A disputa comercial entre China e Estados Unidos pode fazer pouco para proteger produtores desses dois países, mas pode beneficiar exportadores brasileiros e de países da União Europeia, disseram especialistas das Nações Unidas na segunda-feira (4)
ONU Brasil
Relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) estimou que a União Europeia deve capturar cerca de 70 bilhões de dólares do comércio bilateral entre EUA e China. Uma das consequências da imposição de tarifas também tem sido o desvio do comércio em favor de outros exportadores, em particular o Brasil, que rapidamente se tornou o principal fornecedor de soja para a China, disse o documento.
Japão, México e Canadá irão capturar cerca de 20 bilhões de dólares, enquanto outros países se beneficiarão menos. Segundo o relatório, embora tais volumes não sejam significativos em relação ao volume global de comércio (cerca de 17 trilhões de dólares em 2017), para muitos países representam uma grande fatia do total de exportações.
Por exemplo, o México deverá capturar 27 bilhões de dólares do comércio EUA-China, o que representa cerca de 6% do total de suas exportações. Efeitos substanciais também serão sentidos em Austrália (aumento de 4,6% nas exportações), Brasil (3,8%), Índia (3,5%), Filipinas (3,2%) e Vietnã (5%), de acordo com o documento.
O relatório apontou ainda que dos 250 bilhões de dólares em exportações chinesas que são sujeitos a tarifas norte-americanas, somente cerca de 6% serão capturados por companhias nos EUA.
De forma semelhante, dos aproximadamente 85 bilhões de dólares em exportações norte-americanas que são sujeitos a tarifas chinesas, somente cerca de 5% serão capturados por companhias do país asiático, indicou a pesquisa da ONU.
Produtores brasileiros
O relatório apontou que, enquanto as tarifas dos EUA e da China podem ser benéficas para alguns competidores estrangeiros, os efeitos médios serão mais incertos dependendo da estrutura econômica de cada país, assim como da extensão dos efeitos das tarifas sobre os preços dos produtos.
Um exemplo dessas dinâmicas são as tarifas impostas pela China aos EUA na soja, apontou o relatório. Por conta da importância desses dois mercados (a China responde por mais da metade das importações globais de soja e os EUA são o maior produtor global), as tarifas sobre o produto perturbaram o comércio global dessa commodity. “Uma das consequências da imposição de tais tarifas tem sido o desvio do comércio em favor de outros países exportadores, em particular o Brasil, que rapidamente se tornou o principal fornecedor de soja para a China”, disse o documento.
No entanto, enquanto os preços mais altos têm sido comemorados por produtores brasileiros, nem todos estão contentes, afirmou o relatório. Alguns produtores estão preocupados com a possibilidade de os preços elevados impulsionados pelas tarifas dificultarem a competitividade no longo prazo.
“Em uma situação em que a magnitude e a duração das tarifas não são claras, os produtores brasileiros relutam em tomar decisões de investimento que podem se tornar não lucrativas se as tarifas forem revogadas”, afirmou o documento.
Além disso, empresas brasileiras que operam em setores que usam soja como insumo (por exemplo, ração animal) estão fadadas a perder competitividade por conta dos preços mais altos, devido ao aumento da demanda por soja brasileira de compradores chineses.
Comércio de maquinários, químicos e instrumentos de precisão
O estudo também alertou que os efeitos “são consistentes em diferentes setores”, incluindo maquinários, móveis, químicos e instrumentos de precisão, destacando que tarifas bilaterais “farão pouco para ajudar a proteger companhias domésticas em seus respectivos mercados”.
A não ser que EUA e China concordem em derrubar a disputa tarifária até 1º de março, tarifas sobre produtos de cada país irão aumentar 25%, acima do nível atual de 10%.
Citando o ex-secretário de Estado norte-americano Cordell Hull, Pamela Coke-Hamilton, da UNCTAD, disse que as tarifas protecionistas são “uma arma que ricocheteia contra nós mesmos” e que também contribuíram para a Grande Depressão da década de 1930 e para o crescimento do extremismo.
As implicações de tais acontecimentos seriam “massivas”, disse a diretora da UNCTAD para a Divisão de Comércio Internacional em Bens, Serviços e Commodities, acrescentando que seus efeitos irão envolver, em primeiro lugar, “uma desaceleração econômica, por conta da instabilidade das commodities e dos mercados financeiros”.
Depois, disse Pamela, haverá mais “pressão sobre o crescimento global, conforme companhias terão que impor ajustes de custos que irão afetar investimentos em produtividade e rentabilidade”.
Produtores do leste asiático enfrentam contração em exportação
Mas o estudo da UNCTAD também alerta que a rixa pode atingir produtores do leste asiático com mais força, com uma contração projetada de 160 bilhões de dólares em exportações da região, a não ser que discussões entre China e EUA sejam resolvidas antes de março.
O estudo também destacou a “preocupação comum” de que disputas comerciais têm impacto inevitável sobre a “ainda frágil” economia global, especialmente sobre países em desenvolvimento dependentes de exportações.