Pedro Sánchez, presidente interino do Governo espanhol, começa a enfrentar um de seus maiores desafios desde as eleições gerais realizadas em abril. Na ocasião, seu Partido Socialista Espanhol (PSOE) garantiu a maioria dos votos e ganhou, assim, o direito de indicá-lo ao cargo novamente. Mas para conseguir ser confirmado como presidente do Governo de fato, ele precisará enfrentar uma maratona, de até quatro dias, iniciada nesta segunda-feira, com seu discurso no Parlamento. Sánchez terá que conquistar a confiança dos deputados, mas inicia o processo sem ter, até o momento, conseguido fechar as negociações com o partido de esquerda Podemos, que poderia colocá-lo muito perto da vitória.
A primeira votação se registrará na tarde desta terça-feira, após um debate com os demais partidos. Sánchez precisa de uma maioria absoluta dos votos da Câmara (176) para ser investido como presidente do Governo. Ele é o único aspirante ao cargo. Se não obtiver a maioria absoluta, a segunda votação se realizará exatamente 48 horas depois da primeira, na quinta-feira. E, nesta, ele necessita apenas de mais votos afirmativos do que negativos.
O PSOE investiu na arriscadíssima estratégia de deixar que 80 dias se passassem sem um único avanço na negociação para obter o apoio necessário para garantir a maioria, para então apressar tudo no último fim de semana. Isso complica a negociação com o Podemos, possível sócio minoritário de Sánchez. Até o último momento antes do início do debate, que começou às 12h desta segunda-feira (7h no horário de Brasília), tentava-se desbloquear as negociações, que ficaram freadas na noite de domingo. O partido esquerdista Podemos diz que não há reuniões previstas para esta segunda pela manhã. As negociações, portanto, estão travadas em pleno debate no plenário.
O Podemos, dirigido por Pablo Iglesias, quer competências reais para poder desenvolver medidas estratégicas, como elevar o salário mínimo para 1.200 euros (cerca de 5.000 reais), reduzir a conta de luz e impor tributações aos bancos. Os representantes do Podemos na negociação estão recordando que eles cederam muito, porque já concordaram em renunciar a ministérios de Estado em troca do apoio e seu líder abdicou de qualquer cargo por imposição de Sánchez. Por isso, entendem que os socialistas estão criando “mais desculpas” para “não compartilhar o Governo”, segundo fontes próximas à negociação. Os socialistas, por sua vez, evitam dar detalhes e só transmitem otimismo.
A equipe negociadora do PSOE, dirigido pela vice-primeira-ministra Carmen Calvo, esmerou-se durante todo o fim de semana em procurar o apoio dos decisivos 42 deputados do Unidas Podemos. Por volta da meia-noite de domingo, os negociadores suspenderam os contatos sem acordo. Marcaram de retomá-los na manhã desta segunda, o que não aconteceu, num sinal de que as coisas estavam piores do que se esperava.
O PSOE queria fechar um pacto antes da sessão plenária de investidura iniciada nesta segunda, e também o Unidas Podemos queria ter algo claro antes da sua intervenção, já no final da tarde. Em público, os dois grupos transmitiram mensagens positivas, e todos parecem ter muito claro que, depois de o líder Pablo Iglesias abrir mão de participar do Governo, o acordo é quase uma obrigação antes da quinta-feira, quando ocorre a segunda e definitiva votação em plenário. Mas a negociação é muito complexa e há pouquíssimo tempo, por isso algumas das fontes consultadas não descartavam que as discussões pudessem se prolongar até a própria quinta-feira.
As pessoas-chaves da negociação, além dos líderes, são Carmen Calvo, Adriana Lastra e María Jesús Montero, pelo PSOE, e Pablo Echenique, Irene Montero e Pablo Gentili, chefe de Gabinete de Iglesias, pelo Unidas Podemos. Todos eles e seus interlocutores mais próximos concordaram neste domingo em impor um blecaute informativo total para não prejudicar a negociação, conforme justificavam alguns deles perante os jornalistas. Isto em si é uma prova de que a vontade de acordo é real. Mas o tempo urge, e algumas fontes consultadas não descartavam que as reuniões prossigam até o último momento da quinta-feira, quando será preciso tomar a decisão definitiva de dar posse a Sánchez para um novo mandato ou fazer fracassar o esforço, forçando novas eleições, algo que teria um custo enorme em termos de imagem, e que a maioria dos dirigentes consultados veem como muito improvável.
Antes da quinta-feira há uma votação não definitiva, mas simbólica, a da manhã de terça-feira, que poderia ser usada como um gesto, se até lá as negociações não tiverem avançado suficientemente. Mudar o voto entre a terça e a quinta-feira poderia ser uma forma de pressionar e não teria efeitos reais.
Em todo caso, e em meio a essa discrição total que também dominou a negociação do acordo sobre o Orçamento, que acabou bloqueada por falta de acordo e forçou as novas eleições, em outubro, as equipes negociadoras procuravam um pacto para chegar à sessão de investidura pelo menos com uma mensagem positiva. Sánchez, Iglesias e todos os demais porta-vozes precisam discursar nesta segunda-feira —para terça ficarão os grupos minoritários— e devem chegar com as coisas minimamente claras para ver que tipo de discurso será feito na tribuna