O Embaixador Veljko Lazic abre hoje (22), às 19h30, no Palácio do Buriti, a exposição “Ivo Andric – escritor e/ou diplomata”, Em entrevista exclusiva à Revista Embassy Brasília, o diplomata fala de turismo, de conflitos e das relações com o Brasil.
Súsan Faria
Fotos: Eliane Loin
A Sérvia tem belezas naturais, um cinema forte e atletas de renome como o jogador de futebol Dejan Petkovic, o Pet, que atuou no Flamengo. Os sérvios passaram por grandes conflitos e guerras. O país – a 1h20 de voo até Roma e 2h30 até Paris – se reconstrói e aposta no turismo, pois tem muito o quê mostrar: música, culinária, tradições, natureza. Aos 48 anos, casado, pai uma filha de 13 anos, o embaixador Veljko Lazic está há três anos e meio em Brasília. Aprendeu português em Lisboa, onde foi terceiro conselheiro da embaixada da Sérvia, depois foi para Vaticano e Roma, e no Brasil fez questão de trocar o sotaque lusitano pelo brasileiro, observando como os brasilienses falam. O diplomata recebeu a equipe da Embassy com café, leite e muito pão-de-queijo, feito em sua residência.
Advogado, concursado na carreira diplomática, fã de tênis, Veljko está na América Latina pela primeira vez e aqui representa seu país junto ao Brasil, Equador e Bolívia. Fala com ardor e paixão sobre sua terra e nação, e entre as duas bandeiras, explicou sobre as cores da bandeira sérvia – azul (representando o céu), vermelho (o sangue) e branco (a liberdade), duas águias voltadas uma para a outra e a frase: “Só os sérvios unidos podem se salvar”. Veja a íntegra da entrevista.
O que a Sérvia está comemorando este mês?
É uma data histórica. Em 15 de fevereiro de 1804, houve um levante sérvio contra a dominação otomana. Na mesma data em 1835, adotamos uma nova Constituição, uma das mais modernas da Europa naquela época. A nossa data nacional foi no dia 15 deste mês, mas adiamos por causa do Carnaval. Na Sérvia e nas embaixadas do país em todo mundo estas datas são comemoradas. Aqui temos dois motivos este ano para festejar: a data nacional e os 80 anos das nossas relações diplomáticas com o Brasil. Por isso, organizamos junto com o Governo do Distrito Federal uma mostra sobre Ivo Andric, um famoso escritor sérvio, diplomata, prêmio Nobel de literatura em 1961. São 20 painéis explicando a vida dele que poderão ser vistos até dia 16 de março próximo, no Palácio do Buriti.
O senhor poderia resumir como está a Sérvia hoje? Quais os avanços?
A Sérvia nos últimos anos, até os anos 90, passou por um período muito difícil, por causa das guerras na nossa região, sanções duras, bombardeios da OTAN. Nos últimos anos, houve bons avanços no país, estamos no caminho da recuperação econômica, com 3% de crescimento da economia ao ano e contas bem organizadas, porém foram necessárias medidas duras e até impopulares tomadas pelo governo, como a redução de 10% no valor das pensões e dos salários, sendo que agora tal valor voltou à sua normalidade.
Qual é hoje o maior desafio no país?
O nosso maior desafio é uma clara estratégia para tornamos membro da União Europeia, um processo duro. Estamos no caminho certo e dentro desse processo tivemos de adotar leis em várias áreas. Há um claro sinal de que em 2025 entraremos na UE, o que nos trará grandes vantagens. É muito importante para meu país que recentemente a UE tenha adotado uma estratégia sobre os Balcãs Ocidentais, onde mencionou a Sérvia e Montenegro como os dois países que estão mais avançados no processo da integração.
Ao entrar na EU, a Sérvia vai adotar o Euro?
A nossa moeda é o Dinar e entrar na UE não significa entrar de imediato na zona do Euro. Alguns países que estão no bloco não são da zona do Euro. Isso pode ser feito depois. Isso depende da economia. O turista que for a Sérvia deve trocar seu dinheiro por Dinar, mas a melhor moeda para cambiar é o Euro.
“Kosovo”, uma província sérvia, declarou unilateralmente sua independência, o que ainda não é aceita pelo governo sérvio. Como vai esta questão?
Outro grande desafio é o diálogo que temos com Pristina (a Capital de “Kosovo”). “Kosovo” declarou unilateralmente a independência, sendo que a maioria dos países da UE a reconhece, embora não reconhecida por exemplo pelos países do Brics, incluindo o Brasil, e pela maioria dos países da América Latina. Nós temos um diálogo com representantes de Pristina, com a mediação da UE, para falar sobre assuntos diversos para melhorar a situação da população que mora lá – sérvios e albaneses – mas sem tratar do status do “Kosovo”, que é parte da Sérvia, sob administração da ONU, pela Resolução 1244 do Conselho de Segurança. Não reconhecemos a declaração unilateral de independência do “Kosovo” bem como cinco países da UE – entre eles a Espanha.
Quais os maiores interesses dos sérvios no Brasil?
Há 80 anos temos relações diplomáticas com o Brasil, um longo período. Em 1938, foram abertas representações diplomáticas nos dois países (em Belgrado e no Rio de Janeiro). Na época, a Sérvia fazia parte do Reino da Iugoslávia, que sucedeu o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos .Não temos muitos sérvios no Brasil, mas sim descendentes, metade deles em São Paulo e os demais no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Estão bem integrados, são professores universitários, empreendedores, advogados, médicos famosos, atletas como o Dejan Petkovic, que jogou no Flamengo, ou Aleksandar Mandic, cujo apelido é o Bill Gates do Brasil. A nossa troca comercial com o Brasil é moderada. A EMS de São Paulo (renomada empresa farmacêutica no Brasil) adquiriu a maior fábrica da Sérvia e uma das maiores dos Balcãs, a Galenika, no final do ano passado. Estamos orgulhosos com esse investimento brasileiro na Sérvia, num período particular de dificuldades econômicas. Vão produzir e exportar medicamentos para a Europa, Brasil… Esperamos que este investimento atraia outros investidores em outras áreas. Há vantagens de se investir também na Sérvia, pois temos acordo de livre comércio com, por exemplo, a UE, Rússia, Turquia, CEFTA, EFTA e outros. Estamos inseridos em um mercado de um bilhão de clientes. Há grandes possibilidades para investidores brasileiros no setor de agricultura e indústria têxtil e exportar sem taxas para os países da UE e outros mercados. Entramos nos trilhos para aumentar o nosso comércio.
Como está o turismo na Sérvia?
Os brasileiros não precisam de visto turístico na Sérvia. Podem ficar até 90 dias. Temos quatro estações bem definidas. O verão – julho e agosto – é quente. A melhor época para ir na Sérvia é de maio a setembro. Quais são as opções para se chegar lá? Temos voos diretos de Brasília para Lisboa e do Rio de Janeiro e de São Paulo direto para cidades da Europa como Paris, Roma e Frankfurt, de onde se vai para Belgrado.
O turismo tem aumentado a cada ano na Sérvia, especialmente de países da nossa região, da Turquia e Rússia. Os turistas brasileiros ainda são poucos lá, mas agora acho que muitos vão aproveitar a sua ida para a Copa na Rússia e vão passear no país.
Além de Belgrado, a capital mais conhecida e a maior cidade, temos outras cidades, o turismo nas estações térmicas, montanhas, rios, uma beleza fantástica, e dois festivais muito conhecidos, o Exit, de música eletrônica, rock e pop, em julho, na cidade de Novi Sad – a segunda maior do país; e em agosto, o festival de trompete Guca, a 150km de Belgrado.
Qual é a comida típica da Sérvia?
A nossa cozinha é uma mistura da culinária turca, austríaca, húngara, grega, nosso prato principal é o Cevapi, com carne bovina e suína moída e grelhada. É uma maravilha. Temos a Sljivovica, uma aguardente feita com ameixa. Somos – junto com os poloneses – os maiores produtores do mundo de frambroesa. Temos saborosos sanduíches (hambúrgeres, que nós chamamos de pljeskavica), inclusive no Belgrado Burger, um restaurante na Asa Norte, em Brasília.
Como o senhor se sente em Brasília? Há alguma similaridade com a capital Sérvia?
Brasília é muito diversa. Gosto muito. Estamos muito bem. Sinto-me em casa. O clima é bom. Gosto dos brasileiros. A embaixada da Sérvia – que então fazia parte da República Federativa Socialista da Iugoslávia – foi a primeira aberta em Brasília, em julho de 1963, antes da mudança do Itamaraty do Rio de Janeiro. Temos semelhanças, ainda que estejamos distantes: somos alegres, gostamos de dançar, do futebol, da vida noturna. Aprecio comer tapioca de banana com canela e queijo, pão-de-queijo, churrasco, especialmente picanha. Da música, tenho preferência da bossa-nova. Já Belgrado tem uma vida cultural forte, com divertimento, muitos bons clubes e restaurantes. É uma cidade que não para, que não dorme. Temos na Sérvia uma herança religiosa, igrejas, os objetos dos cultos ortodoxos cristãos, uma história muito rica. Passamos muitos conflitos e guerras, pois nossa região fica no cruzamento entre o mundo oriental e ocidental, entre duas culturas diferentes e chamando a atenção das potências, mas hoje estamos num caminho da integração europeia, já que pertencemos à Europa. Temos 7,5 milhões de habitantes, dos quais dois milhões em Belgrado. O perigo é ir lá e se apaixonar.