BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Gharibi, que assumiu o posto em abril, diz que seu país tem interesse em áreas como as indústrias automotiva e aeronáutica, por exemplo, mesmo durante a pandemia do novo coronavírus, e que as sanções impostas ao Irã pelos Estados Unidos não são um problema para os negócios com o Brasil.
“Já conversei com o presidente [Jair] Bolsonaro e encontrei um homem pragmático. Acredito que dois países que trabalham juntos não precisam concordar 100%. Países têm afinidades, mas também diferenças. Temos de priorizar as afinidades”, disse o embaixador à reportagem.
Em junho, o número de mortes no Irã voltou a ser de mais de 100 por dia, de acordo com a OMS. Por quê? Também por razões econômicas, como no Brasil?
HOUSSEIN GHARIBI – Por um lado, você tem políticas para garantir a segurança e a saúde das pessoas. Por outro, a pressão econômica sobre as pessoas não é algo que o governo possa suportar. É difícil. No nosso caso, iniciamos as medidas de restrição em março para que terminassem em abril, mas continuaram em abril e maio. Para nós, não seria possível suportar mais porque nós estamos também sob sanções dos Estados Unidos. O serviço de saúde no Irã é gratuito, mas não conseguimos estender mais a restrição, houve muita pressão sobre o governo. Então começamos um distanciamento inteligente, com medidas específicas para cada setor e para cada uma das 31 províncias.
As relações comerciais entre Brasil e Irã são baseadas hoje no comércio de milho, soja e açúcar, pelo lado do Brasil, e ferro, aço e fertilizantes, pelo lado iraniano. Há ambiente para diversificar esses negócios?
HG – Certamente. A indústria automotiva é muito importante. Vocês são um dos maiores fabricantes de avião no mundo, a indústria farmacêutica é importantíssima. Ouvi falar que as start-ups fazem bons negócios por aqui. Ônibus e caminhões… Em breve abriremos em São Paulo um escritório da Câmara de Comércio Irã-Brasil, já em atividade em Teerã. Sobre aviões, praticamente em todos os países, a maior parte do transporte aéreo não está operando. Dizem que 90% das aeronaves estão no pátio e não creio que haja um mercado no mundo até ao menos 2022, 2023. Mas o Irã é um comprador.
Mesmo agora?
HG – Mesmo agora. Temos falta de aviões no Irã e, logo após o JCPOA [sigla em inglês para Plano de Ação Conjunto Global, acordo internacional acerca do programa nuclear iraniano firmado em 2015 entre Irã e União Europeia], nós tínhamos contratos com a Airbus e a Boeing para comprar 140 aeronaves. Recebemos algumas, mas, por causa das sanções, as outras não vieram. Então, precisamos de muitos aviões, especialmente os menores, para 100, 150 passageiros.
Como a visão que o Irã tem do Brasil mudou desde o governo Lula até o governo Bolsonaro?
HG – Não tenho como fazer essa comparação. Respeitamos a democracia aqui no Brasil, então qualquer governo eleito por seu povo é o parceiro certo para nós. Temos relações de mais de 117 anos. Governos chegam com diferentes perspectivas e orientações tanto no Irã como no Brasil. Trabalhamos em pontos comuns. Já conversei com o presidente Bolsonaro e encontrei um homem pragmático. Acredito que dois países que trabalham juntos não precisam concordar 100%. Países têm afinidades, mas também diferenças. Temos de priorizar as afinidades.
O Brasil está bastante alinhado aos Estados Unidos. Em que grau isso impede negócios entre Brasil e Irã?
HG – As sanções são claras para todos: são injustas, unilaterais e violam resolução do Conselho de Segurança [das Nações Unidas], que todos os membros devem seguir. Infelizmente os Estados Unidos não seguem regras que eles mesmos criaram. Todos os países deveriam repensar a situação. Hoje é o Irã [que está sob sanções], amanhã podem ser outros países, até mesmo o Brasil, se alguém nos Estados Unidos não gostar de alguma política brasileira.
No início do ano, o Irã convocou a encarregada de negócios do Brasil depois que o governo brasileiro expressou apoio aos Estados Unidos na “luta contra o flagelo do terrorismo” após a morte do general iraniano Qassim Suleimani em um ataque aéreo promovido pelos americanos. Como esse apoio poderia ter afetado a relação entre nossos países?
HG – Não vou falar sobre este caso, mas há algo que precisa ser dito: 2014 foi um ano muito sensível para a região. Se não fosse por ele [Suleimani] e pelos iranianos que sacrificaram suas vidas para impedir que o [grupo terrorista] Estado Islâmico conquistasse mais cidades, talvez hoje teríamos um país chamado Estado Islâmico de Qualquer Coisa. Sentimos na pele o que é o terrorismo, especialmente em relação a esse grupo. Então, o general Suleimani e sua tropa foram fundamentais para nos garantir a segurança vital para a região. Devemos muito a ele e isso explica milhões de pessoas homenageando-o em suas cerimônias fúnebres em 48 grandes cidades da região.
É muito comum o discurso do governo americano sobre a relação do Irã com milícias na região. Como o sr. responde a essa acusação?
HG – Se você der uma olhada no mais recente Relatório Anual sobre Terrorismo do Departamento de Estado [dos EUA], há um certo método em como a situação do terrorismo é avaliada em cada país. Mas, quando se chega ao Irã, não se segue o padrão. Consideramos terrorismo apenas como uma etiqueta que pode ser usada pelo governo americano contra seus adversários, contra os países de que não gostam.
O Irã, como muitos países do Oriente Médio, é alvo de preconceito aqui no Ocidente. Como novo embaixador no Brasil, como enfrentar esta situação?
HG – Infelizmente, a mídia tem um papel importante, nem todos são independentes. Lamentavelmente, as coisas não são retratadas de uma maneira independente.Quem viajou ao Irã, quem conhece as pessoas, quem falou com autoridades tem uma visão diferente.Esperamos poder mostrar a real imagem do país. O Irã é um país paz e amor. Nos últimos 200 anos, não invadimos nenhum país, mas fomos alvo de ataques e invasões.
*Hossein Gharibi, É embaixador da República Islâmica do Irã no Brasil desde abril. Ele está na chancelaria iraniana desde 1997, já tendo passado por países como Itália e Estados Unidos em funções como secretário e conselheiro.