Começam os preparativos para 100 anos de um Estado moderno e de 90 anos das relações diplomáticas com o Brasil, no dia 1º de dezembro.
O embaixador romeno Stefan Mera fala do seu país que possui o maior crescimento econômico na União Europeia, do turismo, que entre suas atrações tem o castelo de Drácula, da liberdade depois da queda do comunismo e do que os romenos podem oferecer ao Brasil, dentre outros assuntos, nesta entrevista exclusiva à Revista Embassy Brasília. Veja:
Súsan Faria
Fotos: Elaine Loin
Revista Embassy Brasília – Vem aí a data nacional da Romênia. O que esta data representa para vocês
Embaixador Stefan Mera – No fim da segunda-guerra mundial se criou o Estado Romeno moderno. Exatamente em 1º de dezembro de 1918, ano em que comemoramos também 90 anos das relações diplomáticas com o Brasil. Portanto, é o que chamam de grande união: pela primeira se reúnem três províncias romenas no mesmo Estado nacional e unitário: Moldávia, Valáquia e Transilvânia. A Transilvânia antes dominada pelo império Austro-Húngaro, depois Húngaro e se uniu às duas outras regiões históricas, conforme um referendo popular. A data nacional é uma data sumamente importante.
No centenário dessa união haverá uma comemoração especial?
Vamos tentar fazer uma série de comemorações: cinema, orquestra sinfônica – já tivemos apresentação da Orquestra Sinfônica de Bucareste em Trancoso (BA), dias 3 e 4 de novembro e foi um êxito extraordinário. Essa orquestra que é particular fez turnê pela América Latina. Queremos trazê-la novamente ao Brasil.
A Romênia é o lar dos artistas e dos músicos?
Há muitos. A Orquestra Sinfônica de São Paulo conta com uns seis músicos romenos. Temos músicos também em Salvador. Pode ter mais. Não há obrigação de informarem à Embaixada se estão aqui, como era antes. Uns entram em contato e com eles queremos organizar uma semana da cultura romena em São Paulo, porque lá há mais concentração desses músicos e de descendentes de romenos (cerca de 1.500). Em Santa Catarina, temos uns 6 mil descendentes, registrados, mas pode ser que cheguem a 15 mil, no interior do Estado, na fronteira com o Uruguai.
O senhor considera os romenos um povo sensível?
Sim e muito parecido com os brasileiros, em vários aspectos. Um importante tradutor da nossa cultura, Fernando Klabin (paulistano, formado em Ciência Política pela Universidade de Bucareste), disse em entrevista que há duas possibilidades: ou o Brasil nasceu a partir de uma semente romena ou a Romênia nasceu de uma semente brasileira. Claro, é uma metáfora.
O que há de mais comum entre nós e vocês?
O romeno é gente muito alegre, muito cordial, como aqui. Desde que cheguei sempre há uma mostra de gentileza do brasileiro. Temos muitas traduções de livros escritos em português. Também descobrimos bastantes traduções no Brasil de escritores romenos. Para festejar em 2018 os 100 anos do nosso país, queremos fazer um CD com importante cantor da Bahia, o Gereba, que fez umas músicas brasileiras – samba, bossa nova e outras parecidas – com textos de poemas romenos. É um cantor muito conhecido em Salvador.
Há quanto tempo o senhor se encontra em missão aqui no país?
Estou em Brasília há pouco mais de um ano. Estava antes em Bucareste, trabalhando no Ministério das Relações Exteriores. Sou linguística, formado em Língua e Literatura Romena e Portuguesa, pela Universidade de Bucareste, a maior do país. Quando entrei na universidade, falava francês, inglês e disse: quero aprender algo diferente. Entendo que ao aprender uma nova língua, abrem-se portas e janelas para aprender outra cultura. Não é a mesma coisa, por exemplo, ler as traduções e os originais dos livros do Jorge Amado.
A área da Romênia tem 27% de reservas florestais,há preocupação com a preservação ambiental em seu país.
Sim, tem essa reserva, mas há um problema: a redução dela é acelerada, porque a madeira é um commoditie importante e muito procurada, inclusive, fala-se que quem primeiro introduziu o eucalipto no Brasil foi um engenheiro romeno. Fez a primeira tentativa de adaptar o eucalipto aqui.
Falando em floresta, falamos também em água. Hoje um dos temas mais preocupantes é a escassez da água e o aumento do calor no mundo. Teremos em março o VIII Fórum Mundial da Água, em Brasília. A Romênia vai participar?
Sim, estou sabendo e já avisei as autoridades competentes da Romênia para chamar os especialistaspara participarem do Fórum.
Como está o setor de turismo na Romênia?
A Romênia tem um potencial turístico muito forte. Os brasileiros que estiveram lá e conheceram o país ficaram encantados. Temos montanhas e mar pertos, ou seja, logo se passa de 2 mil a zero metro de altitude. Há zonas bem reservadas, especialmente no Norte. Um encanto. Temos de trabalhar mais na infraestrutura, como a rodoviária. Existem voos diretos de todas as grandes capitais europeias para a Romênia.É interessante e todos se sentem muito bem acolhidos lá. Não há problemas de segurança. É um destino fabuloso.
A Romênia é realmente o país natal do temido Drácula, é lá que fica o castelo dele?
Sim, temos, mas Drácula é uma invenção irlandesa. Chegando ao castelo – no meio do país, perto de Brasov – pode-se ver a história. É um castelo interessante, o mais caro do mundo, considerando seus valores. É aberto ao público. Vale a pena vê-lo. Está num pico de rocha, imponente (na floresta, encravado no sopé dos Cárpatos), interessante, como arquitetura.
Depois da revolução de 1989, o país mudou muito. O que o senhor destacaria nessas mudanças?
Hoje o país não tem nada a haver com o que era antes. O mais importante – e que às vezes, a gente esquece – é a liberdade individual. A capacidade de empreendedorismo, ter opiniões e de formar partidos políticos, atuar na economia, na política, no social. Portanto, é uma total liberdade. É um país normal. Isso é o mais importante, porque traz outras coisas, todo o desenvolvimento econômico e social. Tudo isso vem dessa liberdade total.
Como está hoje a economia da Romênia?
Neste momento, temos o maior crescimento econômico entre os países da União Europeia, portanto, estamos bastante bem. A Romênia não é grande economia, comparando-se com outras nações, mas há alguns domínios de ponta, por exemplo, a tecnologia da informação que chegou a trazer mais recursos ao orçamento do Estado do que a agricultura. Nós temos hoje a maior velocidade da Internet do mundo. Digo sempre aos brasileiros que a tecnologia da informação é um fator importante para o desenvolvimento, um setor em que o Brasil poderia ter a experiência romena.
Quais os maiores interesses entre os dois países?
Podemos pensar em várias coisas, o que precisamos é de buscar é multiplicar os contatos. A economia nossa é mais de médias do que de grandes empresas. Há possibilidade de se trabalhar em quase todos os domínios, mas temos de encontrar um lugar onde fazer isso. Pode-se trabalhar em Santa Catarina, mais fácil do que em São Paulo que é voltado para o grande negócio. As empresas romenas poderiam trabalhar com Santa Catarina, Bahia, Paraná e com outros estados. A cooperação é muito variada e encontra-se num momento de relançamento. O grande impedimento – além da distância que não é tão importante hoje em dia – é não ter ainda aquele acordo do Mercosul com a União Europeia. Esse é um acordo que eliminaria muitas barreiras tarifárias e outras. No momento, as taxas de importação de produtos são grandes, por exemplo, para os vinhos. A Romênia têm muitos bons vinhos. Muitas carros famosos são feitos na sua quase totalidade compeças fabricadas na Romênia, mas sem taxas. Chegam aqui para montagem.
Quais os principais interesses comerciais dos romenos no Brasil?
Há muita coisa que o Brasil poderia levar para os romenos. Uma cooperação agrícola, porque o Brasil tem alto potencial no setor. Nós também podemos ajudar na agricultura. Temos uma das mais antigas escolas de agricultura no mundo, que fica em Bucareste, que tem um curso pouco ofertado em outros países, o de Gestão das pequenas propriedades. Há certas zonas do Brasil que podem fazer um intercâmbio nesse setor e pode-se adaptar o curso às necessidades brasileiras porque há zonas aqui, como no interior de Santa Catarina, onde são pequenas propriedades.
A Romênia tem um bom porto?
No caso da exportação e importação, a Romênia tem uma posição especial, é membro da União Europeia e se encontra do lado Leste da UE. Temos o porto de Constança, com acessibilidade para a UE, União Soviética, o Oriente Médio. Há empresas em negociações para exportar soja bruta para Romênia, beneficiar lá e exportar, e também o café em grão. No domínio da tecnologia da informação, há uma empresa romena que faz a digitalização para transformar Itapiranga (SC) em uma cidade inteligente com todos os serviços informatizados. Há bastante romenos lá e se esta experiência for boa, é claro, pode expandir.
Como está a Saúde e a Educação na Romênia?
Eu trabalhei como professor antes de entrar no Ministério das Relações Exteriores. O ensino romeno tem boa qualidade, desde o nível inicial ao universitário. Claro, na saúde, pode ser que não goze do orçamento que desejamos porque é um serviço caro, muito caro para fazer a cobertura nacional, mas o acesso é público e funciona bem. Há também acesso privado à saúde, que oferece alternativas válidas para classes média e alta, o que alivia os serviços públicos. Os dois setores – educação e saúde – são de interesse máximo para a população e necessitam de grandes investimentos. Há sempre um certo descontentamento, mas isso vai mais da vontade de ter o melhor possível e não da inexistência dos serviços. O atendimento básico é imediato.
O que o senhor tem a dizer sobre Brasília?
É uma cidade especial, sendo tão jovem, é o tipo de cidade com a qual não estamos habituados. Viajamos pela Europa, vemos cidades muito antigas. Essa é uma experiência totalmente diferente pela arquitetura, pelo planejamento do tráfego. Claro que há coisas que nos faltam como passear na cidade. A ideia de que existe uma cidade sem passeio nas calçadas é incomum. Comprar pão e tudo de carro. Há bons restaurantes e lugares maravilhosos em Brasília. É uma experiência que requer certo tempo para acomodar, totalmente diferente, mas interessante. Fico impressionado com o esforço absoluto, nem sei como conseguem, de manter a limpeza, de cortar a grama todo o tempo numa cidade enorme, com espaço público enorme. É impressionante a quantidade de trabalho que tem nisso e que funciona. Não vi coisa assim antes. O espaço público tão grande.
O senhor tem prato brasileiro preferido?
Em Portugal descobri o churrasco brasileiro e gosto muito. Em Salvador (BA) gostei muito dos mariscos. Isso são comidas que não temos na Romênia, o tipo de feijoada que existe lá é diferente, é outra coisa. Vou ter de descobrir mais a cozinha brasileira.
E o seu prato romeno preferido?
É o país da carne, mas temos mais suína. Os pratos mais populares, os mais conhecidos são repolho com carne picada, que é diferente. Fazem um embrulho de carne picada com arroz e especiarias que se colocanos repolhos em conserva. Isso é romeno. O específico é a mistura, que tem sabor especial.
Quais são suas prioridades imediatas à frente da embaixada?
Abrir consultado em São Paulo, que é extremamente importante, pois há concentração de romenos lá. Temos escritório econômico em São Paulo (SP) e representação no Rio de Janeiro (RJ). Esperamos publicar no próximo ano um livro em português com uma breve história da Romênia.