Liz Elaine Lôbo/ Súsan Faria
Produção: Elna Souza
No dia 23 de março, a Noruega comemorou o Dia Nórdico. Não houve festa devido à pandemia, mas celebra a união dos países no combate ao Covid-19 e seus efeitos econômicos. Com um “otimismo prudente”, o governo norueguês anunciou que a pandemia está controlada no país e começa a diminuir restrições. Os aeroportos da Noruega permanecem abertos, mas a população ficou em isolamento social completo. Até 7 de abril haviam 5863 casos de infecção confirmada por COVID-19, tendo levado mais jovens à UTI do que o esperado.
Em entrevista exclusiva para a revista Embassy, o embaixador Nils Martin Gunneng explica a atual situação na Noruega, como está sendo o combate ao coronavírus e as medidas adotadas pelos seus governantes. Segundo o diplomata, a previsão é de creches reabrirão entre 20 e 27 de abril, e as escolas, a partir do dia 27. Gunneng fala que as mudanças acontecerão, gradualmente, durante esse mês de abril, mas sob o controle do Ministério da Saúde. O ministro acredita que a batalha contra o vírus “ainda não foi vencida”. Leia a entrevista completa na revista Embassy, www.embassynews.info
Embassy – Qual a atual situação da Noruega diante dessa pandemia mundial? Qual o número de infectados com o Coronavírus?
A pandemia é uma crise global e a Noruega também foi afetada. Atualmente, é considerado que a pandemia está sob controle no país. O governo informou essa semana que reabrirá a sociedade norueguesa de forma gradual e cautelosa. As creches, as escolas de ensino básico e os contra-turnos reabrirão primeiro e, até o final de abril, o governo suspenderá a proibição de pessoas de irem até suas cabanas e casas de férias. Os cabeleireiros e outras empresas onde há contato individual poderão retomar as operações, desde que sigam os requisitos para medidas de controle de infecção. As mudanças acontecerão gradualmente durante abril.
O Ministério da Saúde afirma que a batalha contra o vírus ainda não foi vencida, embora tenha alcançado o objetivo de reduzir a taxa de propagação – o número de pessoas infectadas por cada paciente – para menos de um. O Ministro enfatiza que a sociedade norueguesa deve estar preparada por um longo período em que medidas rigorosas de controle de infecção continuarão sendo aplicadas. Até 07 de abril havia 5863 casos de infecção confirmadas por COVID-19.
Embassy- Jovens já são 32% dos internados em UTI com coronavírus, na Noruega. Existe uma explicação para esse fato já que as vítimas em todo o mundo são, na maioria, idosos?
A porcentagem de pessoas com menos de 50 anos na unidade de terapia intensiva é de 19% no momento. Vemos mais jovens na UTI do que o esperado. Isto é explicado pelo fato de que as faixas mais jovens da população são as que apresentam as maiores taxas de infecção, já que a maioria das pessoas que foram inicialmente infectadas pelo vírus era jovem.
Embassy – Todas as pessoas que não são cidadãos do país ou que não têm um visto de residência ou permissão de trabalho precisam sair da Noruega. Quantas pessoas estão nessa situação? Por que medidas tão severas? Quais as demais medidas importantes que foram tomadas?
Limitar as viagens internacionais à Noruega é uma medida para restringir a propagação da pandemia. Esta é uma medida rigorosa, mas estamos diante de uma crise global severa. A determinação é semelhante a que foi implementada pelo governo brasileiro também. Igualmente como outros países têm feito, encorajamos os viajantes noruegueses a retornarem à Noruega de seus destinos de viagem e desencorajamos viagens que não são extremamente necessárias. Ademais, os noruegueses foram proibidos de viajarem para suas cabanas, casas de campo, algo comum durante a Semana Santa.
A Noruega tomou diversas medidas para conter a propagação do vírus, entre elas o isolamento social completo. Fechamento de creches, escolas e universidades, grandes e pequenas empresas, restaurantes, academias de ginástica e bem-estar, casas de show, estabelecimentos de serviços de estética e cuidados com o corpo, piscinas públicas e parques aquáticos. Eventos culturais, eventos esportivos e atividades esportivas organizadas, tanto em ambientes internos quanto externos, são proibidos.
Em espaços públicos, as pessoas devem manter pelo menos um metro de distância de outras pessoas. Quando fora de casa, não deve haver mais de cinco pessoas em um grupo – exceto membros de uma família ou da mesma casa. Os noruegueses têm permissão de se exercitarem ao ar livre, contanto que sigam as regras acima.
Todos os restaurantes, bares, pubs e estabelecimentos sociais devem permanecer fechados, com exceção dos locais de atendimento onde são servidos alimentos, como cantinas e estabelecimentos de alimentação, que podem acomodar uma distância de pelo menos 1 metro entre os visitantes. Os alimentos não devem ser servidos em estilo buffet.
Quem esteve em contato próximo com alguém que demonstrou ter o coronavírus, deve passar por quarentena por 14 dias. Quem foi infectado ou está sendo testado, deve ficar isolado. Pessoas que retornaram à Noruega a partir de 27 de fevereiro devem ficar em quarentena por duas semanas, mesmo que não tenham sintomas da Covid-19.
Embassy- Está havendo cobrança de multas também para quem descumpre o confinamento como em vários países?
Sim, se uma pessoa não cumprir a quarentena, poderá receber uma multa de aproximadamente R$ 10.000, ou 15 dias de prisão. Se uma empresa não cumprir a quarentena, poderá receber uma multa de aproximadamente R$ 25.000. Se uma pessoa quebra a proibição de ir à cabana, casa de fim de semana, residência secundária fora do município em que vive, a multa é de R $ 7000 ou 10 dias de prisão.
Embassy – Em relação à economia, o que o governo norueguês está fazendo?
Na frente econômica, o país lançou um pacote de medidas, que incluiu, entre outras: corte da taxa básica de juros em meio ponto percentual, empréstimos bancários para empresas norueguesas, e maior prazo para pagar os impostos que incidem sobre a folha de pagamento dos funcionários.
Embassy – Que tipo de tratamento os doentes estão recebendo?
Para tratar os infectados pelo coronavírus, os noruegueses também começaram a testar vacinas desenvolvidas originalmente para enfrentar outras doenças. O estudo, encabeçado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), começou semana passada. A Noruega aumentou o apoio, em cerca de R$ 1 bilhão, ao desenvolvimento de vacinas contra o vírus que causou a atual pandemia de Covid-19 e contra futuras epidemias. O apoio é para a Coalizão para Inovações em Preparação de Epidemias (Cepi).
Embassy – Os aeroportos da Noruega não foram fechados. Existe a possibilidade de fecharem?
Os aeroportos da Noruega permanecem abertos, mas a quantidade de voos é bastante reduzida. Por ser um hub de viagens, o aeroporto de Oslo opera com um ou dois voos internacionais por dia.
Embassy – Como está sendo feito o atendimento na embaixada nesse período de quarentena no Brasil?
A Embaixada da Noruega em Brasília permanece aberta, mas a maioria dos funcionários está trabalhando de casa. O Ministério das Relações Exteriores da Noruega emitiu recomendações para todos os funcionários do serviço externo com medidas para reduzir a propagação do vírus. Com base nessas recomendações, implementamos o tele-trabalho e o rodízio de funcionários. A embaixada mantém suas atividades e está disponível ao público, pelo telefone +55 61 3521-9800 e e-mail: emb.brasilia@mfa.no. Caso alguém precise comparecer à Embaixada, recomendamos que liguem com antecedência para marcar atendimento.
Embassy – A Noruega contribuiu com 150 milhões de coroas ao novo Fundo Global da ONU para combater o Coronavírus e também tomou a iniciativa de criar um novo fundo de múltiplos doadores nas Nações Unidas para ajudar países em desenvolvimento com sistemas de saúde fragilizados. De que forma o governo norueguês espera que essas iniciativas cheguem aos países em dificuldades?
A criação de um novo Fundo Global de múltiplos doadores da ONU foi uma iniciativa da Noruega. Também fizemos a primeira contribuição ao Fundo, cerca de R$ 74 milhões. O Fundo visa ajudar países a responder à pandemia do Covid-19 e estimular a recuperação o mais rápido possível após o término da crise, principalmente em países com sistemas de saúde fragilizados.
De acordo com a Ministra das Relações Exteriores, Ine Eriksen Søreide, ‘”a experiência de outras crises mostra que, quanto mais cedo você inicia o plano de resposta a longo prazo, mais preciso e bem-sucedido o esforço se torna. É importante combater o vírus no mundo todo e, para obter sucesso, todos os países e organizações terão que trabalhar juntos de forma eficaz.”
O coronavírus se espalhou rapidamente por todos os continentes e estima-se que impacte seriamente muitos países, especialmente aqueles que são altamente vulneráveis. Um fundo de doadores múltiplos sob os auspícios da ONU proverá previsibilidade para nossos parceiros e ajudará a tornar os esforços mais eficazes. Em crises globais como essa, a cooperação internacional é absolutamente necessária. A solidariedade internacional é mais importante do que nunca.
Embassy – Noruega está intensificando os esforços internacionais para o gerenciamento sustentável dos oceanos, assim teremos a chave para alcançar muitos dos objetivos globais da ONU. O Painel de Alto Nível para uma Economia do Mar Sustentável inclusive lançou um novo Blue paper – “Rumo à equidade oceânica” (Towards ocean equity), que explora como construir uma economia do mar justa e inclusiva. Como fica esse trabalho diante da perspectiva de uma severa crise econômica mundial.
O Governo Norueguês tem focado os esforços na coordenação internacional capaz de responder de forma conjunta e multilateral a esse desafio pelo qual todos estamos passando. É difícil medir quais serão os efeitos de uma nova crise econômica global. Contudo, o ponto de partida é que existem oportunidades enormes em pensarmos um futuro comum e de que a coordenação internacional é crucial em um momento como esse. Oceanos saudáveis e sustentáveis continuam sendo uma prioridade do governo.
Um exemplo desse foco na coordenação internacional é o Painel de Alto Nível para uma Economia do Mar Sustentável. Ele é composto por 14 chefes e chefas de Estado ao redor do mundo, de nações com perfis diversos e perspectivas diferentes. Essas lideranças se juntaram para sinalizar e catalisar ações pragmáticas e ousadas focadas em soluções, principalmente aquelas que criem um novo relacionamento entre as pessoas e o oceano, vendo isso através da lógica básica de que é necessário proteger, produzir e prosperar, colocando sempre as pessoas no centro da discussão.
O estudo “Rumo à equidade oceânica” avalia a equidade da atual economia oceânica global e esboça uma abordagem para a inclusão justa de diversos atores na agenda da economia azul sustentável e a distribuição equitativa dos benefícios dos oceanos, protegendo as nações mais vulneráveis a impactos econômicos e ambientais.
O estudo também propõe como mudar a trajetória atual das desigualdades persistentes e crescentes, mostrando que para tanto é necessária uma governança inclusiva, bem como um planejamento de longo prazo que comece com um claro compromisso com a equidade como parte integrante de uma economia oceânica sustentável e com os relacionamentos dentro e entre nações.
Embassy – No dia 23 de março comemora-se o Dia Nórdico. Não houve festa na Noruega devido à pandemia, mas o país tem algo a comemorar apesar de tudo?
Acredito que a atual pandemia reforça o papel fundamental da solidariedade internacional e da atuação conjunta das nações no enfrentamento de questões e crises globais. O que temos visto é uma intensificação da colaboração entre os países nórdicos, bem como entre outros países. Que se reuniram em prol de ações para mitigar os impactos imediatos e a longo prazo do Coronavírus-, me refiro às parcerias na busca de uma vacina, no desenvolvimento de pesquisas, no apoio aos cidadãos europeus que estão no Brasil, entre tantas outras. De acordo com a Primeira Ministra, Erna Solberg: “Os problemas globais precisam ser resolvidos a nível global, e precisamos de cooperação e não de cada um por si. Isso significa que temos que trabalhar juntos”.
É possível que antes mais do que nunca tenhamos que repensar a maneira como vivemos, como nos relacionamos, como utilizamos os recursos naturais. Qualquer crise, por menor que seja, desperta mudanças e reflexões que podem ter um impacto positivo na sociedade e no indivíduo. Acredito que nesse sentido, e considerando também o trabalho conjunto dos países, temos algo a comemorar.