BRASÍLIA — O embaixador Nestor Forster está há um ano no comando da embaixada brasileira em Washington e, há quatro meses, aguarda a aprovação do seu nome, pelo plenário do Senado, para assumir oficialmente a chefia do posto.
Nas últimas duas semanas, Forster deu início a um corpo a corpo no Congresso americano, para minar resistências e corrigir informações, segundo ele, deturpadas e incorretas, sobre a atuação do presidente Jair Bolsonaro em áreas como meio ambiente e direitos humanos.
Foi o que ele fez, por exemplo, ao enviar uma carta aos deputados democratas que integram o Comitê de Assuntos Tributários. Os congressistas pediram ao representante comercial dos Estados Unidos, Robert Lighthizer, que não sejam negociados acordos econômicos com o Brasil.
Em entrevista ao GLOBO, o diplomata disse que, apesar das pressões, as conversas entre os negociadores dos dois países vão bem e, até o fim deste ano, serão fechados acordos para facilitar o intercâmbio de negócios entre os dois países. De forma geral, o senhor, quando citado, é associado a Olavo de Carvalho [espécie de guru do bolsonarismo]. Isso o incomoda?
De forma alguma. O Olavo de Carvalho é meu amigo há quase 25 anos. Quem me apresentou o Olavo foi o Paulo Francis [jornalista brasileiro, morto em 1997]. É uma amizade que foi baseada, desde o início, pelo interesse comum pela filosofia. As pessoas conhecem pouco a obra do Olavo, o que ele escreveu sobre Aristóteles, Maquiavel, Descartes. Foi isso que me aproximou dele e sustentou nossa amizade esse tempo todo.
“Dizem que o governo Bolsonaro está destruindo a Amazônia. Isso é completamente falso. “
Como tem sido esse corpo a corpo para defender a imagem do Brasil nos EUA?
Aguardo ainda a aprovação do plenário no Senado, mas respondo pela embaixada do Brasil há quase um ano. É trabalho do diplomata corrigir percepções equivocadas que existem sobre o Brasil. Sou avesso a fazer propaganda política na embaixada e acredito que a gente tem obrigação de estabelecer os fatos e desfazer percepções equivocadas.
A Amazônia é sempre mencionada nas críticas ao governo brasileiro.
Dizem que o governo Bolsonaro está destruindo a Amazônia. Isso é completamente falso. O governo Bolsonaro está fazendo pela Amazônia o que não tinha sido feito antes. Essa mobilização inédita da GLO [Garantia da Lei e da Ordem, para evitar desmatamento e combater focos de incêndio], com a mobilização de tropas do Exército e 2.500 bombeiros, no ano passado, e agora a criação desse Conselho sob a liderança do vice-presidente da República [Conselho Nacional da Amazônia Legal], mostram que existe uma preocupação muito grande para resolvermos esse problema. A discussão tem que ser feita em cima de políticas públicas, de dados objetivos.
O presidente Bolsonaro é acusado de dar mais importância ao aspecto econômico na Amazônia, do que ao meio ambiente.
Uma percepção equivocada. Se existe Amazônia, o mérito é do povo do Brasil, que tem preservado 84% da floresta. Nenhum país pode falar isso. Nem nos EUA, muito menos na Europa e em outras partes do mundo. É motivo de orgulho para o Brasil ter florestas. O que o governo Bolsonaro tem enfatizado é que a Amazônia, além de ser essa beleza com recursos naturais, é um local onde moram 25 milhões de brasileiros que têm os índices de desenvolvimento humano mais baixos do país. O presidente quer trazer o famoso desenvolvimento econômico sustentável. Não tem que pensar só no meio ambiente sem sustentabilidade. Tem que pensar em oportunidade econômica, emprego e possibilidade de trazer mais oportunidades para os brasileiros lá, que não podem ser esquecidos só porque os estrangeiros acham a floresta bonita.
E tem dado resultado?
Acho que tem sim, tanto com relação com a imprensa, jornais, rádio, televisão etc., mas também junto a parlamentares e lideranças políticas dos dois lados, tanto republicanos como democratas. Temos uma agenda intensa da diplomacia parlamentar. Converso com todos, procuro esclarecer da melhor forma as dúvidas que surgirem sobre o Brasil, sempre nessa linha de desfazer percepções equivocadas, baseadas em notícias exageradas, que são complicadas.
De onde surge maior resistência a acordos com o Brasil nos EUA?
Não vejo que haja um movimento contrário ao Brasil. Há preocupações com questões, com temas, e essas preocupações são até certo ponto difusas. No Congresso, recentemente, houve a carta dos parlamentares da comissão da Câmara, identificando algumas áreas de preocupação para eles. Nosso papel é estabelecer um diálogo com esses parlamentares a respeito da real situação do Brasil. Em qualquer sociedade democrática haverá sempre crítica. Isso não é um problema. O problema é quando a percepção é equivocada, baseada em fantasias, imaginação, e não nos fatos.
O representante de comércio nos EUA disse que não existe negociação de um acordo de livre comércio com o Brasil.
O que o representante comercial falou é perfeito. Para negociar um acordo de livre comércio, é preciso autorização prévia do Congresso americano. No Brasil é um pouco diferente, mas nos EUA há um requisito constitucional que quem tem a última palavra sobre acordos comerciais é o Parlamento. Tudo o que diz respeito a aumentar impostos, ou reduzir tarifas, é uma prerrogativa do Congresso. Então, um acordo de livre comércio só pode ser negociado depois de uma notificação formal ao Congresso, 60 dias antes de iniciar a negociação. Mas isso não quer dizer que a possibilidade do acordo mais adiante esteja fora do horizonte dos dois países.
O que tem sido feito hoje?
Estamos, talvez, preparando o terreno, caminhando na direção de uma mais profunda relação econômico-comercial entre os dois países, negociando acordos pontuais na área de facilitação de comércio, comércio eletrônico, boas práticas regulatórias. Temos um programa chamado operador econômico autorizado [reconhecimento das operações de comércio exterior pelas aduanas dos dois países], programado para funcionar no início do próximo ano. São medidas econômicas que não mexem com tarifas, mas que reduzem enormemente os custos de se fazer operações de comércio exterior entre o Brasil e os EUA. Isso facilita a vida, torna as operações mais rápidas, mais céleres, menos onerosas e traz mais transparência para esse processo todo. Corta a burocracia, corta o papel e usa meios eletrônicos o tanto quanto possível. Olhando para elas, não são medidas muito glamourosas, mas no seu conjunto atendem demandas que nós recebemos do setor privado brasileiro e americano.
“O Brasil tem sempre que ficar do lado do Brasil. Nós estamos aqui para defender o interesse nacional brasileiro.”
O que pode ser fechado até o fim do ano?
O que está mais avançado é a facilitação de negócios, que terá impacto para quem trabalha no comércio bilateral. O comércio eletrônico também está andando.
Nessa rivalidade entre EUA e China, o Brasil tem sempre que estar ao lado dos EUA? A China também não é um parceiro importante para o Brasil?
O Brasil tem sempre que ficar do lado do Brasil. Nós estamos aqui para defender o interesse nacional brasileiro. O Brasil se beneficiou topicamente, transitoriamente, dessa rivalidade, mas isso não é do interesse do Brasil. O agronegócio brasileiro não precisa que haja uma guerra comercial entre EUA e China para ter acesso ao mercado chinês. A China é o primeiro parceiro comercial. Compra alimentos e matérias primas. Os EUA são o número dois e compram mais industrializados. Há importantes investimentos da China no Brasil, que são muito bem vindos.
O que o Brasil tem com os EUA que não tem com a China?
Uma história comum. Vamos comemorar dois séculos de relações diplomáticas. Os EUA foram os primeiros a reconhecer a independência do Brasil. Essa amizade nunca foi interrompida. O Brasil se organizou como uma república federativa, em sua primeira Constituição republicana, em 1891, inspirado no modelo americano. Em 1905, foi criada a primeira câmara de comércio, a Acham, em São Paulo, a maior do mundo. Na Segunda Guerra mandamos 25 mil brasileiros para libertar a Europa do nazifascismo. É uma história de valores comuns, de respeito ao estado de direito, à democracia, aos direitos humanos, à liberdade de expressão e à liberdade religiosa. Neste momento em que os dois presidentes têm relação densa e grande convergência de visões, surgem oportunidades que devem ser aproveitadas.
Este ano tem eleição nos EUA. Como ficarão as relações entre os governos dos dois países, caso o presidente Donald Trump não seja reeleito?
Nenhum diplomata profissional faz especulação sobre eleição, ainda mais no país em que está trabalhando. Isso a gente aprende no segundo dia de aula. Quem vai decidir são os eleitores americanos. O que eu posso dizer — como acabei de falar— é que os EUA e o Brasil têm uma longa história e grandes valores compartilhados. Existe uma relação fundamental entre os dois governos, mas vai além disso: há relação entre as sociedades, instituições, institutos de pesquisas, ONGs. Isso vai continuar. Há um patrimônio comum que não se disputa.