Antônio Patriota, recomendou aos jovens brasileiros que adotem uma visão mais ampla sobre o que seria equilíbrio global, associando o combate às mudanças climáticas à defesa das instituições democráticas internacionais, e utilizou a guerra entre o Estado de Israel e a organização terrorista Hamas como exemplo.
“Gaza é uma terra arrasada, não dá nem para começar a falar em sustentabilidade [ali]”, afirmou o chefe de missão do Brasil no Reino Unido.
Diplomata de carreira, Patriota foi ministro das Relações Exteriores durante o governo de Dilma Rousseff e participou, neste sábado (21), da abertura do Brazil Forum UK 2924, evento que ocorre na Universidade de Oxford neste final de semana, e tem a Folha como um dos apoiadores.
Patriota lembrou que o Brasil assumiu naturalmente uma posição de destaque na transição energética, por ter uma matriz limpa e combater o desmatamento, especialmente no atual governo, mas lembrou que o país sofre os efeitos das mudanças climáticas, que são globais. As enchentes no Rio Grande do Sul são um exemplo recente. Nesse contexto, o ativismo das novas gerações nesse campo é essencial.
No entanto, defendeu que os fundamentos de uma economia de baixo carbono dependem também da preservação de direitos básicos institucionais, hoje ameaçados.
“Fico muito impressionado com as mobilizações nas COPs [conferências da ONU sobre Mudanças Climáticas] Os jovens, os acadêmicos, a sociedade civil estão muito mobilizados quando se trata da agenda ambiental, da proteção da terra e do combate ao aquecimento global, mas eu não vejo mobilização comparável quanto se trata de proteger o ordenamento internacional”, disse.
“Assim como existe um tipping point [ponto de não retorno] na questão climática, a partir do qual estamos aqui fadados a queimar em chamas e não sermos capazes mais de levar uma vida sustentável no planeta terra, eu acho que existe um tipping point no ordenamento internacional criado depois da Segunda Guerra Mundial.”
Na avaliação do embaixador, nações que deveriam zelar por princípios, como a Carta da ONU e o direito internacional humanitário, passaram a descumpri-los sistematicamente, colocando em risco a estabilidade mundial.
“Vimos isso na invasão do Iraque, vemos na invasão da Ucrânia e vemos diariamente em Gaza hoje em dia: interpretações unilaterais do que constitui direito de autodefesa. Se presenciarmos isso passivamente por muito mais tempo, o sistema internacional pode entrar em colapso. Temos que nos conscientizar disso. Faria uma espécie de apelo à juventude e aos estudantes, que tanto vigor demonstram, acertadamente, na questão climática, que se interessassem pelo sistema internacional.”
Nesse contexto, destacou que é preciso, por exemplo, reforçar a representatividade dos países em órgãos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU, onde África e América Latina não têm voz.
O embaixador pediu ainda uma espécie de humanização da agenda climática. “Há muita discussão sobre net zero [emissão neutra], mas nem todos os caminhos [dessa agenda] reduzem a desigualdade ou levam a justiça social. Precisamos de sustentabilidade com inclusão social”, disse. “As coisas estão interligadas e é preciso mantê-las dessa maneira.”
Patriota disse ainda que o Brasil, pelo histórico da sua diplomacia, tem condições a dar contribuições ao debate político internacional. Também tem autoridade para falar sobre paz. O país, por exemplo, abriu mão de produzir armas nucleares e não vive guerras em suas fronteiras há 150 anos.
O Brazil Forum UK é realizado desde 2016 por estudantes brasileiros da Universidade de Oxford e da LSE (London School of Economics and Political Science) com a proposta de debater os desafios do Brasil em termos de políticas públicas, reunindo acadêmicos, representantes do governo, organizações civis e setor empresarial. Na edição deste ano, o tema escolhido foi “O futuro é brasileiro”, trocadilho com a célebre frase de que o Brasil é o país do futuro, que parece nunca chegar.
Entre os temas pautados estão transição energética, educação, legalização do aborto e trabalho escravo. Estão previstas palestras com o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), a empresária e presidente do conselho de administração da Magazine Luiza, Luiza Trajano, e a presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joenia Wapichana.
Fonte: Folha de São Paulo