Rodrigo Craveiro
Simpatizantes de Trump entram em confronto com a polícia e com as forças de segurança pouco antes de invadirem o Capitólio, em 6 de janeiro
Os nove deputados democratas transformados em promotores no julgamento político de Donald Trump encerraram, ontem, sua participação com um alerta aos 100 senadores: se o ex-presidente dos Estados Unidos for absolvido, tornará a incitar mais violência. Durante sua argumentação, eles classificaram o magnata republicano como um perigo à democacia norte-americana e o acusaram de ter “acendido o pavio” — uma alusão ao papel de Trump na invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro, quando cinco pessoas morreram. “Nós humildemente pedimos a vocês que condenem o presidente Trump pelo crime pelo qual ele é esmagadoramente culpado. Porque, se não o fizerem, se fingirem que isso não ocorreu, ou pior, se deixarem isso sem resposta, quem vai dizer que não acontecerá novamente?”, indagou o deputado democrata Joe Neguse, um dos promotores. Hoje, será a vez de os advogados de Trump exporem suas alegações e tentarem convencer os senadores sobre a inocência de seu cliente. Eles esperam finalizar o trabalho ainda nesta sexta-feira.
Horas depois de chamar Trump de “incitador chefe” do ataque ao Congresso, o também promotor Jamie Raskin fez um apelo aos colegas congressistas da Câmara Alta. “Senadores, América, nós precisamos exercitar nosso senso comum sobre o que ocorreu. Não nos deixemos envolver por teorias bizarras de advogados. Exercitem o bom senso sobre o que acabou de acontecer em nosso país”, declarou. “Esta insurreição pró-Trump não surgiu do nada. (…) Se ele voltar ao cargo e isso acontecer novamente, não teremos ninguém para culpar a não ser a nós mesmos.”
Para os promotores, Trump foi egoísta e colocou teorias conspiratórias acima do bem-estar dos norte-americanos. Novas gravações das câmeras de segurança foram exibidas no plenário do Senado, na tentativa de comprovar o envolvimento direto do ex-presidente na insurreição.
O atual presidente dos EUA, Joe Biden, declarou que as “angustiantes” evidências em vídeo apresentadas ao Senado podem “mudar algumas mentes” — referência aos simpatizantes do antecessor. Uma condenação é considerada pouco provável, pois exigiria que 17 senadores republicanos se alinhassem aos democratas e votassem contra Trump. É preciso uma maioria de dois terços para a condenação, ou 67 votos. Os democrata mantêm o controle de 50 cadeiras na Câmara Alta.
Clareza – Em entrevista ao Correio, James Naylor Green, historiador político da Brown University (em Rhode Island), admitiu que os promotores provaram seus argumentos com clareza. “Por quatro anos, desde o início da campanha eleitoral de 2016, Trump incitou seus simpatizantes à violência, seja contra pessoas que protestaram contra a candidatura do ex-presidente, seja por sua declaração de que pró-nazistas e pró-fascistas eram ‘gente boa’. Ele chamou seus apoiadores a Washington, em 6 de janeiro, para impedir a oficialização dos resultados do Colégio Eleitoral, mas não conseguiu impedir-lhes de invadirem o Capitólio, de ameaçarem linchar o vice-presidente (Mike Pence) e matar democratas importantes.”
Green acredita que um ou dois senadores republicanos se unam aos cinco ou seis inclinados a votar pela condenação. “Parece improvável que 17 senadores repulicanos se juntem aos 50 democratas. Se Trump não fora condenado, isso abrirá um precedente muito perigoso para a democracia nos EUA e capacitará outros republicanos conservadores a incitarem a violência de extrema-direita. Também dará poder a Trump para continuar a influenciar o Partido Republicano e a política, e a mobilizar supremacistas brancos para mais violência.”
Jonathan Turley, professor de direito de interesse público pela Universidade George Washington, disse ao Correio que a maioria dos norte-americanos crê que Trump seja responsável pelo motim. “A questão é se isso significa ‘incitamento à insurreição’. A Câmara dos Deputados escolheu a acusação mais extrema e tornou difícil a alguns senadores apoiarem a condenação. Também falhou em convocar testemunhas antes ou depois do impeachment, a fim de apoiar a acusação. A evidência foi mais emotiva do que probatória”, comentou.
» Antony Blinken e Ernesto Araújo dialogam por telefone
Em comunicado à imprensa, o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ned Price, anunciou que o secretário de Estado, Antony J. Blinken (E), conversou, ontem, com o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo (D). “O secretário (Blinken) e o ministro (Araújo) reafirmaram a importância de uma parceria produtiva entre os Estados Unidos e o Brasil. Eles expressaram seu compromisso de combater a pandemia da covid-19 e as mudanças climáticas, bem como aumentar a cooperação regional, apoiar a conservação ambiental e promover os direitos humanos”, explicou Price. “Os dois líderes discutiram a importância de trabalhar juntos para promover a prosperidade, a segurança e os valores democráticos em todo o nosso hemisfério compartilhado”, acrescentou o comunicado. Foi a primeira aproximação em alto nível entre Washington e Brasília nos respectivos governos de Joe Biden e de Jair Bolsonaro.
» Curtas
Longa conversa com Xi Jinping teve tom de enfrentamento
Na noite de quarta-feira, o presidente norte-americano, Joe Biden, conversou pela primeira vez com o colega chinês, Xi Jinping (foto), desde a posse, em 20 de janeiro. O democrata parabenizou a China pelo Ano-Novo Lunar e afirmou que as prioridades de seu governo incluem a proteção da segurança dos norte-americanos, a prosperidade e a saúde, além da preservação de um Indo-Pacífico livre e aberto. No entanto, o telefonema de duas horas também teve um tom de confrontação. De acordo com a Casa Branca, Biden destacou suas “preocupações fundamentais sobre as práticas econômicas injustas e coercitivas de Pequim, a repressão em Hong Kong, os abusos de direitos humanos na província de Xinjiang e as ações cada vez mais assertivas da China na região”, ao citar Taiwan. Os dois líderes também compartilharam suas visões sobre desafios em segurança sanitária global, mudanças climáticas e armas de destruição em massa. “Na noite passada falei por telefone durante duas horas seguidas com Xi Jinping. (…) Se não fizermos nada, vão nos esmagar”, afirmou Trump a jornalistas, ontem.
Estado de saúde do ex-líder republicano foi omitido
O então presidente Donald Trump (foto) esteve mais doente do que foi divulgado, em outubro, depois de ser infectado com a covid-19 e hospitalizado em Maryland. Segundo o jornal The New York Times, o republicano teve níveis extremamente baixos de oxigênio no sangue e um problema pulmonar associado à pneumonia provocada pelo coronavírus. A publicação cita quatro pessoas familiarizadas com a doença de Trump. O prognóstico do republicano foi tão preocupante que autoridades acreditavam que seria necessário intubá-lo. Os níveis de saturação baixaram a 80, enquanto os números abaixo de 90 sugerem um quadro grave da covid-19.
Fim de financiamento do muro na fronteira com o México
O presidente Joe Biden enviou, ontem, carta à líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, por meio da qual afirma que a declaração de emergência nacional na fronteira sul (com o México) foi “injustificada”. “Eu também anunciei que será política de meu governo que não haja mais desvios de dólares de contribuintes americanos para a construção de um muro na fronteira, e que estou ordenando uma revisão cuidadosa de todos os recursos apropriados ou redirecionados para esse fim”, acrescenta. O ex-presidente Donald Trump declarou emergência nacional na fronteira sul, no início de 2019, ao não conseguir que o Congresso aprovasse verbas para a construção da barreira de contenção de imigrantes ilegais.