Liz Elaine Lôbo
Produção: Elna Souza
Em entrevista exclusiva à revista Embassy, o embaixador da Ucrânia, Rostyslav Tronenko, fala sobre a situação no país que também enfrenta o sexto ano de conflito com a Rússia. A famosa aviação de transporte ucraniana realizou entrega de cargas humanitárias e comerciais para muitos países do mundo, inclusive para o Brasil, durante esse período especial.
Tronenko afirma que os setores de serviços, como turismo, aviação, comércio varejista, e também metalurgia, indústria química e de construção estão sendo os mais afetados com a pandemia. A Ucrânia, no entanto, considerada “o celeiro da Europa” e um dos importantes fornecedores de alimentos do mundo, comemora o recorde de 51,5 mil toneladas até o momento, em 2019/20. Em sua entrevista, o embaixador anuncia que o governo ucraniano deve conceder um aumento de 300% de aumento do salário para os funcionários de saúde que trataram pacientes com a Covid-19 e um programa de US$ 3,8 bilhões para desenvolvimento de construção da infraestrutura do país. Leia a entrevista completa de Rostyslav Tronenko.
Embassy – Qual a atual situação da pandemia na Ucrânia?
De acordo com os dados do Centro de Saúde Pública, até o dia 7 de maio foram confirmados 13.691 casos de COVID-19, dos quais 2.396 pessoas foram recuperadas e, infelizmente, temos 340 casos letais. Nas últimas 24 horas foram registrados 507 novos casos. Ainda não passamos pelo pico da pandemia, mas o Governo já faz trabalhos preparativos para o período de pós-quarentena.
Embassy – Universidades e demais escolas fechadas, assim como fronteiras. Como estão vivendo hoje os cerca de 40 milhões de ucranianos, diante do perifo de expansão de coronavírus?
Na Ucrânia, a partir do dia 12 de março foi introduzida assim chamada quarentena que significou praticamente aquilo que agora se chama “lockdown”. Foram fechadas todas as instituições de ensino, cancelados todos os eventos públicos, metrô foi fechado em cinco maiores cidades do país, todas as companhias e organizações públicas e privadas começaram funcionar em regime de trabalho remoto, à distância, foram fechadas as fronteiras, conexões aéreas e de trem dentro do país e com outros países.
O Governo da Ucrânia estendeu a quarentena até o dia 22 de maio, mas já no dia 11, uma parte das medidas restritivas será afrouxada. Em cada região haverá atenuações diferentes, dependendo da situação epidemiológica. As atenuações incluem a abertura de parques, praças, áreas de recreação, salões de cabeleireiro e de beleza, cafés e restaurantes ao ar livre. O governo também está considerando permitir que os restaurantes possam entregar comida em domicílio, sejam abertas lojas (exceto praças de entretenimento e alimentação nos shoppings); pouco a pouco vai ser restabelecido funcionamento das instituições de serviços públicos, museus, bibliotecas e treinamento de equipes esportivas em bases esportivas fechadas, etc.
Além do desafio de pandemia, a Ucrânia continua de enfrentar durante sexto ano seguido a agressão russa nas duas províncias do Leste e ocupação pela Rússia da República Autônoma da Crimeia e da cidade de Sebastopol. Aos nossos médicos e Forças Armadas, juntaram-se os bombeiros que conseguiram durante o mês de abril acabar com incêndios florestais, provocados pelo clima seco.
Com tudo fechado nos dois países: tanto na Ucrânia, como no Brasil, a vida continua e seguimos trabalhando. A situação de distanciamento social influi também o trabalho diplomático. Agora estamos praticando modalidades alternativas dos contatos entre nações nas condições de pandemia. Por exemplo, recentemente foi realizada videoconferência entre Vice-Ministros das Relações Exteriores dos dois países.
Foi uma excelente oportunidade para renovar à parte brasileira agradecimentos pela assistência durante o retorno e trânsito de cidadãos ucranianos pelo território do Brasil durante a pandemia. A Ucrânia também se juntou à Declaração de agradecimento da União Europeia ao Governo do Brasil por manter espaço aéreo aberto ao tráfego aéreo internacional. Graças a esta decisão conseguimos o retorno de 100 cidadãos para a Ucrânia.
Embassy – O país conta com equipamentos, respiradores, máscaras, por exemplo, suficientes para atender população?
A Ucrânia como outros países no início de pandemia sentiu falta dos equipamentos de proteção individual, mas depois foram adotadas medidas para garantir o estoque. Para esse fim incentivamos a produção interna, bem como compramos produtos importados. Por exemplo, o governo alocou fundos para comprar dispositivos de ventilação pulmonar artificial da produção ucraniana para instituições médicas. De mesmo jeito o Governo encoraja a produção de roupas de proteção biológica a ser usada pelos médicos para trabalhar com segurança com pacientes com COVID-19.
Cobrimos as nossas necessidades também com os produtos importados. No dia 06 de maio, o maior avião de carga de mundo, AN-225 Mriya, levou 111,5 toneladas de carga da China para a Ucrânia. Isso foi seu segundo voo ao país com a carga destinada para combate da Covid-19. Os equipamentos e suprimentos médicos serão distribuídos gratuitamente entre 120 unidades de saúde das 13 regiões do país. A aviação de transporte ucraniana durante a pandemia entrega cargas humanitárias e comerciais para muitos países do mundo. No dia 07 de abril o segundo maior avião do mundo, AN-124-100 Ruslân, levou os equipamentos de proteção individual da China para a cidade de Brasília.
Embassy – Os médicos e enfermeiros são suficientes para atender os infectados e essas categorias estão recebendo atenção especial para não contaminar?
Para não sobrecarregar o nosso sistema de saúde foram introduzidas padrões médicos atualizados para a prestação de cuidados a pacientes com a Covid-19 que se baseiam nas recomendações da Organização Mundial da Saúde. De acordo com esses protocolos, recomenda-se que pacientes com doença leve, sem risco de complicações, bem como pacientes em recuperação e que não precisem mais de supervisão médica durante 24 horas por dia, sejam tratados em casa.
Ao mesmo tempo, os médicos fornecem monitoramento contínuo da condição atual do paciente e de pessoas de contato por telefone e / ou realizando consultas no local, em conformidade com as regras de controle infeccioso. Os médicos no local e as pessoas de contato do paciente devem sempre usar equipamento de proteção individual.
Os profissionais de saúde que estão em contato direto com os pacientes com coronavírus devem usar equipamento de proteção individual obrigatório: luvas, capa de isolamento à prova d’água e mangas compridas, ter respirador com classificação de proteção não inferior a FFP2. Está previsto 300% de aumento do salário para os funcionários de saúde que trataram pacientes com a doença.
Embassy – Quais os setores econômicos estão tendo mais perdas e o que está sendo ou será feito para revertê-las?
A pandemia da Covid-19 afetou toda a economia mundial e deixou sob pressão a ucraniana. Os setores de serviços, como turismo, aviação, comércio varejista, e também metalurgia, indústria química, construção e outros sentiram os efeitos negativos da quarentena, da redução de consumo na Ucrânia e no mundo. Entre as primeiras medidas do governo ucraniano para apoiar a economia foram as iniciativas para as pequenas e médias empresas, incluído assistência de pagamento de salários aos trabalhadores, suspensão de inspeções fiscais, disponibilidade de créditos baratos nos bancos, suspensão de pagamento de impostos sociais e impostos de imóveis, cancelamento de multas por atraso de pagamento de alguns impostos e assistência temporária aos empreendedores privados.
Também, pensando no futuro pós-pandemia, o Governo está disponibilizando os programas para estimular crescimento econômico. Por exemplo, foi anunciado o programa de 3,8 bilhões de USD para o ano 2020 para desenvolvimento de construção da infraestrutura, como rodovias e pontes, que também ajudará na criação de milhares de novos empregos. Também o Banco Central da Ucrânia baixou a taxa básica de juros de 10% até 8% para reduzir o valor dos créditos para as empresas.
Como já é de praxe na Ucrânia, quando situação fica apertada, a sociedade civil, homens e mulheres de negócios não esperam milagres do governo, eles são primeiros que reagem e tentam ajudar com muitas iniciativas de solidariedade aos compatriotas mais vulneráveis, nossos médicos, soldados e bombeiros.
Embassy – A Ucrânia é considerada “o celeiro da Europa” por causa de suas terras férteis, com safras acima da média. Em 2011, o país foi avaliado terceiro exportador do mundo de alimentos. O que muda nesse setor, na sua avaliação, depois que a pandemia terminar? Haverá consumo mais consciente?
A Ucrânia é um dos importantes fornecedores de alimentos do mundo e o terceiro para a UE, que garanta a segurança alimentar tanto a sua como dos outras regiões do mundo – na África, Oriente Médio, em alguns setores da China, Europa e Índia. Em 2019 a safra de grãos bateu recorde de 75 milhões de toneladas e 44,3% da exportação consistiu em produtos agrícolas, incluindo milho, óleo de girassol e trigo. Apesar das restrições da quarentena na Ucrânia, na área agrícola o Governo está mantendo o nível desta segurança alimentar e apoio aos produtores agrícolas pequenos. Queremos ampliar nossa exportação de produtos agrícolas para os demais mercados e buscamos novas oportunidades, não só para exportar os grãos e óleos, mas também lacticínios, carne de frango, ovos, pasta de tomate, frutas. Esperamos que durante e depois da pandemia a Ucrânia fortaleça sua posição como fornecedor mundial de alimentos.
Em abril deste ano, a Ucrânia aderiu à declaração conjunta dos membros da OMC sobre aberto e previsível comércio de produtos agrícolas e alimentos com fim de cooperação para garantir a segurança alimentar em resposta a pandemia da Covid-19. Declaramos nossa vontade de não estabelecer as barreiras irracionais para comércio exterior de produtos agrícolas e garantir que a cadeia de suprimentos permaneça aberta e conectada. Assim nossa contribuição para superar a crise global será alimentar o mundo durante e depois da pandemia.
Embassy – A Ucrânia está ajudando outros países ou recebendo ajuda durante essa pandemia?
A Ucrânia recebeu assistência humanitária e financeira de vários países, como os EUA, os países da União Europeia, a China, a Índia, o Canadá, os Emirados Árabes Unidos, a Turquia e outros para combater a pandemia de Covid-19. Também, ajudamos outros países e a Organização do Tratado do Atlântico de Norte (OTAN) prestando serviços das nossas famosas aeronaves de carga, AN-124 Ruslân e AN-225 Mriya, para transportar os itens médicos emergenciais em grande quantidade que muitos países precisam. No começo da pandemia, na República Popular da China, quando estávamos repatriando os ucranianos de província de Wuhán, ajudamos também cidadãos da Argentina, República Dominicana, Equador, Salvador, Costa Rica e Cazaquistão. Em abril enviamos um grupo de médicos ucranianos e uma carga de ajuda humanitária para a Itália visando apoiar população no combate contra a pandemia.
Embassy – Mesmo com tanta fartura, fala-se que mais de dois milhões de trabalhadores ucranianos residem e trabalhem no exterior. O que o governo da Ucrânia tem feito por essas pessoas?
Desde que aderimos ao regime sem vistos com países da União Europeia, mais de três milhões de ucranianos residem e trabalham no exterior, aproveitando a assim chamada mobilidade humana. Eles anualmente fazem transferências para Ucrânia de um valor de aproximadamente 12 bilhões de USD. Durante a pandemia, o governo da Ucrânia ofereceu ajuda para todos os que estavam no exterior e desejavam voltar ao país. Com a ajuda do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e das nossas embaixadas, mais de 210 mil cidadãos ucranianos foram repatriados.
Para proteger e ajudar os ucranianos que não conseguiram voltar à Ucrânia, o nosso MRE lançou o programa “Proteção”. Nossas embaixadas ajudam a resolver os problemas com documentos/permissões/vistos vencidos, e junto com as organizações governamentais e não governamentais providenciamos ajuda humanitária a quem precisa.
Agradecemos a Polícia Federal do Brasil pela compreensão e apoio nas situações de força maior quando nossos cidadãos ficam com permissões de estadia vencidas por causa da pandemia. A Embaixada da Ucrânia no Brasil, junto com Itamaraty, facilitou o trânsito a Chile para cientistas ucranianos que trabalham na Estação ucraniana Acadêmico Vernadsky na Antártida.
Embassy – Como está sendo feito o atendimento consular da embaixada e a assistência para os ucranianos residentes no Brasil?
Por causa de disseminação do coronavírus, a Embaixada da Ucrânia no Brasil suspendeu temporariamente o atendimento consular presencial. Os funcionários da Embaixada estão trabalhando em regime de home office. Ao mesmo tempo mudaram-se as solicitações dos cidadãos. No momento não expedimos vistos, pois ninguém viaja. O trabalho consular está focado no retorno dos nossos cidadãos para a Ucrânia, assistência no trânsito pelo território do Brasil, fornecimento de informações sobre as formas e vias existentes de retornar à Ucrânia e para organizar sua estadia e proteção no Brasil. Também estamos monitorando a situação epidemiológica e regimes de emergência no Brasil, e em outros países da região que são da responsabilidade da embaixada: Bolívia, Guiana e Suriname.
Nós temos o aplicativo de cadastro voluntário de cidadãos ucranianos em viagens ao exterior. Este app permite realizar o registro consular on-line. É uma ferramenta eficaz para ajudar aos cidadãos da Ucrânia em caso de emergência no exterior – desastres naturais, agitação social e conflitos militares. Este aplicativo nos ajuda muito. Primeiro, todas as informações relevantes sobre os cidadãos ucranianos e suas necessidades podemos consultar em tempo real, tanto no Ministério de Relações Exteriores da Ucrânia como na embaixada. Em segundo lugar, é um canal de comunicação operacional de via dupla que permite informar rapidamente os cidadãos sobre possíveis rotas de evacuação ou voos especiais para Europa e Ucrânia.
Além disso, podemos ver quantos cidadãos ucranianos estão no território do país e em quais regiões, e também que tipo de ajuda eles precisam. Isso facilita o trabalho consular. Também usamos ativamente as redes sociais e outros aplicativos de mensagens instantâneas para comunicação constante com nossos cidadãos. O que permite prestar atenção especial a cada caso e fornecer apoio em tempo real, a qualquer hora do dia e de noite.