BRASÍLIA – Nas últimas semanas, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tem conversado com autoridades de todo o mundo para tentar melhorar a imagem do Brasil, desta vez arranhada pelo posicionamento do presidente Jair Bolsonaro ante a pandemia de coronavírus. Em entrevista ao GLOBO, Araújo afirma que Bolsonaro foi mal interpretado ao dizer que as medidas de distanciamento social causarão o desemprego, como se não estivesse preocupado com a saúde. Voltou a dizer que as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) não são mandatórias e defendeu o fim do isolamento integral. Ele também citou Portugal, Argentina, Ásia e Oceania como as regiões onde há mais dificuldades para a repatriação de brasileiros neste momento.
O senhor disse que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, colocou-se à disposição para cooperar com o Brasil nas áreas logística e médica. Não preocupa o governo brasileiro o fato de poucos países estarem exportando materiais para o combate ao coronavírus, o que deixariam Brasil e EUA na posição de concorrentes?
Existe certamente uma demanda imensa por certos tipos de material, como se sabe. Existe também, conforme o Ministro Mandetta (Luiz Mandetta, da Saúde) observou, uma grande concentração da produção na China. Parece que todos os países, de certa forma, estão concorrendo, mas acredito que a relação de cooperação com os EUA, assim como também com outros grandes parceiros, prevalecerá sobre uma eventual situação de concorrência.
Na declaração dos ministérios de comércio do G-20 (bloco que reúne as 20 economias mais ricas do mundo, incluindo o Brasil) foi destacado como princípio a rejeição a lucros e preços abusivos de produtos para combater o coronavírus. Poderia citar algum exemplo?
Não teria um exemplo concreto, mas em situação de enorme demanda e escassez de certos itens, é importante estar atento para esse risco de preços abusivos, e quando o G20 sinaliza que está atento para isso, abre-se a possibilidade de que os países membros cooperem, se identificarem que existe esse tipo de situação.
Ainda há milhares de brasileiros retidos no exterior, impedidos de voltar por causa do fechamento de fronteiras. Como são as negociações com as autoridades desses países?
Temos tido grande receptividade de todos os governos contactados. Encontramos sempre boa-vontade. Creio que a dificuldade é mais no aspecto operacional. Todos os países estão com suas capacidades muito concentradas na luta contra a pandemia, e muitas vezes leva mais tempo para se conseguir uma autorização de sobrevoo e pouso, por exemplo. Muitos aeroportos não estão operando normalmente e então leva tempo para conseguir todo o aparato de apoio em terra. São muitos os desafios decorrentes das medidas que os países estão tomando.
Quais os locais onde há mais problemas para a repatriação?
Portugal ainda representa um grande desafio pelo grande número de pessoas que se encontram ali, mas está tudo sendo bem encaminhado. Outro grande desafio é em países onde o transporte terrestre está muito limitado, de modo que é difícil para os brasileiros que estão no interior chegarem às capitais e cidades principais para pegar um voo . É o caso da Argentina por exemplo. Na Ásia e na Oceania também há um desafio pela distância, mas vamos igualmente superá-lo.
Na noite de segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro mudou o tom em relação à pandemia de coronavírus. Deixou de lado as ironias e admitiu que a pandemia é uma ameaça. Isso significa uma aproximação maior com ao Organização Mundial da Saúde (OMS)?
Não vejo que o presidente tenha mudado em termos de conteúdo. Ele já vem dizendo desde o princípio que o objetivo é salvaguardar vidas e empregos. Ele tem uma atenção muito grande aos mais vulneráveis, aos trabalhadores informais, cujo sustento está em jogo, mas em nenhum momento ele descuidou do aspecto da saúde. Mas, ao falar dos mais vulneráveis, do tema do desemprego, ao dar ênfase a isso quando ninguém mais estava falando, creio que ele foi interpretado como se estivesse menos preocupado com o aspecto da saúde, o que não é verdade.
O senhor já disse que a OMS tem um papel importante, mas não é um foro supranacional e cada país tem o direito de formular suas próprias políticas públicas. O direito de defender o não confinamento integral se encaixa nisso, por exemplo?
Exato. Acho importante que as pessoas tenham isso presente, que a OMS é formada pelos seus países membros, e que as recomendações do seu secretariado, chefiado pelo diretor-geral (Tedros Adhanom Ghebreyesus), embora certamente relevantes, não são mandatórias. Nem acho que o próprio diretor-geral as apresente como sendo mandatórias, não pretende dizer aos países exatamente como devem ser as medidas de cada um. Seria impossível um órgão ter a capacidade de determinar as medidas para 200 países diferentes.
Há outros países com essa mesma avaliação, de que não é necessário o confinamento integral, e sim o isolamento vertical, de pessoas idosas e outras que pertencem a grupos de risco?
De fato, estamos tentando acompanhar as medidas tomadas pelos diferentes países, e não parece haver um enfoque único. Os enfoques de cada país também estão mudando diariamente, evoluindo de diferentes maneiras. Todos reconhecem a seriedade do desafio.
O presidente Jair Bolsonaro tem sido criticado em todo o mundo por causa de seu posicionamento ante a pandemia de coronavírus. Isso faz lembrar a época das queimadas na Amazônia. O senhor vê algum movimento para para desgastar a imagem do Brasil, como acusou anteriormente?
Acho que existe, certamente, uma má-vontade contra nosso governo por parte de certas correntes nos meios de comunicação principalmente na Europa, que se recusam a entender o que o Brasil hoje representa, um país profundamente democrático, onde o povo retomou seu papel como centro da vida política, um país onde se aliam os valores conservadores e os valores liberais, o patriotismo, a soberania. São correntes que só conseguem pensar por rótulos, por estereótipos, que não fazem nenhum esforço por compreender a atual sociedade brasileira. Isso ficou muito claro na questão da Amazônia. Hoje se vê isso também, não existe um esforço para entender quais são os desafios que o coronavírus coloca para o Brasil e qual é a resposta do governo. Antes de entender, já estão rotulando e difamando.
O senhor vem conversando com ministros de outros países para tentar corrigir possíveis erros de comunicação e melhorar a imagem do Brasil?
Sim, tenho conversado, procurando apresentar qual é a realidade do Brasil, procurando incentivar outros ministros a formarem uma imagem mais profunda e sofisticada do Brasil e do nosso governo, a deixarem de lado os rótulos e estereótipos. Por exemplo, o rótulo de “autoritário” que às vezes a mídia internacional nos aplica. Procuro mostrar que o Brasil de hoje é exatamente o contrário de “autoritário”, é um país onde a democracia nunca foi tão vibrante. Acho que as pessoas entendem quando se livram dos rótulos e começam a pensar. Temos nos aproximado de muitos países quando eles passam a nos entender, temos descoberto afinidades que as pessoas afeitas aos estereótipos não poderiam imaginar – hoje estamos mais próximos do que jamais estivemos de países importantíssimos como o Japão, a Índia, os países do Golfo, queremos construir uma parceria sem precedentes também com a África, para dar alguns exemplos.