Liz Elaine Lôbo
Produção: Elna Souza
O governo, que planeja o fim do confinamento por etapas a partir de maio e até o fim de junho, registrou o maior número de altas em 24 horas desde o início da epidemia, com 6.399 pessoas curadas. Em entrevista exclusiva à revista Embassy, o embaixador da Espanha no Brasil, Fernando Garcia Casas, fala do combate à pandemia no país que é o segundo mais visitado por turistas de todo o mundo. O setor de turismo, segundo o diplomata, é o que mais está sendo sacrificado com a Covid-19. Leia, agora, a íntegra da entrevista.
Embassy – A Espanha está sendo um dos países mais atingidos no mundo pela pandemia. São mais de 19 mil mortes. Que avaliação o senhor faz da pandemia no país?
Não é fácil fazer uma avaliação precisa das causas pelas quais a Espanha tenha sido um dos países mais atingidos pela pandemia da Covid-19. É fato que este vírus tem afetado intensamente a maioria dos países da Europa Ocidental. A nossa é uma sociedade aberta e muito sociável e talvez isso também nos tenha tornado mais vulneráveis. Ainda tem muitas coisas que desconhecemos sobre o comportamento do vírus, mas o fato da Espanha ser o segundo país mais visitado por turistas de todo o mundo poderia ser uma delas. A pirâmide de população, com uma percentagem alta de idosos e uma elevada esperança de vida, também deve ter contribuído a que o número de mortes seja mais elevado.
Segundo dados atuais, do dia 27 de abril, o número de casos confirmados é 209.465 e de mortes 23.521. No meio dessa situação, há dados positivos e esperançosos. A evolução do registro de óbitos é descendente desde o início de abril, a curva se aplana. O número de pessoas curadas supera as 100 mil (48% dos positivos). A Espanha é um dos países com a maior taxa de curados. O número de testes com PCR, o sistema mais confiável e seguro, até 27 de abril, foi de 1.345.560 pessoas, é dizer a Espanha está entre os dez países que mais testes faz no mundo, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE. Iniciamos uma pesquisa com 36 mil famílias (60 mil pessoas, 2,5 por família) para conhecer a expansão real da Covid-19 e fazer o teste primeiro de anticorpos do vírus. No dia 26 de abril começaram a sair à rua as crianças e a partir do dia 2 de maio será permitido sair para fazer exercício físico e passear.
Embassy – Na sua avaliação, porque a região da Catalunha é a mais sofrida com a Covid-19?
A Catalunha não é a região que mais tem sofrido com a Covid-19, é a segunda depois de Madri em número de casos. Até o dia 27 de abril, Madri tinha 59.421 casos confirmados e a Catalunha 47.755. Os mortos em Madri foram 7.986 e na Catalunha 4.699. No caso da Catalunha, os motivos poderiam ser similares aos que já falei: Barcelona é a segunda cidade mais atingida depois de Madri, é uma das cidades mais visitadas do mundo, por ela passam anualmente milhões de pessoas e tem muitos eventos multitudinários. No resto de Catalunha a incidência é mais irregular, tem áreas com poucos casos e outras mais problemáticas.
Embassy – O turismo talvez seja o setor que teve mais perdas na Espanha com a crise provocada pela Covid-19. O senhor avalia quanto em termos monetários tem sido essa perda desde o início da pandemia?
O setor de turismo é realmente um dos mais afetados, com um grande impacto na oferta e demanda de serviços de viagens e turismo porque é um setor fortemente vinculado à globalização. A sua recuperação dependerá da situação dos mercados emissores e da evolução do coronavírus neles, que atua de maneira diferente, abrindo cenários que terão consequências diretas nas fases de reinício das viagens nacionais e internacionais. Em um último estudo de 19 de abril, EXCELTUR, (a associação dos empresários de turismo) estima que, em julho e agosto, poderia ser ativada entre um 50% e 60% da demanda nacional, além de alguns visitantes franceses e portugueses que se deslocam em seus veículos. Por outro lado, não espera que os aviões com passageiros internacionais comecem a chegar na Espanha até o final de agosto e apenas atrairão 20% dos viajantes recebidos em 2019.
Olhando para os números após a SARS, a guerra do Iraque, ou a grande crise que varreu o mundo em 2009, o turismo internacional sempre experimentou uma grande resiliência, mais ágil e acima de outros setores. No momento, o que mais importa é a saúde e a segurança das pessoas, além dos milhões de turistas que nos visitam todos os anos. Esta é a prioridade absoluta do governo da Espanha e todas as decisões tomadas são precisamente focadas na preservação da saúde. A Espanha sempre foi um destino seguro e agora, mais do que nunca, essa ideia precisa ser reforçada, porque a segurança será um dos fatores mais importantes na construção da confiança dos viajantes. Além disso, a Comissão do Setor de Turismo concordou, no dia 23 de abril, com um só protocolo de saúde entre o Estado e as regiões contra o Covid-19 para se preparar à reabertura do setor assim que as medidas de contenção forem relaxadas. Da mesma forma, aplicaremos muito eficazmente as decisões que tomarmos, de comum acordo, os países da União Europeia. ¡¡Espanha te espera!!
Embassy – Como o governo espanhol tem lidado com a pandemia em relação aos refugiados?
Quanto aos refugiados, a Espanha não está vivendo uma situação de afluxo em massa, mas as autoridades espanholas têm tomado medidas no sentido de assegurar a manutenção das ajudas à subsistência dos beneficiários de asilo e refúgio durante a crise. Isso também é extensivo a aquelas pessoas que não conseguiram concluir o processo de solicitação de asilo ou refúgio. Os centros de acolhida de refugiados estão seguindo os protocolos de prevenção e o isolamento social determinados no resto do país.
Embassy – Como fica a sobrevivência daqueles que não têm ou que perderam emprego, das pequenas e médias empresas? O governo espanhol tem algum plano econômico?
Desde que o estado de alarme foi decretado na Espanha, existem muitas medidas adotadas pelo governo espanhol para combater a pandemia e seus efeitos sobre a população, especialmente nas pessoas mais vulneráveis. Houve uma grande injeção de liquidez para às famílias, os trabalhadores por conta própria e créditos para as empresas, (mais de cem bilhões de reais e créditos por valor de 200 mil milhões de euros), adiamento do pagamento de impostos e reembolso de empréstimos; isenção de contribuições previdenciárias, moratória em empréstimos hipotecários e garantia de fornecimento de agua, gás e eletricidade aos grupos mais vulneráveis, reforço dos seguros de desemprego e impossibilidade de demissão pelo coronavírus, e se vai estabelecer uma renda mínima para todos os que o precisarem.
Entre as medidas adotadas, na luta contra o desemprego e o desaparecimento de empresas e negócios as mais importantes são:
- Linha de garantias públicas (ICO) de 80% para facilitar a liquidez para empresas no valor de 100 mil milhões de euros; linha dotada de dois mil milhões para empresas exportadoras; apoio à digitalização das PME e planos de I&D para promover o teletrabalho. Também tem sido aprovado que a Linha de Garantia dos avais do ICO de 100 milhões de euros permitirá cobrir as notas da empresa e reforçar as sociedades de garantia mútua das comunidades autônomas.
- Proibição de demissões relacionadas à crise do coronavírus; Todos os trabalhadores terão o direito de reorganizar ou reduzir suas horas de trabalho, mesmo em até 100%, para cuidar de parentes, idosos ou crianças, diante do fechamento de escolas e serviços sociais.
- Possibilidade de PME e trabalhadores independentes adiarem dívidas com o Tesouro em até 30 mil euros por seis meses, com um período de carência de três meses.
- Estabelecimento de ERTE (Suspensão temporária ou redução do contrato do trabalho)flexível. Os afetados se beneficiarão do subsídio de desemprego, mesmo que não tenham direito a ele por não terem contribuído o suficiente. Se o ERTE for solicitado por força maior, as empresas com menos de 50 funcionários terão um desconto de 100% nas contribuições e 75% se a força de trabalho for maior. Os benefícios coletados durante o estado de alarme não contarão para o desemprego subsequente. A aplicação das ERTEs tem sido aumentada devido à força maior para cobrir quedas significativas de atividade nos setores considerados essenciais que também viram seus rendimentos diminuir.
- Relaxamento da regra de gastos para permitir que os municípios gastem suas economias em serviços sociais, dependência e outros tipos de atividades sociais relacionadas com o coronavírus.
- Moratória sobre o pagamento de hipotecas pela primeira casa para pessoas que reduziram sua renda ou estão desempregadas devido ao coronavírus. A moratória do pagamento da hipoteca tem sido estendida para três meses para as pessoas que perderam o emprego ou tiveram sua renda reduzida em comparação com o mês contemplado até agora. A moratória também é estendida aos trabalhadores por conta própria.
- 600 milhões de euros para reforçar os serviços sociais, com transferências para comunidades e municípios autônomos, proteção de suprimentos básicos (eletricidade, água e gás) e serviços de telecomunicações.
- Foi concedida uma moratória de três meses aos empréstimos ao consumidor para pessoas consideradas vulneráveis, prorrogáveis se necessário. Aprovou-se também uma moratória sobre o pagamento de contribuições dos autónomos em maio, junho e julho, por seis meses sem juros; adiamento do pagamento de dívidas com a Seguridade Social até 30 de junho.
- Os serviços de atendimento às vítimas de abuso sexual são garantidos, pois serviços essenciais e o apoio às vítimas de violência sexista são reforçados.
- Um benefício extraordinário de desemprego é criado para trabalhadores domésticos equivalente a 70% de sua base de contribuição. Para os trabalhadores temporários, embora não tenham a contribuição necessária, é aprovado um auxílio de cerca de 440 euros, 80% do Iprem (Indicador de Renda).
- Foi estabelecido um mecanismo para renegociação e adiamento do pagamento do aluguel das instalações comerciais
- As bases tributárias são ajustadas à situação econômica, liberando 1.100 milhões de euros em liquidez para empresas, principalmente PMEs e trabalhadores por conta própria.
- A cobertura do subsídio de desemprego foi estendida aos trabalhadores despedidos durante o período experimental de um novo emprego
Embassy – O que está sendo feito na área da educação hoje na Espanha? Como será a recuperação das aulas dos estudantes?
Em função do estado de alarme decretado, foi determinado o fechamento de todas as escolas do país no dia 14 de março, em todos os níveis educativos, e ainda permanecem fechadas. É preciso levar em conta que na Espanha o calendário escolar vai de setembro a junho, então a pandemia tem afetado principalmente no último trimestre do curso.
As medidas educativas implementadas para paliar os efeitos da pandemia estão organizadas em três eixos. Primeiro, proporcionar recursos online para a comunidade educativa, tanto pelo Ministério da Educação quanto pelas administrações regionais (as quais têm competências em educação na Espanha, de forma similar ao Brasil com os estados). Foi criada uma programação especial, de cinco horas diárias, em colaboração com o canal de TV nacional (RTVE), para alunos de seis a 16 anos. Também foi feita uma distribuição de equipamentos, linhas de dados e licenças de ferramentas entre alunos e famílias em situação de vulnerabilidade social, mediante a colaboração com várias empresas. Segundo, dar apoio emocional, assim como ajudas econômicas ou de distribuição de alimentos para os estudantes com maiores necessidades.
Como terceiro eixo, foi acordado que a duração do ano letivo se mantenha até junho, seguindo nosso calendário escolar, e estabelece adaptações nas atividades letivas, no currículo e nas programações didáticas, focando-se nos aprendizados mais importantes de cada ano. Também foi acertado flexibilizar os processos de avaliação e promoção, sempre com a ideia de beneficiar ao aluno. Foram apresentadas diretrizes para o próximo ano letivo, tais como adaptações de currículo e de recuperação das atividades educativas necessárias que permitam a todos alunos avançar, particularmente aqueles que têm maiores dificuldades de aprendizagem. Evidentemente, os aspetos educativos mais aplicados, tais como laboratórios, práticas em empresas, etc., deverão ser adaptados no próximo ano letivo, a começar em setembro, também com o intuito de que os estudantes revisem os conhecimentos necessários. Ao mesmo tempo, a prova EBAU para o acesso ao ensino universitário (ENEM em Brasil) foi adiada até início de julho.
Paralelamente, no ensino Superior, as universidades continuam com educação a distância e online. Tanto os conteúdos programados quanto as provas continuarão nas datas previstas, com as adaptações necessárias. Facilita-se o retorno de estudantes Erasmus+ que tiveram seus estudos interrompidos pela pandemia e permanecem os programas de bolsas de estudos para docentes e pesquisadores no exterior assim como com as bolsas dos estudantes. O Ministério de Universidades e o Conselho de Reitores promovem una plataforma, Conectad@s: “a universidade em casa” de apoio à comunidade educativa de ensino superior. Ainda não foi decidida a data de volta das aulas presenciais, mas levando em conta que o curso escolar na Espanha se encerra em junho, é possível que as escolas abram nos últimos dias de junho, ou não abram até o próximo curso em setembro, ainda não está decidido.
Embassy – A embaixada está fazendo atendimento consular? De que forma está sendo dada a assistência aos espanhóis que vivem no Brasil?
A Embaixada continua prestando atendimento consular, tanto por meio da sua Seção Consular como dos quatro Consulados Gerais do nosso país presentes no Brasil: em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador de Bahia e Porto Alegre. Embora o atendimento presencial ao público tenha sido limitado a casos urgentes em cumprimento das restrições impostas pelas autoridades, por meio de seus correios eletrônicos e telefones de emergência, os Consulados continuam atendendo todos os dias, 24 horas por dia, os cidadãos espanhóis que recorreram à nossa ajuda. Também foram respondidas numerosas consultas de cidadãos brasileiros. Além disso, a atuação consular foi coordenada em Brasília com as seções consulares de outros países da UE através da Delegação da União Europeia. Um caso que requereu especial esforço de nossos serviços consulares durante este último mês foi o dos espanhóis não residentes no Brasil que se encontravam aqui a turismo, negócios ou estudos. Estes cidadãos se encontraram, em muitos casos, com problemas para retornar nas datas previstas, assunto que estivemos acompanhando permanentemente, tratando de ajudar caso por caso e de facilitar o retorno deles à Espanha. Ainda temos alguns destes casos, aos que estamos dando prioridade, tanto para facilitar o retorno quanto, em alguns casos, para prestar assistência consular.