A viagem é parte do reencontro do Brasil com sua política externa universalista e com seus parceiros do mundo em desenvolvimento, iniciado em janeiro
MAURO VIEIRA, ministro das Relações Exteriores
Embarco hoje em um périplo internacional pelo Sudeste Asiático, que incluirá passagens pela Indonésia, Camboja e Filipinas. Além de reuniões com esses três importantes parceiros, manterei diálogo com a Associação dos Países do Sudeste Asiático (Asean), agrupamento que reúne as economias mais dinâmicas do mundo na atualidade.
Minha viagem é parte do reencontro do Brasil com sua política externa universalista e com seus parceiros do mundo em desenvolvimento, iniciado em janeiro. Mas ela é também muito mais do que isso, sob a orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estamos construindo uma diplomacia que molde não apenas o nosso presente, mas que sobretudo prepare o Brasil para o futuro que se anuncia.
Os números desse relacionamento falam por si: o Brasil exporta hoje para cinco economias da Asean (Singapura, Malásia, Tailândia, Indonésia e Vietnã) mais do que o total que vende para cinco das economias do G7 (Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália). O comércio com o Sudeste Asiático, que em 2002 era de US$ 2,9 bilhões, ampliou-se para US$ 34 bilhões em 20 anos. As trocas comerciais com a Asean respondem hoje por quase um quarto do superavit da balança comercial brasileira. São dados de impacto, desconhecidos pela grande maioria. Dados que ilustram a importância estratégica da região para o Brasil.
Com uma economia combinada de US$ 3,6 trilhões e população de 680 milhões de pessoas, a Asean cresce há décadas como nenhuma outra região do mundo. Com uma média de expansão do PIB de 5,7% entre 2000 e 2019, a Asean responderá neste ano por 10% de todo o crescimento da economia mundial, e sua estrutura demográfica permite antever grande potencial no futuro previsível.
Esse cenário requer do Brasil atenção às oportunidades que surgem do acelerado desenvolvimento vivido pelo Sudeste Asiático. A tarefa de desenvolver plenamente esse potencial exigirá da diplomacia e da sociedade brasileira, necessariamente, ir além do aspecto puramente comercial e construir relacionamentos genuinamente políticos, com base em laços humanos fortes. Em Jacarta, participarei da primeira reunião Brasil-Asean, que marca o lançamento da Parceria de Diálogo Setorial entre o Brasil e a Associação. Inaugurarei também a Missão do Brasil junto à Asean, criadapara melhor posicionar nossa diplomacia na interlocução com essa região estratégica, a exemplo do que já fazem 11 dos países do G20.
Nas conversas preliminares com a Aseba, identificamos que o Brasil tem muito a se beneficiar, em especial na cooperação científica e tecnológica. O Itamaraty mapeou os sistemas de inovação das cinco principais economias da Asean e está promovendo, desde agosto, o “Brazil-Asean Innovation Sessions”, série de eventos on line de ciência, tecnologia e inovação em temas como startups, semicondutores e mobilidade sustentável. A partir das demandas da Asean, em áreas diversas como energias renováveis, agricultura sustentável e saúde pública, tornou-se claro que também temos muito a oferecer por meio de projetos capitaneados pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), que é instituição de referência na cooperação entre países do Sul Global.
Na capital indonésia, abrirei o seminário Ethanol Talks, organizado em parceria entre o Itamaraty e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Única), que levará àquela região do mundo soluções brasileiras para a transição energética. Levarei também a disposição brasileira de cooperar com a Indonésia na construção de sua nova capital, Nusantara, com base na experiência da construção de Brasília.
A viagem ao Sudeste Asiático contará com significado político adicional, pois farei também as primeiras visitas de um chanceler brasileiro às Filipinas e ao Camboja, país que acaba de abrir sua embaixada residente em Brasília, em sinal do interesse que nosso país — com seu potencial econômico, ambiental e diplomático — voltou a despertar em nossos parceiros. Minha visita servirá também para preparar a primeira missão empresarial oficial brasileira a Phnom Penh. Em Manila, firmaremos acordos na área de cooperação técnica e exploraremos oportunidades para diversificar as exportações brasileiras.
Encruzilhada de culturas e foco antigo de disputas geopolíticas, o Sudeste Asiático soube sobreviver de forma pragmática e bem sucedida a sucessivas transformações internacionais. Berço do movimento não alinhado, a região é ator central para promover o diálogo na região da Ásia-Pacífico, consolidando sua capacidade de dirimir tensões, sobretudo no Mar do Sul da China. No atual momento de reorganização política global, é ainda mais relevante a aproximação do Brasil com a Asean, no esforço de construção de uma coalizão de países em desenvolvimento que defendem, acima de tudo, o direito à própria autonomia.
Fonte: Correio Braziliense