Marina Barbosa
A passagem do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, por Roraima não só renovou as críticas à política externa do governo de Jair Bolsonaro, como pode atrapalhar a retomada das atividades presenciais do Senado, prevista para esta segunda-feira (21/09). É que o primeiro compromisso presencial dos senadores é destravar a indicação de 34 embaixadores brasileiros. Porém, um grupo de parlamentares avalia que o momento não é de fazer votações desse tipo, mas de rever a postura do Itamaraty. Por isso, ameaça não comparecer às sabatinas.
O Correio apurou que mais da metade dos 19 titulares da Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado pediu o adiamento da votação. Eles reclamam que o governo Bolsonaro adota uma política de subserviência aos Estados Unidos que ameaça a soberania e a defesa brasileira. E dizem que a “submissão” ficou clara nesta semana, quando Mike Pompeo usou um palanque montado em solo brasileiro para fazer duras críticas ao governo da Venezuela, com quem, lembram os parlamentares, o Brasil compartilha mais de dois mil quilômetros de fronteira.
“A sociedade, a diplomacia e o Parlamento estão abismados com a acelerada degradação da nossa política externa, que coloca em risco a soberania e a defesa. Não é hora do Senado aprovar embaixadores em massa. Sejamos responsáveis. É urgente fazer um balanço do Itamaraty”, reclamou o senador Telmário Mota (Pros-RR) -Foto , um dos que pediu a suspensão da votação desta segunda-feira. “Nossa política externa não vai bem.[…] Devemos deixar votação de embaixador para depois e reposicionar o Itamaraty”, reforçou o senador Renan Calheiros (MDB-AL), nas redes sociais.
Para Calheiros, até ex-chanceleres brasileiros clamaram para que “o Senado exerça seu papel e vele pelo artigo 4º da Constituição”, segundo o qual as relações internacionais brasileiras devem ser regidas por princípios como a independência nacional, a autodeterminação dos povos, a não-intervenção e a defesa da paz. O senador se referia a uma nota conjunta divulgada neste domingo (20/09) pelos ex-chanceleres brasileiros Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Nunes Ferreira, Celso Amorim, Celso Lafer, Francisco Rezek e José Serra.
Na nota, os ex-chanceleres lembram que foram os “responsáveis pelas relações internacionais do Brasil em todos os governos democráticos desde o fim da ditadura militar” e salientam que “temos a obrigação de zelar pela estabilidade das fronteiras e o convívio pacífico e respeitoso com os vizinhos, pilares da soberania e da defesa”. “Nesse sentido, condenamos a utilização espúria do solo nacional por um país estrangeiro como plataforma de provocação e hostilidade a uma nação vizinha”, acrescentam.
Os ex-ministros das Relações Exteriores ainda congratularam o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que repudiou a visita de Pompeo e foi criticado pelo atual chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, em nota divulgada nesse sábado (19/09) pelo Itamaraty, por conta disso. E pediram que, dando sequência a essa posição de Maia, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal “exerçam com plenitude as atribuições constitucionais de velar para que a política internacional do Brasil obedeça rigorosamente no espírito e na letra aos princípios estatuídos no Artigo 4º da Constituição Federal”.
Presidente da CRE do Senado, Nelsinho Trad (MSD-MS) confirmou que muitos senadores ameaçaram não comparecer à votação desta segunda-feira. Porém, está tentando convencê-los a mudar de ideia, apesar de também classificar o episódio de Pompeo como “lamentável”.
“A comissão vai avaliar a competência de diversos servidores de carreira do Itamaraty de servir o país, na sua melhor das intenções. Esses diplomatas não têm culpa pelo que aconteceu e não devem ser penalizados”, justificou Trad. Ele ainda lembrou que muitas das 34 indicações aguardam a avaliação do Senado há meses. E ressaltou que, devido à pandemia de covid-19, o Senado pode não ter outra oportunidade de destravar essas indicações tão cedo.
O senador Otto Alencar (PSD-BA), um dos que criticou a “invasão do nosso território por um representante norte-americano”, entendeu o recado. “Alguns senadores não estão dispostos a votar, mas não vou ser radical. Porém, não podemos aceitar submissão, não podemos ficar nos ajoelhando aos pés do governo dos Estados Unidos, como faz de forma aberta o ministro Ernesto Araújo, querendo ajudar a eleição de Trump”, avisou Alencar.
Trad admitiu, contudo, que será preciso aguardar o início da sessão, previsto para a manhã desta segunda-feira, para ver se os demais senadores vão seguir o plano e votar as indicações ou vão suspender a deliberação em protesto à postura do Itamaraty.
Bolsonaro
Apesar desse impasse político e diplomático, o presidente Jair Bolsonaro saiu em defesa de Mike Pompeo e do presidente americano, Donald Trump, neste domingo (20/09). Ele disse que a visita do secretário de Estado norte-americano a Roraima “representa o quanto nossos países estão alinhados na busca do bem comum” e parabenizou Trump “pela determinação de seguir trabalhando, junto com o Brasil e outros países, para restaurar a democracia na Venezuela”. Nas redes sociais, o chefe do Executivo também elogiou as ações coordenadas pelo governo brasileiro para acolhida dos venezuelanos “que fugiram do regime comunista”.