Para o representante diplomático em Brasília, apoio do governo Lula ao presidente Luis Arce teve um grande peso para que a ruptura democrática não seguisse adiante. Foi um forte elemento a reforçar a reação da população boliviana à quartelada
Henrique Lessa
A reação da comunidade internacional à tentativa de golpe militar na Bolívia, na quarta-feira passada, foi importante para que o movimento fracassasse. Mas, para o embaixador boliviano no Brasil, Horacio Villegas, o apoio do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente Luis Arce foi “fundamental” para que a quartelada fosse abortada e os insurretos, presos. “Foi muito importante, porque o Brasil é para a Bolívia o maior sócio comercial. Isso foi determinante na hora final”, salientou. Villegas lembra que seu país tem riquezas que despertam a cobiça de grupos econômicos, mas evita culpá-los. Para ele, o importante é que ao lado da comunidade internacional, os bolivianos se levantaram para impedir a ruptura institucional. A seguir, os principais pontos da entrevista.
Como o senhor avalia a situação na Bolívia?
O que aconteceu (última quarta-feira) vai marcar a história da Bolívia como um dia escuro, um péssimo capítulo da nossa história, com três comandantes das Forças Armadas tentando um golpe de Estado. Mas a resposta, principalmente da comunidade internacional e do povo boliviano, foi muito rápida. Agiram com uma força muito grande e isso determinou que não tivesse sucesso essa tentativa de golpe. Agora, a situação está muito mais tranquila, mais calma, com os três comandantes e outros 14 militares presos. Acho que os três novos comandantes que foram designados pelo presidente (Luis) Arce têm uma tarefa muito grande: a de identificar todos os militares, todas as pessoas que estiveram nesse processo de tentativa de golpe.
Quem são essas pessoas?
Tudo tem que ser bem investigado. A gente precisa saber o que aconteceu realmente, quais foram os atores envolvidos nesse processo, mas fica muito claro que a democracia na Bolívia vai prevalecer. São 40 anos de democracia, fora o que aconteceu em 2019 [quando houve a deposição de Evo Morales e a deputada Janine Añez assumiu a Presidência]. Depois de um ano, tivemos eleições e escolhemos o partido do governo, que é o partido MAS (Movimento ao Socialismo). A Bolívia sempre responde seus problemas com mais democracia.
Janine Añez se declarou contra a tentativa de golpe. O senhor viu?
Não vi a manifestação dela, por isso não poderia falar sobre isso. Mas o que aconteceu em 2019 foi muito impactante para a história da Bolívia — tivemos mais de 40 mortos. A partir desse momento, nossa economia começou a decair bastante. Não conheço as palavras dela, mas isso é uma contradição.
Podem ser os mesmos atores de 2019?
Ainda é muito cedo para a gente ter conclusões definitivas. A gente tem muitas hipóteses, mas é um acontecimento muito recente, faz apenas três dias. Precisamos aguardar o curso das investigações.
Estariam em jogo interesses econômicos?
Na Bolívia está em jogo muita coisa. Desde jogos geopolíticos neste momento, de diversas mudanças mundiais, com um mundo que é multipolar. Já não temos só uma potência econômica — temos várias potências econômicas. Então, os recursos naturais — como são os minérios, o gás, o petróleo, o lítio, o urânio, as terras raras, o potássio, o fosfato — são todos questões muito importantes. Estamos em um processo de transição, onde o mundo financeiro, em que a riqueza saia das finanças, caminha para um mundo onde as riquezas vão sair dos recursos naturais.
O apoio internacional foi importante contra o golpe?
Qualquer tentativa de golpe de Estado não teria sucesso sem o apoio da comunidade Internacional. Isso implica em relações comerciais, em relações diplomáticas, que seriam muito afetadas. Para qualquer grupo que queira dar um golpe de Estado, esse fator é determinante. Porque, sem esse apoio, o mais provável é que o governo seria derrubado muito rápido. A comunidade internacional reagiu de forma forte, contundente e rápida — principalmente na América Latina toda, além de países como Irã, China, Rússia, todos os membros dos Brics, além de alguns países da Europa. Reagiram de um jeito que parou qualquer intento de golpe.
E o Brasil?
Foi fundamental. Temos no governo do presidente Lula um amigo que sempre teve muita solidariedade com a Bolívia, e demonstrou ter essa grandeza conosco. Tanto o presidente como o (assessor-chefe da Assessoria Especial do presidente) Celso Amorim, como todo o governo do Brasil demonstraram isso. Para nós, isso foi muito importante, porque o Brasil é, para a Bolívia, o maior sócio comercial. Isso foi determinante na hora final.
Parlamentares do Brasil comemoraram a tentativa de golpe. Mas, depois de fracassado, e com a prisão dos envolvidos, divulgaram a versão de que foi uma tentativa de autogolpe. O que o senhor pensa disso?
A resposta a essas afirmações é que eles (os parlamentares) têm a liberdade de falar o que pensam que aconteceu. E que bom que têm essa liberdade — não podemos monopolizar a verdade. Eles acreditam nisso e devem ter fatos para considerar assim. Mas será a população da Bolívia que vai determinar o que aconteceu realmente. Acho que qualquer tentativa de golpe por parte dos militares, não só na Bolívia, mas em toda a região, não pode ser aceita. A história da democracia na região é grande, apesar de que, quando os militares tomaram o poder, tivemos uma história obscura. Nessa balança, o melhor que qualquer país pode ter é a democracia, onde todas as opiniões são respeitadas e todas as pessoas podem falar o que acham que devem falar. A Bolívia tem uma história complexa envolvendo golpes, mas vejo que, ao final do dia, a democracia está mais forte e vai ser cada vez mais difícil que seja quebrada. Temos uma população que acredita na democracia e isso é o mais importante que um país pode ter.
Fonte: Correio Braziliense