por Ban Ki-moon
O mundo enfrenta desafios formidáveis. Abismos de desconfiança dividem os cidadãos de seus líderes. Extremistas dividem as pessoas entre “nós” e “eles”. O planeta nos ataca com o aumento do nível do mar e recordes de temperatura. Mais de 130 milhões de pessoas precisam de assistência para sobreviver, dezenas de milhões são crianças ou jovens – a próxima geração da humanidade está ameaçada.
Depois de dez anos no cargo, estou convencido de que temos o poder para acabar com a guerra, a pobreza e a perseguição, para diminuir o abismo entre ricos e pobres e fazer com que direitos se tornem realidade na vida das pessoas. Com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, temos um novo manifesto para um futuro melhor. E com o Acordo de Paris sobre a mudança do clima, estamos enfrentando e definindo o desafio mais emblemático do nosso tempo.
Estes grandes avanços estão em perigo por sérias ameaças de segurança. Conflitos armados têm se prolongado e ficado mais complexos do que antes. Governos omissos têm desestabilizado muitas sociedades. A radicalização tem ameaçado a coesão social – justamente a resposta que os extremistas violentos buscam e comemoram. As trágicas consequências são brutalmente exibidas do Iêmen à Líbia e Iraque, do Afeganistão ao cinturão do Sahel e à região do Lago Chade.
O conflito na Síria está promovendo muitas mortes e semeando mais instabilidade, enquanto o governo local continua a bombardear bairros inteiros e um grupo de poderosos financiadores alimenta a máquina de guerra. É imperativo que se determine a responsabilidade de crimes atrozes, como o recente ataque ao comboio de ajuda humanitária da ONU e do Crescente Vermelho.
A radicalização tem ameaçado a coesão social – justamente a resposta que os extremistas violentos buscam e comemoram Continuo pressionando todos que tenham influência para que se iniciem as negociações que conduzam a uma transição política. O futuro da Síria não pode estar nas mãos de apenas um homem. Em muitos lugares, líderes estão reescrevendo a constituição, manipulando eleições, prendendo os críticos e adotando outras medidas desesperadas para ficar no poder. Os líderes precisam entender que ter um mandato é uma confiança dada pelo povo e não uma propriedade privada.
A Declaração de Nova Iorque sobre Refugiados e Migrantes, recentemente adotada, pode nos ajudar a lidar melhor com o maior número de deslocamento de pessoas desde a segunda Guerra Mundial. Com muita frequência, refugiados e migrantes sofrem ódio racial, particularmente os muçulmanos.
O mundo deve falar claramente contra líderes políticos e candidatos que se envolvem com a obscura e perigosa matemática política segundo a qual se ganha votos ao dividir as pessoas e multiplicar o medo.
Fazendo uma retrospectiva destes últimos dez anos à frente das Nações Unidas, tenho orgulho que a ONU Mulheres passou a existir e se tornou uma liderança no empoderamento e igualdade de gênero, com o objetivo de um planeta “50-50”. Tenho orgulho de me considerar um feminista. Ainda assim, precisamos fazer muito mais para erradicar a discriminação tão arraigada e a violência crônica contra as mulheres e avançar para que elas tenham participação no processo de tomada de decisões.
Também tenho defendido com garra os direitos de todas as pessoas, independente da orientação étnica, religiosa ou sexual, assim como a liberdade da sociedade civil e a atuação da mídia independente têm papeis essenciais. Para que se continue com os avanços, é necessário mais solidariedade e esforços contínuos para fortalecer as operações de paz e adaptar as Nações Unidas para os desafios do século 21. Países-membros ainda não chegaram a um acordo sobre a reforma do Conselho de Segurança – um risco continuado para sua eficiência e legitimidade.
Em muitos lugares, líderes estão reescrevendo a constituição, manipulando eleições, prendendo os críticos e adotando outras medidas desesperadas para ficar no poder. Os líderes precisam entender que ter um mandato é uma confiança dada pelo povo e não uma propriedade privada.
Com muita frequência, tenho visto que a busca por consenso tem bloqueado boas ideias ou propostas com amplo apoio no Conselho, na Assembleia Geral ou outros organismos.Consenso não deve ser confundido com unanimidade – ao fazer isto, acabamos por dar a poucos países ou a apenas um Estado poder desproporcional, deixando o mundo refém em assuntos importantes.
Visitei quase todos os países-membros da ONU na última década. De tudo o que vi – mais do que prédios governamentais e lugares históricos mundiais – é extraordinário o poder das pessoas. Um mundo perfeito ainda pode estar longe no horizonte. Mas o caminho para um mundo melhor, um mundo mais seguro, um mundo mais justo, está nas mãos de todos e de cada um de nós. Sei que, em dez anos, trabalhando juntos e unidos, chegaremos lá.
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Ban Ki-moon é secretário-geral da Organização das Nações Unidas