema de governo chinês não me diz respeito. O Brasil é um vendedor, um comerciante de produtos agropecuários e de tantos outros. Não estamos lá para discutir isso [o sistema político da China]”, afirmou Abreu.
“Queremos provar que nosso produto é bom, que tem consistência e que temos condições de entregar”, disse a senadora. “Então brigar com a China -ou dizer ‘eu não gosto da China por causa do seu sistema de governo’- não nos diz respeito. Isso não é da nossa conta, é da conta dos chineses.”
Apesar das críticas à ideologia da atual política externa, ela disse que não lhe cabe avaliar se Ernesto tem ou não condições de permanecer no cargo. “Eu não gostaria de dizer que nenhum ministro deve ou não sair, isso é uma prerrogativa presidencial. Agora acho, sim, que [ele] deve ter mudanças de comportamento”, afirmou.
“Há coisas que não são mais opção, são imposição. Nós não temos a opção de não querer a China, nós não temos a opção de não querer a União Europeia”, disse a senadora. A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional sabatina todos os diplomatas indicados para comandar embaixadas fora do país. O novo comando do colegiado gera apreensão entre aliados de Ernesto no Itamaraty.
Abreu esteve no centro da maior derrota do chanceler no Senado: a rejeição da indicação do diplomata Fabio Marzano para chefiar a missão do Brasil junto à ONU (Organização das Nações Unidas) em Genebra.
A senadora garantiu que não comandou o voto negativo a Marzano. Ela afirmou, porém, que houve solidariedade dos demais senadores após uma desavença dela com o diplomata. Segundo Abreu, o Senado deu uma “sinalização geral” com a rejeição.A senadora disse também que o governo precisa “abandonar o negacionismo” nas questões ambientais para permitir o avanço do acordo comercial União Europeia-Mercosul.
“Esse negacionismo, de que [não] tem aquecimento global, de que desmatamento [não] faz mal. É a bandeira universal, que nós todos estamos defendendo hoje. Negar isso é igual tentar negar direitos humanos, algo indiscutível, que todos os países acreditam e que nem se discute mais”, disse.
Uma das primeiras ações prometidas pela senadora é organizar uma viagem a Bruxelas para convidar parlamentares europeus para uma visita à Amazônia. “Quando você vai produzir um produto, qual a sua preocupação? É com seu cliente, com quem vai comprar”, afirmou.
“Então, se eu quero vender para a Europa, o que o meu cliente europeu quer? Ele quer que não tenha desmatamento ilegal de onde vem o produto. É um direito dele. Nós podemos virar as costas e falar que a Europa não nos interessa, que não queremos vender. Será que nós podemos [fazer] isso? Não”.