Pela primeira vez em 27 anos, o governo brasileiro votou, na Assembleia Geral da ONU , a favor do embargo econômico, comercial e financeiro a Cuba , promovido pelos Estados Unidos desde 1962. A mudança de posição brasileira, antecipada pelo GLOBO em outubro , partiu do presidente Jair Bolsonaro e faz parte da política de alinhamento com Washington e de pressão contra o regime socialista da ilha caribenha. Bolsonaro já havia atacado Cuba em seu discurso na ONU, em setembro.
A Assembleia Geral vem aprovando anualmente desde 1992, por ampla margem, uma resolução que pede o fim do embargo, iniciado no contexto da Guerra Fria, três anos depois da revolução socialista na ilha, e transformado em lei pelo Congresso americano em 1992.
Neste ano, o texto foi aprovado por 187 votos a favor, 3 contra e 2 abstenções. Além do Brasil, votaram pela manutenção do embargo Estados Unidos e Israel. Colômbia e Ucrânia se abstiveram. Em 2018, apenas EUA e Israel haviam votado pelo bloqueio, com abstenções da Ucrânia e da Moldávia.
Em seu live semanal no Facebook, o presidente Bolsonaro comentou o voto brasileiro na ONU, dizendo que Cuba era uma ditadura e devia ser tratada como tal:
— Pela primeira vez, o Brasil acompanhou os Estados Unidos na questão do embargo para Cuba. Então, somos favoráveis ao embargo para Cuba. Afinal de contas, aquilo é uma democracia? Não é. É uma ditadura. Então, tem de ser tratada como tal. O Brasil vai mudando a sua posição mais ao centro-direita.
A resolução da ONU argumenta que o embargo é contrário à liberdade de comércio e de navegação consagrada no direito internacional. O chanceler cubano, Bruno Rodríguez, afirmou nas Nações Unidas que o bloqueio já provocou um prejuízo calculado em US$ 139 bilhões a seu país.
Em seu discurso, Rodríguez ressaltou que o fim do embargo, que classificou como “um ato de genocídio”, é essencial para melhorar a qualidade de vida do povo cubano. Segundo o chanceler, o bloqueio viola massivamente uma série de direitos humanos, como o acesso a remédios produzidos por empresas americanas, a proibição de voos para aeroportos cubanos (com exceção de Havana) e o fim de programas de intercâmbio educacionais e culturais.
— O governo dos Estados Unidos não tem qualquer autoridade moral para criticar Cuba ou qualquer outro país no que diz respeito aos direitos humanos. Nós rejeitamos a manipulação dos direitos humanos com fins políticos — disse Rodríguez, citando o racismo, a política anti-imigração e a desigualdade nos EUA.
Ordem de Bolsonaro
O embaixador do Brasil na ONU, Mauro Vieira, foi instruído a votar pela manutenção do embargo pelo chanceler Ernesto Araújo. Vieira foi chanceler da presidente Dilma Rousseff entre 2015 e 2016 e comandou a Embaixada do Brasil em Washington entre 2010 e 2015, período no qual foi chefe de Araújo.
Hoje, a relação entre os diplomatas é considerada ruim. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, havia prometido que o atual embaixador permaneceria na chefia da missão brasileira na ONU até sua aposentadoria em 2021, mas o governo indicou Ronaldo Costa Filho para substituí-lo . Segundo informações apuradas pelo GLOBO , diplomatas brasileiros haviam tentado, sem sucesso, convencer o governo a se abster — postura mais branda, mas que ainda assim seria inédita.
O Brasil, tradicionalmente, se opõe a todo tipo de sanção econômica unilateral, que não tenha passado por organismos multilaterais como a própria ONU. Portanto, além do caso específico do embargo a Cuba, o voto de hoje rompe com uma posição brasileira de décadas.
Além de contrário ao regime de Havana, o governo brasileiro está de acordo com a avaliação da Casa Branca de que Cuba apoia a permanência do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, no poder. Desde que assumiu em janeiro, Bolsonaro tem feito ataques a Havana, tanto em palavras como em ações — caso das críticas e das mudanças que anunciou no Mais Médicos, e que levaram Cuba a retirar os seus 8 mil profissionais do programa.
No final de setembro, o chanceler cubano rejeitou as declarações feitas por Bolsonaro em seu discurso na ONU , de que os médicos da ilha que participavam do programa seriam agentes comunistas infiltrados no Brasil. Segundo Rodríguez, o presidente brasileiro ” delira e sente saudades da ditadura “. A comitiva de Cuba chegou a se retirar da Assembleia Geral diante dos ataques de Bolsonaro.
Em uma série de mensagens mensagens no Twitter nesta quinta, o chanceler Ernesto Araújo afirmou que “nada nos solidariza com Cuba”. “Chega de bajular Cuba. A influência que Cuba possui entre os países em desenvolvimento no sistema ONU é uma vergonha e precisa ser rompida. Seu papel de sementeira de ditaduras precisa acabar”, escreveu o ministro.
52 anos de bloqueio
Depois de 52 anos de uma política de bloqueio que não deu o resultado esperado de levar à queda do regime socialista na ilha caribenha, em 2014 o governo de Barack Obama reatou as relações diplomáticas com Havana e relaxou as sanções dos Estados Unidos determinadas pela Casa Branca — o fim do embargo depende do Congresso.
En 2016, ainda sob Obama, pela primeira vez os Estados Unidos se abstiveram na votação da resolução da Assembleia Geral que pediu o fim do bloqueio.
Com a chegada ao poder de Donald Trump, no entanto, sanções contra a ilha voltaram a ser apertadas a partir de 2017, prejudicando a economia cubana. Neste ano, as sanções dos Estados Unidos contra as exportações de petróleo venezuelano atingiram severamente Cuba, ao reduzir as vendas subsidiadas de combustíveis feitas por Caracas a Havana.