Com trajetória de sucesso no mercado financeiro, o paulistano Rafael Gonçalves está nos Emirados há quatro anos e já passou por duas companhias árabes. Hoje, ele está à frente da maior empresa de tâmaras do mundo, a Al Foah.
Bruna Garcia Fonseca
O empresário Rafael Gonçalves é o primeiro CEO brasileiro da empresa Al Foah, dos Emirados Árabes Unidos, a maior companhia de tâmaras do mundo. Formado em Engenharia Mecânica na Universidade de São Paulo (USP), o executivo conquistou o cargo após uma trajetória de sucesso em multinacionais e empresas altamente valorizadas dos Emirados Árabes Unidos.
Transitando por setores diversos, desde o financeiro até grandes companhias de bebidas e alimentos, Gonçalves diz que abraçar coisas novas nunca foi um problema. Tanto que, mesmo tendo nascido em um país em que as tâmaras não são populares, ele comanda hoje uma empresa que vem levando a fruta para o mundo e, inclusive, tentando dar a ela maior consumo entre os brasileiros.
Nascido na capital paulista, Gonçalves se mudou com a família para Campinas aos quatro anos de idade. Além de se formar na USP em 1998, o brasileiro fez MBA na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Em entrevista à ANBA por videochamada, Gonçalves contou sobre sua primeira escolha profissional, que foi o mercado financeiro. Ele sabia que essa era uma carreira valorizada.
Gonçalves trabalhou no Banco Chase, na área de fundos de capital privado, e na JP Morgan, nos Estados Unidos. Ele chegou a atuar com consultoria, mas acabou retornando ao private equity. Também esteve no Lehman Brothers para a América Latina, em fusões e aquisições, e depois da crise de 2008, percebeu que queria liderar pessoas. “Na consultoria e no mercado financeiro você não é necessariamente líder, progride por conhecimento técnico e capacidade transacional e para lidar com clientes”, contou.
Em seguida, o brasileiro foi para a gigante de bebidas Inbev, para atuar com fusões e aquisições, e ajudou a desenhar uma estratégia para o futuro. Em 2011, Gonçalves começou a trabalhar na Labatt, subsidiária da Inbev no Canadá, onde exerceu papel de liderança. Ainda na Inbev, em 2014 ele foi para a Bélgica, na área administrativa e operacional. “Fui responsável pela transformação global da empresa, com a implantação de escritórios, estrutura e processos padronizados, entre outras estratégias”, contou.
Emirados Árabes – Há cerca de quatro anos, o brasileiro começou a trajetória profissional junto aos árabes. A oportunidade veio através do escritório de investimento privado de Mohamed Alabbar, fundador do grupo Emaar, responsável pela construção do Burj Khalifa, entre outras dezenas de edifícios. Gonçalves se mudou para Dubai com a esposa e as duas filhas para ser diretor de portfólio do escritório e tinha a missão de montar um fundo de private equity para Alabbar, gerenciando um portfólio multibilionário de ativos em vários setores, como comércio eletrônico, logística, alimentos e bebidas e tecnologia.
Como a criação do fundo foi cancelada após um ano, Gonçalves foi trabalhar para uma empresa do grupo de Alabbar, a Americana Foods. “Foi uma oportunidade fantástica. Alabbar tem um portfólio que inclui a Emaar, a Americana, a Noon (e-commerce), Aramex (logística), era bem promissor”, contou.
Mas a covid-19 chegou no início de 2020 e desde março daquele ano, as empresas dos Emirados tiveram que se adaptar por causa do lockdown. “Recebi uma ligação de um headhunter de uma holding de Abu Dhabi. Ele estava precisando de alguém para atuar na empresa Al Foah, do portfólio deles”, disse.
No mundo das tâmaras – O empresário então começou como uma liderança na área de transformação da empresa (CTO), e agora está completando dois anos como CEO da maior produtora de tâmaras do mundo, impulsionando o crescimento exponencial da companhia e fornecendo para vários países, inclusive para o Brasil. “Eu nunca tinha trabalhado com tâmaras antes, como antes da Inbev nunca tinha trabalhado com alimentos e bebidas. Abraçar coisas novas nunca foi problema para mim”, disse.
Em 2020, Gonçalves já via um potencial muito promissor de crescimento nas vendas de tâmaras para novos mercados, já que a fruta tem demanda bem estabelecida entre os grupos que são os maiores consumidores. “A tâmara é muito consumida principalmente entre os muçulmanos, principalmente no Ramadã. Em outras partes do mundo não é uma fruta muito conhecida, mas é um produto fantástico, vista como um alimento muito saudável por ter baixo índice glicêmico e muita fibra”, falou.
A fruta que é símbolo dos países árabes é vendida inteira, sem caroço e também como ingrediente, em forma de mel de tâmaras ou xarope de tâmaras, e a companhia está lançando um pó de tâmaras para o ano que vem. Todos esses produtos substituem bem o açúcar em receitas, segundo Gonçalves, e este mercado de alimentação saudável vem crescendo.
Há cerca de 300 tipos de tâmaras na Península Arábica, e só nos Emirados, são cerca de 15 tipos. As mais comercializadas pela Al Foah são a Medjool e a Deglet Nour. A companhia produz entre 120 mil e 130 mil toneladas de tâmaras por ano e segue crescendo, segundo Gonçalves. Além de tâmaras dos Emirados, a companhia também compra tâmaras de outros países para vender, como da Jordânia, Palestina, Arábia Saudita, Tunísia e Iraque. Hoje, a empresa exporta para 48 países e cerca de 90% da produção vai para o mercado externo.
A empresa foi criada em 2005 como uma subsidiária da Abu Dhabi Holding (ADQ), de propriedade do Governo de Abu Dhabi, tendo como um dos objetivos fazer com que o setor precisasse menos de subsídios. “Mesmo antes de eu chegar, a Al Foah já tinha uma história de sucesso. A companhia agora precisava se preparar para se modernizar e ajudar o governo para que o setor precisasse de menos subsídio”, disse o empresário. Gonçalves então vem atuando na transformação que tem por objetivo elevar o valor de mercado das tâmaras, abrir mais mercados e criar demanda em mercados não tradicionais, como Europa, Estados Unidos e Brasil.
Em dois anos atuando na empresa, ele contou que no início não foi fácil, já que, com a pandemia, o setor de tâmaras passou por momentos difíceis. “A Arábia Saudita é um dos maiores consumidores, e como naquele ano não houve a peregrinação a Meca (Hajj), boa parte do consumo não aconteceu, e os produtores tiveram que vender a qualquer preço, e caiu muito o valor da tâmara. Desde então estamos tentando recuperar o valor da tâmara no mercado”, disse Gonçalves.
Tâmaras no Brasil – Sobre o mercado brasileiro, o empresário espera ser um caso de sucesso crescente, já que não há produção local. No entanto, ele disse que o imposto de importação alto acaba limitando o potencial de crescimento no País. As tâmaras dos Emirados competem com o produto de Israel, por exemplo, que vende sem imposto por ter acordo de livre comércio com o Mercosul.
A Al Foah começou a comercializar suas tâmaras da linha Date Crown na rede de supermercados Carrefour, no Brasil. “Estamos indo para o quarto contêiner para o Carrefour e expandindo para outras bandeiras do grupo e outros varejistas. Ano passado, a média era de um contêiner por ano para o Brasil, e esse ano, serão dez contêineres, crescemos dez vezes. Mas ainda é pouco diante dos principais mercados”, disse. Segundo ele, Bangladesh, por exemplo, compra cerca de dez contêineres de tâmaras por dia – ou 200 toneladas -, e é um dos maiores mercados junto com Marrocos, Malásia, Indonésia, Sri Lanka, entre outros.
Rafael Gonçalves, que está há 20 anos vivendo fora do Brasil, disse que gosta de viver em Dubai com a família. “Eu não tinha ideia de que viria um dia morar em Dubai, mas viemos passar férias aqui em 2016 e gostamos muito, e amigos expatriados também falaram muito bem daqui e isso nos ajudou a tomar essa decisão”, lembrou.
Sobre planos futuros, ele foi enfático: “Aprendi que você planeja e Deus ri da sua cara, mas em todo lugar que eu vou, meu principal objetivo é sempre aprender muito e deixar uma experiência positiva e que, ao sair, a empresa esteja melhor do que quando eu entrei”, concluiu.
Fonte: ANBA