Súsan Faria
Ele nunca pensou em ser diplomata, muito menos em viver na América. Já se passou quase uma década e o embaixador Jirí Havlik, 65 anos, dois filhos e quatros netos, radicou-se no continente americano. Representou seu país no México durante mais cinco anos e há mais de quatro está em Brasília. Fala fluente russo, francês, inglês, espanhol e português, o qual aprendeu aos 61 anos. Aprecia uma boa feijoada, caminha pelo menos uma vez ao mês no Jardim Botânico e gosta muito da música brasileira.
Descontraído, o homem de olhos bem azuis e posturas firmes brinca de maneira inteligente com os interlocutores e diz frases bem claras em português: “acho que já conheço todas as árvores do Jardim Botânico”, ou “se eu pudesse, comeria feijoada toda semana”. Sobre a carreira, lembra: “eu não era do partido do governo e nem agente secreto, não poderia sem essas condições entrar na diplomacia”. Mas, o inusitado se fez presente. O comunismo caiu na Tchecoslováquia, o então economista Jirí Havlik se ofereceu para trabalhar no Ministério das Relações Exteriores, onde está há 25 anos. “Pensei que ia ficar pela Europa, mas aos 61 anos tive de aprender português. Não poderia dispensar o convite para vir ao Brasil”, acredita.
Brasília deve ser o último posto do embaixador Havlik, que se aposentará e voltará à Praga, em 2018. Em entrevista exclusiva à Revista Embassy Brasília, ele fala sobre a República Tcheca que teve eleições na semana passada para o novo parlamento e cujo resultado foi divulgado no sábado, dia 21 de outubro. Comenta a respeito do Brasil, Brasília, dos concertos musicais e comemorações previstas para 2018 quando o país completará 100 anos de nascimento. Veja a íntegra da entrevista:
Revista Embassy Brasília – Há quanto tempo o senhor está em Brasília?
Jirí Havlik– Há quatro anos e um mês. Cheguei em setembro de 2013. Vim diretamente do México, onde tive 12 aulas de português.
A República Tcheca estará em festa dia 28 de outubro. Fale-nos um pouco da história da independência do país.
Exatamente, nesta data em 1918, foi declarada a República Tcheca independente quando se juntaram duas nações, a Tchecoslováquia e Eslováquia, que historicamente quase não tiveram quase nada a ver, mas que falam quase o mesmo idioma. Durante 70 anos, as duas nações eram um mesmo país. Hoje são países separados. Este ano será o nosso 99º aniversário e decidimos, com os eslovacos, fazer uma grande celebração em 2018. É importante saber que o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência da República Tcheca. Em 2018, vamos comemorar também 100 anos desse reconhecimento. Faremos uma série de atividades – concertos de artistas dos dois países, um pequeno festival de filmes que deve começar na primavera. Temos um consulado geral em São Paulo e oito cônsules honorários nas cidades de Recife, Fortaleza, Salvador, Porto Alegre, Batayporã (MS) e Blumenau (SC). Em breve, teremos consulado no Paraná. Em todas essas cidades haverá celebrações.
Porque existem cônsules em Batayporã e Blumenau, cidades menos influentes no Brasil?
No Mato Grosso do Sul, os tchecos fundaram cinco cidades e introduziram a indústria agropecuária e a de couros; construíram pontes. Batayporã é uma das cinco cidades fundadas pela família Bata em 1941. Blumenau é sede da Oktoberfest (a festa une dança e gastronomia e lembra a Alemanha) e somos orgulhosos de sediar a capital mundial da cerveja. Segundo documentos históricos, foi o convento de Praga quem primeiro produziu a cerveja como a conhecemos agora. As cervejas Pilsen e Budweiser são originárias do nosso país.
Como tem sido a evolução da República Tcheca nos últimos anos?
É importante saber que nos anos 30 do século passado, a República Tcheca foi um dos países mais desenvolvidos do mundo. Quando chegou o poder comunista, em 1948 nossa economia começou a cair. Com a Revolução Veludo, em 1989, caiu o comunismo, privatizamos toda a economia, antes nacionalizada pelos comunistas. Temos um crescimento entre 3% e 4%, a cada ano, nos últimos três anos. Somos um país da indústria, famoso na indústria de maquinário e pesada. Fabricamos carros – a indústria automobilística representa 40% de nossas exportações. Mas não exportamos para o Brasil a marca mais importante de carros–Skoda, infelizmente. Essa marca – do grupo da Volkswagem – faz sucesso na Argentina, Chile, Grã-Bretanha, França e Estados Unidos.
Como estão as relações comerciais da República Tcheca com o Brasil?
Aqui estamos numa situação difícil porque há quatro anos o intercâmbio está baixando. Isso é com grande parte dos países da União Europeia. Infelizmente vinculado com a recessão econômica brasileira. O potencial é enorme, sobretudo com nossos maquinários agrícolas, que o Brasil continua comprando, mas em volume menor. Temos bons produtos na área da defesa. Importamos do Brasil carne, laranja e o café, que é muito conhecido em nosso país.
Além de Praga, o que o senhor citaria como região com bom potencial turístico na República Tcheca?
Há quatro anos, tínhamos cerca de 50 mil turistas brasileiros por ano na República Tcheca. Com a crise econômica, baixou um pouco. Temos a cidade de Lídice, que foi queimada e arrasada pelos nazistas, durante a 2ª Guerra Mundial. No Brasil, muitas mulheres têm esse nome em homenagem a esse lugar, onde muitos foram para os campos de concentração e poucos voltaram. A cidade foi reconstruída e é interessante para se conhecer. Temos um concurso de desenhos sobre Lídice e muitos estudantes brasileiros já o venceram.
O que há de comum entre a Tchecoslováquia e o Brasil?
A música, os tchecos gostam muito da música brasileira, apesar de não saberem dançar samba. O ritmo brasileiro é especial. A República Tcheca também possui excelentes músicos. Gostamos muito do Brasil, especialmente de visitar o Rio de Janeiro, Foz do Iguaçu e a Amazônia. Muitos fazem a viagem de Manaus para Belém e Santarém. O intercâmbio turístico é muito bom, assim como os estudos científicos. Os brasileiros que estudam na República Tcheca têm oportunidades de emprego lá. Temos bons conhecimentos em nanotecnologia, área espacial, pesquisa de aviação e vários setores de ciência.
O que o senhor gosta mais no Brasil?
O Brasil para mim é natureza. Já visitei a Amazônia, o Pantanal e Foz de Iguaçu, que foi um sonho de infância. A quantidade de árvores, de aves e de outros animais é incrível. Gosto de ir ao Jardim Botânico; acho que já conheço cada árvore lá. Aqui faço parte do Coro Diplomático. Sempre cantamos umas canções brasileiras, como as de Tom Jobim, e a música é diferente, difícil para mim. A melodia, o ritmo e a harmonia são muito inabituais para nós. Cantei ópera quando jovem.
Como funciona o sistema educacional tcheco?
É obrigatória dos cinco aos 16 anos. Temos um sistema bastante bom. Oitenta por cento dos jovens têm o certificado do ensino fundamental. Praga sedia a Universidade Carol, fundada em 1348, uma das mais antigas do mundo.
Em relação à questão do emprego no seu país, como está?
Este ano, o desemprego está em 3,8%. Somos 10 milhões de habitantes e, segundo as estatísticas, nos faltam 200 mil trabalhadores. Precisamos contratar imigrantes para trabalhar nas nossas fábricas.
Os milhares de refugiados de guerra que estão procurando uma vida melhor não poderia ser essa mão de obra que necessitam?
É uma questão delicada. Os políticos decidiram não os aceitar. Mas precisamos de gente, especialmente educada, para trabalhar. Tivemos eleições recentes para novos parlamentares. Foram eleitos 200 deputados. Vamos ver como essa situação será vista pela nova Câmara. Temos cerca de cinco mil tchecos no Brasil que participaram do pleito. Em janeiro próximo, haverá eleições para a presidência da República.
O que o senhor mais aprecia em Brasília?
Todos estrangeiros geralmente sabem das obras de Oscar Niemayer, mas a realidade é muito acima do que se pensa. É uma maravilha essa Catedral. Em Brasília, a Natureza no centro da cidade, aqui vejo o horizonte e não há cor cinza. Ponto negativo é que tudo é muito longe. Mas, francamente, pra mim é fácil viver aqui.
Da nossa rica culinária, qual prato típico brasileiro que o senhor mais gosta?
Gosto da carne. E também do café e frutas no café da manhã. Ah! E a feijoada. Também gosto muito. Eu poderia comer toda semana, mas trato de evitar.
O que o senhor tem a dizer sobre sua missão no Brasil?
Eu nunca poderia sonhar estar neste país. Não imaginava ser diplomata porque ser diplomata na época comunista significava estar dentro do Partido Comunista e – para os países importantes – ser membro da polícia secreta. Eu, como não tinha essas duas importantes qualificações, trabalhava em editora e quando entrei no serviço diplomático pensava em países europeus, porque falava inglês, francês e russo. Ocupava-me muito desses países. E de repente, me falaram: que tal México? Sou bom em Geografia, sabia onde fica, mas pensava que era impossível para mim. Fui para o México e quando terminei minha missão e meu chefe disse: que tal Brasil? O quinto maior país do mundo? Conhecer sua grandeza e a mistura cultural da sociedade era uma oferta que eu não poderia recusar. Tive de aprender português, aos 61 anos de idade.