Rússia reforça seu papel de principal protagonista no tabuleiro do conflito
Por Jaime Spitzcovsky, que escreve sobre relações internacionais, com atenção especial ao Oriente Médio.
A tragédia da Síria, com centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados, enfrenta o espectro de mais violência, com a possibilidade de o país se tornar palco de guerra entre dois dos maiores rivais no Oriente Médio: Irã e Israel. Porém, na semana passada, a Rússia anunciou passos para reforçar o papel de principal protagonista no tabuleiro sírio e desbotou o fantasma de nova rodada de confrontos entre iranianos e israelenses.
O presidente Vladimir Putin convocou Bashar al-Assad para um encontro em solo russo, a 18 de maio, e declarou esperar a retirada de “forças estrangeiras da Síria”. O recado certamente não se referia às tropas enviadas, em 2015, por Moscou, mas às iranianas, aliadas do Kremlin na empreitada responsável por salvar da debacle a ditadura de Damasco.
A saraivada diplomática prosseguiu na quarta-feira. O chanceler Serguei Lavrov deixou de lado mesuras diplomáticas e sentenciou: forças não sírias (leia-se iranianas e seus comandados) devem se afastar, o mais breve possível, da fronteira sul do país, limítrofe a território israelense. Enquanto isso, em Moscou, ministros da Defesa da Rússia, Serguei Shoigu, e de Israel, Avigdor Liberman, desenhavam plano para impor a Teerã distância de 70 quilômetros da divisa.
A revolução islâmica iraniana carrega em seu DNA a estratégia de ampliar influência no Oriente Médio. A iniciativa de maior sucesso se verificou no Líbano, onde o Hizbullah, teleguiado por Teerã, se transformou em vetor político e paramilitar dominante no país árabe, sobretudo ao final da guerra civil, em 1990.
Além de controlar o cenário do Líbano, o regime teocrático do Irã usa o Hizbullah, com robusto arsenal de mísseis e foguetes, para colocar pressão sobre Israel, um de seus principais adversários no caleidoscópio do Oriente Médio. Em 2006, o grupo promoveu incursão em território israelense, responsável por desatar sangrenta guerra, a durar 34 dias.
Em meio à rebelião contra Bashar, russos, iranianos e o Hizbullah desabaram em solo sírio para resgatar a ditadura aliada. A vitória da coalizão permitiu ao Irã implementar a estratégia de repetir, na Síria, a experiência libanesa, construindo mais uma frente para pressionar Israel.
O premiê Binyamin Netanyahu reiterou a política de não intervir na guerra do país vizinho (ao contrário da Turquia, que invadiu a Síria para esmagar o nacionalismo curdo), mas traçou uma linha vermelha: impedir o Irã de tornar o território sírio uma plataforma para ampliar sua capacidade de influência militar no Oriente Médio.
Ao longo dos últimos meses, Israel promoveu ataques aéreos contra alvos iranianos na Síria. O Kremlin, senhor de boa parte do espaço aéreo sírio, ignorou os bombardeios. Deixava clara a mensagem de buscar um equilíbrio entre demandas israelenses e compromissos com o Irã.
Netanyahu investiu na aproximação com Putin, remando contra a maré norte-americana e europeia de tentar, no plano internacional, isolar o Kremlin. No dia 9 de maio, por exemplo, na comemoração da vitória sobre o nazismo, os líderes russo e israelense protagonizaram cenas explícitas de flerte diplomático, em plena praça Vermelha.
Israel conta com a Rússia para impedir a expansão do braço militar iraniano na Síria. E Moscou explora o episódio para, num resgate de sua relevância no Oriente Médio, exercer o papel de mediador entre Israel e Irã, países com os quais cultiva importantes relações políticas e econômicas.