Para o ex-embaixador em Washington, que hoje atua como consultor na área de relações internacionais, o país pode ter sua importância diluída no clube dos emergentes com a entrada de novos sócios no bloco. Ele cobra do governo “objetivos claros”
Rafaela Gonçalves/ Correio Braziliense
Marcada para começar em 23 de agosto, na África do Sul, a próxima reunião de cúpula do Brics ameaça o protagonismo do Brasil no bloco, formado com Rússia, Índia, China e o país anfitrião. Mais de 20 nações já manifestaram interesse em entrar no clube de cooperação econômica dos países emergentes com as melhores taxas de crescimento econômico em escala mundial.
Em entrevista ao Correio, o ex-embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa, avaliou os principais riscos da expansão do bloco e porque não é interessante ao Brasil ampliar o número de sócios. “Dilui a participação do Brasil, reduz o peso específico dentro do grupo e pode nos deixar mais isolados, porque a nossa posição é de distância, não é tomar partido de um lado ou de outro nem na guerra nem na disputa entre Estados Unidos e China”, afirmou.
Para Barbosa, o Brasil ainda está “tateando” na retomada do protagonismo internacional, e falta objetivo na condução da política externa — para o diplomata, dividida entre a liderança na América do Sul e a agenda climática. “O Brasil está com muitas iniciativas, mas não percebo uma ideia clara para onde a gente quer ir”, disse. “A política externa está sendo executada, desenvolvida, mas o que a gente não sabe é qual o objetivo disso e o que o Brasil quer nesse novo mundo em transformação”, questionou.
O ex-embaixador considerou ainda que algumas agendas anunciadas na Cúpula dos Países Amazônicos são conflitantes, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e o discurso preservacionista: “Essa posição de você querer fazer tudo dentro de um conceito de desenvolvimento não é compatível.”
Barbosa falou ainda sobre a urgência em fechar o acordo entre Mercosul e União Europeia e lembrou das responsabilidades do país que assumirá a presidência do G20 (grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo) em 1º de dezembro. “O Brasil, por um ano, vai ter que tomar iniciativas. Cada país (que assume a liderança do grupo) fica com a responsabilidade de organizar a agenda, e a gente não sabe qual é essa agenda até agora.”
Quais os riscos da expansão do Brics para o Brasil?
O primeiro é a diluição do papel do Brasil dentro desse grupo, que foi composto por cinco países e tem uma série de características. São grandes extensões territoriais, grande população, há presença regional de cada um deles e uma série de elementos importantes para caracterizar ao Brasil a importância da existência desse grupo como existe desde o começo. Se você coloca cinco, 10, 15 países a mais, esvazia totalmente a posição do Brasil e vai aceitar a inclusão de países que são muito próximos da Rússia ou da China. Dilui a participação do Brasil, reduz o peso específico dentro do grupo e pode nos deixar mais isolados. A nossa posição é de distância, não tomar partido de um lado ou de outro nem na guerra (na Ucrânia) nem na disputa entre Estados Unidos e China. Não é de interesse do Brasil aumentar o número de países-membros.
O Brasil foi visto como um potencial pacificador na guerra entre Rússia e Ucrânia. Quais foram os erros e acertos do governo nesse sentido?
O Brasil não tem cacife político para querer ter um papel relevante para encontrar uma fórmula de suspender as hostilidades e levar a um tratado de paz entre a Ucrânia e a Rússia. A gente não tem um peso específico para isso. Foi uma ação do presidente que, como se viu, esvaziou-se. Temos outras prioridades no cenário internacional para a defesa do interesse nacional. A questão da paz afeta todos os países, inclusive o Brasil, na área comercial, mas tem efeito global. Não é um efeito direto sobre o Brasil, afeta todos os países. Então, acho que a gente não tinha cacife para interferir nesse processo, foi uma ação e um ativismo diplomático que não era do nosso interesse como país.
O Brasil está aproveitando bem o potencial do Brics para se projetar?
O Brasil, hoje, tem duas ou três pautas claramente com força no cenário internacional, tanto na questão do meio ambiente e nas mudanças climáticas, quanto na liderança na América do Sul. Temos que saber como a gente vai projetar o nosso poder como potência média no exterior. O Brics era um instrumento disso, o grupo como um todo não tinha uma agenda comum a não ser nos organismos multilaterais. Com a guerra, a situação do Brics ficou mais delicada porque tem um país-membro que está em guerra e é condenado pelo mundo inteiro. Por isso, acho que, no momento, o Brics não poderia ampliar o número de países-membros, mas deveria encontrar um novo papel. O papel do Brasil é essa liderança na questão do meio ambiente, da segurança alimentar como um grande produtor agrícola ligado à alimentação. Está faltando um pouco de foco para a gente definir claramente, nesse momento que estamos vivendo, quais os objetivos da política externa.
Uma das grandes metas do Brasil é entrar no Conselho de Segurança da ONU. Qual a importância de ocupar essa cadeira?
Isso tudo está ligado à posição do Brasil no cenário internacional, à equidistância desses conflitos, à questão do meio ambiente, da segurança alimentar. Acho que, se esse assunto for efetivamente discutido no âmbito das Nações Unidas, o Brasil é um candidato forte. Agora, a gente precisa justamente é mostrar que o Brasil é equidistante dos conflitos, não toma partido e defende o seu próprio interesse. No caso do Brasil, a defesa do interesse, na minha visão, é manter equidistância, a gente não pode tomar lados. A candidatura do Conselho de Segurança vai ser viável na medida em que o Brasil tenha uma posição consistente com seus interesses e, sobretudo, com uma posição de equidistância desses grandes conflitos, tanto o da China com os Estados Unidos, quanto da guerra na Ucrânia. Se a gente tomar partido, vai ficar muito difícil o Brasil ser aceito no Conselho, porque os países que vão decidir isso são os que estão hoje diretamente envolvidos nessas duas tensões.
Como avalia a agenda da política externa do governo até o momento em meio a essa tentativa de assumir o protagonismo regional no Mercosul?
Nós estamos ainda tateando, o Brasil não tem uma ideia clara de política externa e do que a gente quer parecer no cenário global. O Brasil quer fortalecer a sua economia e, agora, está querendo explorar petróleo na Amazônia. Isso é uma coisa. A segunda, é essa prioridade sobre meio ambiente, mudança climática, que é contraditória com a primeira. E, na terceira linha, o Brasil quer ser um líder regional. A Cúpula da Amazônia foi uma consequência disso, essas vertentes não apontam para um caminho, quer dizer, a questão da equidistância no cenário global, a liderança regional, a liderança na questão ambiental e na segurança alimentar. Essa posição de querer fazer tudo dentro de um conceito de desenvolvimento não é compatível. O governo vai ter que decidir ainda que linha vai adotar. Na minha visão, ainda não está muito claro quais são os objetivos do Brasil nesse novo mundo — porque a economia está se transformando — e como o Brasil quer se inserir. Acho que isso ainda não está muito claro em termos de política externa.
E quais as suas perspectivas sobre o acordo entre Mercosul e União Europeia?
O acordo não pode ser reaberto agora, tem que avançar, e o tempo está ficando exíguo. Para assinar até o fim do ano, as negociações teriam que estar concluídas até por volta de outubro para poder ser assinado durante a presidência do Brasil no Mercosul e a da Espanha na Europa. Esse é outro ponto: quais são os objetivos do Brasil no Mercosul? Tem um foco, que é o acordo, mas o que a gente ganha disso, qual o objetivo disso? A política externa está sendo executada, desenvolvida, mas o que a gente não sabe é qual o objetivo e o que o Brasil quer nesse novo mundo em transformação.
Sobre a agenda tratada na Cúpula dos Países Amazônicos, na semana passada, o senhor acredita que deslancha após esse encontro?
Esse foi o primeiro encontro, um ponto de partida, fazia 15 anos que não havia reunião de presidentes dentro desse tratado (de cooperação dos países amazônicos). Não se podia esperar mais do que isso, foi um começo. A declaração é muito longa, eu preferia que fosse mais forte, mais curta e que tivesse algum entendimento nos dois temas que acabaram não avançando, tanto no desmatamento quanto na questão do petróleo. Foi um passo adiante, um passo importante, mas, de novo, a gente precisa ver como o Brasil vai lidar daqui para a frente. Prometeu-se a criação de uma série de iniciativas, um controle policial internacional para o combate aos ilícitos, enfim, há uma série de iniciativas muito boas, vamos ver como isso vai ocorrer. Inclusive, para fazer tudo isso que foi prometido é preciso fortalecer muito a organização. Há um conjunto de promessas muito importante e, agora, o Brasil, como líder desse processo, tem que fazer acontecer.
O que podemos esperar do Brasil na participação da próxima cúpula do G20 na Índia, em setembro?
Ainda não sabemos quais serão as prioridades do governo, se será pobreza e fome ou meio ambiente. Temos que ter uma ideia clara do que vai acontecer. Depois da reunião dos Brics, vamos ver o que sai. O Brasil está com muitas iniciativas, mas não percebo uma ideia clara para onde a gente quer ir. O Brasil, por um ano, vai ter que tomar iniciativas, cada país que lidera por um ano fica com a responsabilidade de organizar a agenda, e a gente não sabe qual é essa agenda até agora. O presidente, quando assumiu, definiu três prioridades: a volta do Brasil ao cenário internacional, a liderança na América do Sul e as questões do meio ambiente e da mudança de clima. Ele está tentando atuar nessas três áreas, e não estou falando que não tem foco, o que a gente não vê é quais são os objetivos do país para ser bem sucedido em cada uma dessas iniciativas. O governo tem uma série de iniciativas que são importantes, mas acho que ainda não temos uma visão clara de quais são, efetivamente, os objetivos do Brasil na política externa, porque há objetivos conflitantes. Dentro dessas iniciativas todas dos Brics, da Cúpula, do G20, da ONU, quais são as prioridades efetivas dentro das três que o presidente definiu?