Embaixador conversa sobre o país que comemora hoje(23) 48 anos da Proclamação da República
Súsan Faria
Um país pequeno, com 750 mil habitantes, dos quais 10,5% são indígenas ou descendentes. A República Cooperativa da Guiana fica na costa do Norte da América do Sul. É sobre essa nação nova, a Guiana, terra de muitas águas em língua Aruaque, e onde o turismo começa a florescer que o embaixador George WilfredTalbot, 55 anos, casado, um filho, economista e formado em Relações Internacionais -fala nesta entrevista exclusiva à Revista Embassy Brasília.Talbot, em português perfeito, fala também sobre suas impressões de Brasília e outros assuntos, como a descoberta de petróleo no território e as divergências com a Venezuela.
Segundo Talbot, na Guiana, muitos escravos fugiam das plantações de cana-de-açúcar para as selvas, onde viviam com os indígenas. Hoje, é uma nação de descendentes de trabalhadores africanos, indianos, chineses e javaneses, que eram atraídos pelos ingleses como mão-de-obra barata. Confira a entrevista do embaixador:
Fale-nos um pouco da história da Guiana?
A Guiana ganhou a independência em (26 de maio) 1966 e, quatro anos mais tarde, tornou-se República Cooperativa e formalmente cortou vínculos com o Reino Britânico e estabeleceu as instituições nacionais como os tribunais, a corte suprema. Na data nacional, 23 de fevereiro, temos uma celebração que se chama Mashramani de origem indígena, com significa uma celebração depois do trabalho, de muito trabalho com sucesso. Nesta data nacional, gostaria de dizer que é um momento importante para o país, com muitos desafios. Quero transmitir a todos os guianenses os meus cumprimentos. São 30 mil vivendo no Brasil, a grande maioria na região de fronteira, em Roraima, mas também no Amazonas e comunidades no DF e SP.
O senhor poderia falar como está o seu país?
A Guiana é um país pequeno que compartilha a história do Caribe anglófono sendo, junto com países caribenhos, ex-colônia britânica. É o único país que fala inglês no continente sul americano. Temos menos de um milhão de habitantes, somos 750 mil pessoas. É um território de 215 mil km quadrados, com gente de vários lugares: África, Índia, pois devido ao processo de escravidão e do colonialismo, muita gente foi trazida pelos britânicos para trabalhar na cana-de-açúcar. Antes da chegada dos europeus e das outras pessoas, tivemos uma população indígena. Agora, 10,5% dos habitantes são indígenas ou descendentes e que formam nove grupos distintos. É uma parte crescente da população. Nos últimos censos, nota-se aumento na população indígena.
Quais os principais desafios no país?
Como todos os países temos nossos desafios, mas estamos num bom rumo na Economia. Há a questão da pobreza, da criminalidade. Temos uma fronteira grande com os países vizinhos, muito difícil de ser monitorada, pois 80% do território são de matas. Por isso, é difícil, sobretudo tendo uma população tão pequena – 750 mil habitantes. A densidade da nossa população é menos quatro por km2 e concentrada na Costa. Possuímos um espaço enorme com comunidades bem pequenas. Hoje, temos como desafio principal o desenvolvimento do país, ou seja, estabelecer a infraestrutura para possibilitar maior crescimento econômico. Atualmente, estamos numa fase positiva que é a descoberta do petróleo, que representa oportunidades sem precedentes. É recente. As pesquisas começaram em 2015, já fizeram seis descobertas. A exploração/produção está programada para começar no ano 2020.
Com o Brasil, quais são os interesses maiores da Guiana, especialmente no comércio?
Estamos agora com 50 anos de relações bilaterais, que começaram em 1968. É o vizinho com maior área, fronteira e população. Nossa fronteira é de 1.600 km com o Brasil. E com relações sempre caracterizadas pela amizade, fraternidade, respeito mútuo. Por isso, o vemos como parceiro muito importante. Não temos problemas fronteiriços com o Brasil como com outros vizinhos. No plano econômico há muito a fazer para desenvolver as relações. Estamos trabalhando com várias possibilidades, entre elas, a integração da infraestrutura, um projeto importante passando pelo Norte, principalmente nos estados de Roraima e Amazonas. A saída pelo Atlântico fica fácil, potencialmente. Com a Venezuela essa fronteira é mais larga e mais longe. Queremos um corredor de investimento que ligue os estados do Norte do Brasil com a Guiana e outros países, por estradas, inicialmente. Pode ser depois por ferrovias. Há muita atividade econômica no interior, como a mineração de ouro. É necessário infraestrutura para articular as diversas regiões e as atividades econômicas.
Hoje, como está o comércio entre o Brasil e a Guiana?
Esse comércio está crescendo moderadamente e é bem pequeno tendo em vista as possibilidades. Exportamos por exemplo arroz, farinha e outros de menor importância para o Norte. Do Brasil importamos maquinários e vários produtos, especialmente os de uso capital.
É intenção da Guiana exportar petróleo para o Brasil?
Não está contemplado agora, porque o Brasil também é produtor de petróleo. Vamos definir ainda os mercados do petróleo da Guiana.
A crise na Venezuela está repercutindo na Guiana?
Não temos ondas grandes de entradas dos venezuelanos na Guiana. Em comparação com o Brasil e a Colômbia, os números são menores.
Há disputa territorial da Venezuela com a Guiana. Como está a questão?
No ano de 1899, se acertou a fronteira entre os dois países por meio de um laudo arbitral, feito por uma comissão de representantes da Inglaterra, Reino Unido e Venezuela. Dezessete anos depois da arbitragem, a Venezuela reclamou quase dois terços das terras da Guiana. É um tema que está nas mãos das Nações Unidas, da Corte Internacional.
A Guiana é um lugar turístico?
Sim, mas está em processo de crescimento nessa área. Temos um turismo mais do interior. Não possuímos bonitas praias, como Barbados e Jamaica, mas temos muitas cachoeiras, a flora e a fauna, que os turistas mais aventureiros podem aproveitar.
Na capital há lugares históricos, como uma igreja feita de madeira que figura entre as mais altas do mundo. Temos arquitetura vitoriana em parte de Georgetown. O turismo está ganhando mais atenção no país porque o governo está prestando mais atenção na área. Chama-se Guiana como a Sul-América não descoberta.
Como é o caminho mais fácil ir para a Guiana?
Não é muito fácil, até mesmo para ir aos países vizinhos leva-se muito tempo. No caso do Brasil, pode-se ir via Panamá direto a Georgetown ou pelo Norte – saindo de Brasília a Boa Vista – Roraima, leva-se 3h30 de voo, e depois se pega um voo doméstico, 1h a mais. Mesmo na fronteira com o Brasil há lugares turísticos, onde se se pode aproveitar. Temos muitas savanas, cachoeiras, montanhas, uma topografia bem diversificada no país. A Costa é abaixo do nível do mar e onde estão 90% da população. É um país tropical, com clima quente, entre 25 graus a 32 graus centígrados.
Quanto tempo o senhor está em Brasília?
Faz 18 meses. Cheguei ao final de julho de 2016. Gosto de tudo em Brasília. Gosto dos relevos no Brasil, pois na Guiana não tem elevação, é abaixo do nível do mar. Gosto da diversidade na música brasileira. Já conheci sete Estados no Brasil, além do Distrito Federal.
Como se sente na Capital?
Para mim é uma boa experiência. O povo é acolhedor. A cidade é bem tranquila, com qualidade de vida boa, comida mais natural e pura do que em Nova Iorque. Fiquei lá quatro anos e meio como embaixador das Nações Unidas.
Como é a culinária da Guiana?
O país é uma mistura de gente de vários lugares, e se percebe essas influências na comida, como a da Índia. O prato típico é Pepperpot, de origem indígena, feito com o sumo da mandioca, fervido por muito tempo, para depois adicionar carnes e temperos. Tem sabor bem distinto. É feito o ano inteiro, mas especialmente durante as festas de Natal.