Liz Elaine Lôbo/ Súsan Faria
Produção: Elna Souza
Com pouco mais de 5,5 milhões de habitantes, a Finlândia já viveu momentos de guerra, de fome, de pobreza. Talvez, por isso, esteja entre as nações melhor preparadas para controlar os casos de infecção. O país se organiza há décadas para possíveis emergências com planos de contingência contra qualquer tipo de calamidade: enchentes, incêndios, bomba nuclear e pandemias.
Dessa vez, os finlandeses encaram um inimigo que não é só deles, mas do mundo inteiro. A arma, no entanto, continua sendo a mesma; a união da população que segue, a risca, as recomendações do governo como a de permanecer em casa nesse momento. “Nesta crise somos todos apoiadores e apoiados”, afirmou o embaixador Jouko Leinonen, em entrevista exclusiva à revista Embassy.
Em sua fala, Leinonen dá um panorama do momento vivido na Finlândia. Segundo ele, o governo decidiu abrir grandes depósitos mantidos para segurança de abastecimento e que armazenam diversos produtos, que são guardados há décadas, desde a Guerra Fria, para eventuais emergências. O embaixador finlandês também ressalta o apoio de empresas do país na produção de álcool gel, de teste rápidos, de plataformas e aplicativos que monitoram a distância os pacientes infectados, evitando o contágio de outras pessoas. Leia, a seguir, a entrevista completa de Jouko Leinonen.
Foto YuriAlvetti
Embassy – Como o país está enfrentando a pandemia do coronavírus?
Estamos enfrentando com respeito e união. Todos têm papel fundamental no combate ao coronavírus e a maneira mais eficaz de fazê-lo é o trabalho em conjunto entre o governo e a população. A Finlândia leva muito a sério a saúde de seus cidadãos e, por isso, medidas rigorosas foram tomadas pelo governo para evitar que a epidemia se espalhe em larga escala pelo país. O estado de emergência foi declarado na Finlândia para, por exemplo, facilitar medidas duras que às vezes limitam os direitos que temos em tempos normais, mas que são importantes em situações extraordinárias como esta. Fronteiras da Finlândia foram fechadas para preservar a saúde de todos e a região de Uusimaa – onde fica Helsinque – foi isolada, já que a capital concentra o maior número de casos.
Tivemos ainda uma decisão histórica de abrir grandes depósitos mantidos para segurança de abastecimento e que armazenam diversos produtos essenciais de saúde para tempos de crise, como agulhas e seringas descartáveis, material de intubação, dispositivos de transfusão de sangue e muitos outros insumos gerais, como petróleo e cereais, por exemplo. Esses depósitos são mantidos há décadas, desde a Guerra Fria, para eventuais emergências, como ameaças militares, e nos fazem ganhar tempo também em emergências sanitárias como essa.
Além disso, a população está desempenhando papel fundamental nessa luta ao lado do governo. As pessoas respeitam a recomendação de ficar em casa, as ruas estão vazias e os cuidados são devidamente tomados. Todos estão conscientes de que ninguém pode vencer esse vírus sozinho e que precisamos nos unir para a proteção da população como um todo. Acredito que essa soma seja extremamente importante: o governo deve adotar as medidas recomendadas pelas autoridades de saúde e epidemiologia, e a população deve fazer a sua parte. É uma luta em conjunto. E isso vem acontecendo na Finlândia, então acredito que estamos todos cumprindo o nosso dever como cidadãos.
Embassy – O senhor ressaltou e o atacante brasileiro Luís Henrique, que defende o Helsinque, da Finlândia, também deixou o país elogiando o comportamento dos finlandeses. Segundo ele, são muito cuidadosos com tudo. Esse jeito de viver é cultural? Como a Finlândia chegou a tanto desenvolvimento?
Na Finlândia temos pouco mais de 5,5 milhões de habitantes, uma população relativamente pequena, vivendo em latitudes de clima ártico. Nessa natureza e no frio que dura metade do ano, ninguém sobrevive sozinho – só juntando forças com outras pessoas. Nessas condições meteorológicas, o trabalho de todos os homens, assim como de todas as mulheres, historicamente sempre foi importante, então todo mundo é importante como indivíduo e também como parte da comunidade. Sempre tivemos essa cultura de união, de respeito ao próximo, de cuidado para que todos se sintam protegidos e confortáveis. Finlandeses confiam uns nos outros. Os interesses coletivos estão acima dos interesses pessoais. Neste período difícil de pandemia, a confiança, o respeito e a união são fundamentais, então espero que esses valores finlandeses nos ajudem muito no combate ao vírus e acho que somos privilegiados por essa cultura. Queremos proteger nossos idosos, nossas populações com problemas crônicos de saúde, nossa população mais vulnerável.
Acredito que atingimos esse nível de consciência social e união comunitária também porque a Finlândia passou por momentos muito difíceis ao longo de sua história, momentos de guerra, de fome, de pobreza – e nem faz tanto tempo assim… E acredito que isso tenha unido os finlandeses, criando uma sociedade em que todos se importam com o coletivo e pensam na população como um todo, não como indivíduos desconexos. Nós superamos esses momentos históricos difíceis, de guerra e fome, porque a sociedade estava unida. E neste momento atual vamos superar esse novo obstáculo da mesma forma: com união.
Embassy – Na Finlândia, uma indústria de vodka e outras bebidas – a companhia Altia – está adaptando uma de suas destilarias para produzir álcool desnaturado, matéria-prima base para a fabricação de álcool gel, e com isso ajudar a combater a Covid-19. Iniciativas semelhantes acontecem no país?
Sim, a Finlândia tem um foco muito grande em inovação e, neste momento de crise, esse know-how é muito útil e relevante, pois precisamos de soluções rápidas e inteligentes. E estamos vendo essa mobilização em diferentes setores para ajudar na luta contra a Covid19. Empresas finlandesas de Health Tech, por exemplo, estão se destacando nesse cenário – um dos primeiros testes que identificam SARS-CoV-2-coronavirus veio de uma empresa finlandesa, por exemplo. Outras desenvolveram testes práticos e pouco invasivos, que detectam a presença de anticorpos contra a Covid19 com apenas uma gota de sangue – o teste pode ser feito sem nenhum contato físico entre o paciente e o profissional. Outros tipos de tecnologia vêm sendo aprimorados para frear a disseminação do vírus, como o desenvolvimento de visores que protegem o rosto inteiro dos profissionais da área da saúde. O novo produto, chamado Screentec Visor, tem sido bastante usado nas unidades de saúde e tem eficácia comprovada.
Além disso, temos exemplos de plataformas e aplicativos que monitoram a distância os pacientes infectados, evitando o contágio de outras pessoas. Algumas tecnologias conseguem monitorar a distância o ritmo da respiração, a pulsação e a saturação de oxigênio dos pacientes que se recuperam em casa, evitando a contaminação de mais pessoas nos hospitais. Não é por acaso que companhias finlandesas como Suunto e Polar inventaram tecnologias para relógios inteligentes e medidores de pulsação em esteiras há décadas.
Muitas plataformas de consultas virtuais de alta qualidade, que incluem vídeo e diversos outros serviços, foram lançadas também, evitando que a população vá a hospitais sem necessidade. E algumas empresas lançaram iniciativas solidárias, como a Twelve Textiles, que desenvolveu máscaras de algodão para uso fora de hospitais e, a cada máscara vendida, 10 máscaras cirúrgicas são doadas para unidades de saúde.
Temos visto ainda iniciativas solidárias espontâneas de pessoas e empresas que não têm uma relação direta com tecnologia e saúde, mas que querem contribuir neste momento, como a doação de 45 computadores, por parte de pequenas empresas, a alunos de uma escola no distrito de Pyhtää que não estavam conseguindo assistir aulas a distância por causa da falta de computadores. Esses são exemplos de iniciativas distintas que fazem a diferença e reforçam o cuidado e a empatia nesses tempos difíceis. Estamos vendo um esforço coletivo na Finlândia – seja de empresas de alta tecnologia, seja de pequenas empresas locais –, cada uma contribuindo como pode, para que possamos passar por esta crise o mais brevemente possível.
Embassy – Quais são as principais medidas restritivas a Finlândia está adotando no combate ao coronavírus?
O Estado de Emergência foi decretado em 16 de março, fazendo com que as fronteiras do país fossem parcialmente fechadas. Apenas finlandeses e residentes permanentes estão autorizados a entrar na Finlândia neste momento, afim de preservar a saúde de todos. Como a maior parte dos casos está concentrada em Helsinque, a região de Uusimaa foi isolada do resto do país, como uma medida para que o vírus não se espalhe rapidamente pelo resto do país. Ao desembarcar nos aeroportos, os passageiros precisam preencher um formulário sobre o estado de saúde e entregá-lo a autoridades antes de retirar a bagagem. Dependendo das respostas, a pessoa pode ser liberada para ficar em quarentena em casa ou então, se apresentar sintomas, pode ser encaminhada a uma unidade de saúde para fazer testes – enquanto espera o resultado, a pessoa deve aguardar isolada em um hotel. Todos os cidadãos que chegam ao país precisam ficar em quarentena de 14 dias, mesmo que não apresentem sintomas.
Outra iniciativa é a proibição do uso de transporte público após sair do aeroporto – deve-se usar carro próprio ou então um taxi-charter disponibilizado pelo governo. Nas escolas, as aulas presenciais foram suspensas, exceto em creches e para crianças com idade entre 7 e 10 anos cujos pais não têm com quem deixa-las enquanto trabalham. Aglomerações com mais de 10 pessoas estão proibidas. Restaurantes estão autorizados a funcionar apenas com serviço take-away e as ruas estão vazias, sinalizando a consciência da população sobre a gravidade do problema e o respeito ao próximo.
Embassy – A Finlândia está ajudando outros países a combater a pandemia? De quais formas?
Nesta crise somos todos apoiadores e apoiados. Universidades, instituições acadêmicas e centros de pesquisa da Finlândia estão trabalhando intensamente com suas redes internacionais para avançar na descoberta da vacina e tratamentos contra a Covid19 o mais rápido possível. A Finlândia tem também um amplo programa de cooperação que se concentra em apoiar os países menos desenvolvidos (LDC) do mundo, principalmente pelas organizações multilaterais das Nações Unidas e pelas instituições financeiras internacionais. Nosso apoio tenta ser desacoplado o máximo possível, afim de que as organizações possam usá-lo livremente onde haja maior necessidade. Além disso, estamos tentando apoiar todos os países liberando, por exemplo, soluções de educação a distância e de saúde gratuitamente na internet. Infelizmente muitos aplicativos estão em inglês, mas estou encorajando as entidades brasileiras para entrar em contato com provedores desses produtos para traduzi-los em português o mais rápido possível. Assim, essas soluções finlandesas serviriam também grande mundo lusófono, inclusive na África.