Embaixador da Suécia conta como o país europeu se tornou um dos mais igualitários quando o assunto é gênero. E, ao lado de outras nações nórdicas, tem trazido o exemplo para o Brasil
Renata Rusky (Correio Braziliense)
Licença parental — e não maternidade —, proibição da compra de serviços sexuais, aborto legalizado, currículo educacional que combate estereótipos de gênero. Conquistas que parecem tão distantes das brasileiras fazem parte da experiência da Suécia para assegurar o desenvolvimento e a justiça para homens e mulheres, meninos e meninas.
A igualdade de gênero, já conquistada no país, é o tema do projeto Diálogos nórdicos deste ano. A iniciativa das embaixadas da Noruega, da Dinamarca, da Suécia e da Finlândia tem o objetivo de estimular o debate sobre o assunto.
Em entrevista à Revista, o embaixador da Suécia no Brasil, Per-Arne Hjelmborn, mostra que o feminismo não precisa ser algo polêmico e negativo — nem mesmo para os homens.
A Suécia é, comparativamente, um dos países com mais igualdade de gênero. O senhor acredita que ainda é possível melhorar nesse sentido?
Sim, naturalmente. Melhorar é o objetivo sempre. Mas eu diria que, ao lado dos demais países nórdicos, Finlândia, Dinamarca, Suíça e Noruega, estamos assumindo liderança. Fomos pioneiros em políticas públicas para avanço de igualdade entre homens e mulheres na década de 1970. Este ano, estamos trabalhando muito com os colegas nórdicos e lançamos o projeto Diálogos Nórdicos, em que levantamos discussões sobre alguns temas, como igualdade de gênero.
Qual o papel do Estado na promoção de igualdade entre homens e mulheres?
Ele tem papel fundamental e vital, e o governo sueco tem tomado decisões importantes nesse sentido. É o primeiro governo feminista, o primeiro do mundo que escolheu esse lema. No nosso parlamento, mais de 40% são mulheres, assim como 50% dos ministros. Mas só isso não é suficiente para levar a cabo a política de gênero. A metodologia é de que todos os ministros têm responsabilidade de integrar a perspectiva de igualdade. Há pouco, nossa ministra de Transporte esteve em Brasília e comentamos com ela sobre nossos projetos aqui. Organizamos um jantar com universitários, acadêmicos e políticos para falar sobre como uma ministra trabalha com esse tema e como podemos inspirá-los.
Como vocês conseguiram essas porcentagens tão grandes de mulheres na política?
Foi uma mudança feita há cerca de 20 ou 30 anos. Representatividade importa e tornou-se uma espécie de lei não escrita para nós. Temos leis no mercado de trabalho de oferecer oportunidades e não discriminar, mas, dentro do próprio governo, não há uma norma formal. Foi uma adaptação do governo às qualidades e às necessidades da sociedade. Hoje, seria impossível um governo sem 50% de mulheres ministras. Seria como um contragolpe.
No Brasil, muitos homens acreditam que o feminismo não importa. Por que ele é importante, inclusive para os homens?
Nossa experiência é de que a igualdade de gênero não é só para mulheres. Se não, eu, como homem, não argumentaria a favor dela. É uma questão de direitos humanos e de desenvolvimento, e tem consequências positivas para toda a sociedade. Em termos de economia, temos pesquisas da Organização Internacional do Trabalho que mostram que, se as mulheres participassem do mercado de trabalho na mesma proporção, o Produto Interno Bruto aumentaria 3,3%. É um argumento muito importante, econômico, mas a questão é de direitos humanos e de aproveitar o potencial das mulheres na sociedade.
Qual o papel da educação das crianças na promoção de condições iguais entre homens e mulheres?
Nas escolas, nós não trabalhamos com os estereótipos: coisa de menina e de menino. A lei da educação da Suécia é a base para que, desde crianças, as pessoas já aprendam sobre direitos iguais. Lá, o feminismo não é um tema polêmico como no Brasil, faz parte do dia a dia. Hoje, seria muito difícil uma professora falando que uma coisa é para mulher e outra para homem. As famílias também estão vigiando. Tudo isso para que as mulheres tenham as mesmas oportunidades em tudo.
Na Suécia, os pais podem dividir entre eles, como preferirem, a licença depois do nascimento do bebê. Por que é importante que ambos tirem algum tempo para ficar em casa com o filho?
Em 1974, instituímos a licença parental, em vez da licença-maternidade. Isso mudou a perspectiva: passamos a falar na responsabilidade dos pais no cuidado das crianças, da casa. Se você for a Estocolmo, verá muitos pais sozinhos, sem mães, cuidando dos filhos.
Quais diferenças o senhor vê entre o Brasil e a Suécia na questão da igualdade de gênero?
Eu vejo que existem bons exemplos. No mundo acadêmico, fala-se muitos sobre as mulheres, elas também ocupam cargos no judiciário. Tem-se agora uma mulher no TSE. Mas, no mundo político, falta. No mercado de trabalho, não há muitas presidentes de empresa. Nossa ideia com o projeto Diálogos Nórdicos é promover discussões sobre a sociedade e como vocês podem usar a experiência nórdica. Queremos falar sobre nossas políticas públicas: licença parental, creches, horários mais flexíveis, coisas que já sabemos que trazem bons resultados. Quando essas políticas começaram, a porcentagem de mulheres no mercado de trabalho era 52%. Agora, já é de 80%. Então, sabemos que faz diferença. Essa experiência é o ponto central na nossa conversa com brasileiros e brasileiras.
O futebol feminino na Suécia é muito mais prestigiado que no Brasil, com um torneio com várias divisões. Qual é o papel do esporte na igualdade de gênero?
Eu tenho um filho e uma filha e os dois gostam de futebol. Na Suécia, foi feita uma pesquisa de jogadores ativos e ativas. O futebol masculino é o número um e o feminino, o dois. Temos quase tantas jogadoras quanto jogadores. Conheci a Marta, ela fala sueco, conversei muito com ela a respeito disso. A mídia, há 20, 30 anos, mostrava menos o esporte feminino, mas, agora, está mais equilibrado.