Mesmo o projeto de lei tendo sido negado em agosto deste ano no país, grupos feministas e legisladores a favor continuam engajados
Notícias ao Minuto Brasil
Apesar da rejeição, pelo Senado, em agosto, do projeto de lei que permitia o aborto, sem limitações, até a 14ª semana de gestação, que causou grande mobilização e divisão na sociedade argentina, o assunto não morreu. As ativistas “verdes”, que adotaram lenços dessa cor para simbolizar sua luta, contra as “celestes” que defendiam a proibição da legislação, seguem engajadas.
No âmbito dos grupos feministas e dos legisladores a favor, uma nova redação do projeto vem sendo preparada para ser apresentada no próximo ano parlamentar, que se inaugura em março de 2019 – antes disso, não se pode voltar a apresentar a proposta no Congresso. Já as “celestes” têm organizado reuniões com grupos católicos com a finalidade de aumentar suas fileiras.
Nesse contexto, tem chamado a atenção um exemplo que vem de Rosario, na província de Santa Fe, uma das únicas da Argentina onde o Partido Socialista tem uma tradição muito enraizada e geralmente vence as forças tradicionais (peronismo, UCR, Mudemos) com frequência. Atualmente, seu governador é do Partido Socialista, Miguel Lifschitz.
Pois desde 2012, hospitais da rede pública de Rosario têm usado uma brecha na lei de aborto vigente na Argentina. Esta diz que o aborto está permitido em casos de estupro e de risco à saúde da mãe, o que inclui risco de morte, mas também risco de causar problemas psicológicos severos.
“Desde 2012 não há mortes maternas por abortos em Rosario”, diz o secretário de saúde da cidade, Leonardo Caruana. “Começamos em 2004 um trabalho de capacitação para atuar desde o princípio oferecendo e informando sobre todos os métodos contraceptivos. Depois, partimos para a área legal, fazendo uma interpretação do artigo 86 do Código Penal, que se refere à causa da saúde como motivo para legitimar uma interrupção.”
Essa experiência tem sido tão exitosa que, quando os defensores do aborto dentro do Mudemos, aliança governista, colocaram em pauta a ideia de voltar a debater o aborto ainda antes do novo ano parlamentar, ou seja, já na discussão do novo Código Penal, a ideia era usar a experiência de Rosario para deixar mais clara essa interpretação.
“Eu tinha 19 anos e sabia que não teria o apoio de meus pais nem dinheiro, fui a um hospital público pensando que iam me mandar embora dali, mas fui muito bem atendida por psicólogos. Como ainda estava na sétima semana, tivemos tempo de conversar muito e eles tentaram outros métodos antes, mas ainda assim eu mantive minha decisão e eles deram seguimento ao processo”, diz Ana Reyes, que realizou o procedimento sob essa justificativa, em 2015. Foi usado o medicamento abortivo misoprostol.
Outro país em que essa interpretação tem sido usada em parte dos hospitais da rede pública, já tendo causado uma jurisprudência, é a Colômbia. Ali, o aborto também só é permitido em casos de estupro, má formação do feto e riscos à saúde da mãe (risco de morte ou risco psicológico).
No país andino, o primeiro caso foi em 2007, com a menina Gisela (nome fictício), de então 16 anos. E foi levado às cortes pelos pais desta, que queriam aceder à lei alegando que a filha sofreria um trauma psicológico enorme, pois já havia sido abandonada pelo namorado.
Hoje, segundo dados oficiais, houve uma inclusão de abortos que antes seriam clandestinos às cifras oficiais, ou seja, feitos dentro da lei, embora não exista uma estatística precisa para isso. Segundo a Profamilia, órgão estatal que cuida do assunto, em 2017 houve 10.517 abortos dentro da legalidade, ante a 400 mil procedimentos clandestinos.
O órgão, porém, esclarece que as cifras de internações por complicações causadas por abortos clandestinos caiu em cerca de 15% desde que se começou a praticar os abortos nesses casos.
O problema, no caso colombiano, é que o acesso a esse tipo de recurso é mais fácil nas grandes cidades, onde os juízes são mais abertos a interpretar a lei desse modo, e os hospitais também, para realizar os procedimentos. País conservador e de maioria católica, a Colômbia, principalmente no interior do país, ainda possui localidades que resistem a essa interpretação.
Uma pesquisa de 2017, realizada a pedido do ministério da saúde, mostrou que 65% dos colombianos seriam favoráveis à lei de aborto, uma legislação que a gestão de Juan Manuel Santos (2010-2018) queria impulsar.
O novo presidente, o direitista Iván Duque, porém, é mais resistente à ideia, embora não tenha descartado levar o assunto a um debate parlamentar.