Por Eliane Oliveira e Henrique Gomes Batista — Brasília
Hayashi Teiji estava na semana passada em Tocantins, onde foi conversar com o agronegócio. O objetivo do embaixador do Japão no Brasil, em Brasília desde dezembro, é garantir o fornecimento de alimentos ao seu país. Mas essa não é a única preocupação dele, que vê o Brasil como um exemplo para a região.
Em entrevista ao GLOBO, Teiji sugeriu o envio de novos observadores eleitorais ao país, repetindo 2018. O diplomata ainda que o Brasil é imprescindível como fornecedor de produtos agrícolas e pecuários para seu país, em um momento de insegurança alimentar causada pela guerra na Ucrânia. Diplomata avisou que, se houver convite, Tóquio pode enviar novamente um observador para acompanhar o processo eleitoral
O Japão se preocupa com o cenário político brasileiro, em que o presidente da República coloca em dúvida o sistema eleitoral?
Entendo que o Brasil, depois da redemocratização, tem sua democracia muito firmemente estabelecida. O sistema eleitoral do Brasil é decidido pelo povo brasileiro, e eu, pessoalmente, penso que, em geral, uma eleição livre e altamente transparente é uma das bases importantes desse sistema. Sendo assim, na última eleição presidencial, o governo japonês enviou, através da OEA (Organização dos Estados Americanos), um diplomata observador, cujo objetivo era apoiar os esforços para estabelecer a democracia no Brasil e América Latina. Também, neste sentido, se houver uma possível cooperação do Japão na próxima eleição, estaremos dispostos a analisar a possibilidade.
O Brasil fez algum convite ao Japão nesse sentido?
Damos muita importância à democracia mais estável e sólida no Brasil. Mas convidar observadores internacionais é uma decisão do povo brasileiro, ou do governo brasileiro. Há quatro anos mandamos um observador para as eleições como contribuição do governo japonês. Desta vez não recebemos nenhum convite, mas se o povo brasileiro quiser, estamos dispostos a considerar seriamente.
O senhor tem tido contato com as campanhas?
Como é uma embaixada, obviamente temos contatos com vários políticos, não só candidatos, mas também senadores, deputados, ministros…
O senhor tem conversado com outros embaixadores sobre o cenário político no Brasil? Eles acham que a democracia está firme? É possível que no dia da eleição os trocarem informações e reconhecerem o resultado rapidamente?
Francamente falando, alguns embaixadores estão um pouco preocupados em ter uma situação complicada após abrir a urna. Essa mesma coisa aconteceu em outros países, como nos EUA, há dois anos. Uma eleição livre e transparente é importante não só para o povo brasileiro, mas para a democracia da América do Sul e outros países. O Brasil é sempre é um exemplo.
O Brasil, sob Bolsonaro, não tem sido chamado para as reuniões do G7. Como o senhor vê isso?
A presidência do G7 (grupo dos países mais industrializados do mundo, incluindo o Japão, atualmente presidido pela Alemanha) é que decide qual país é convidado como observador, conforme a sua agenda e outros fatores. Em âmbito internacional, o Brasil é um parceiro importante. Por exemplo, aprecio muito que tenha sido o Brasil o único país do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) a votar a favor da resolução condenando a invasão da Rússia à Ucrânia no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral da ONU. Em 2023, Brasil e Japão vão ocupar assentos não-permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Queremos aproveitar intensamente essa oportunidade, dando continuidade à parceria em diversas áreas.
Como Japão vê o debate ambiental? O Japão pode contribuir com recursos para a redução do desmatamento da Amazônia?
O Japão tem apoiado o Brasil nesse sentido, cooperando em vários projetos da área ambiental. Atualmente estamos apoiando o Brasil na construção do sistema de detecção e predição de atividades ilegais de desmatamento na Amazônia, no qual se utilizam satélites de radar e tecnologia de IA (Inteligência Artificial). Ademais, o Japão é o segundo maior doador para GCF (Fundo Verde para o Clima, em português). Além disso, as empresas japonesas estão animadas com a expectativa de negócios de descarbonização, que incluem a preservação da Amazônia.
O Japão está preocupado com a segurança alimentar? Que caminhos podem ser seguidos para evitar risco de desabastecimento?
O Japão importa uma variedade de produtos, como insumos agropecuários e fertilizantes, de vários países do mundo. Por isso, visando garantir o fornecimento de alimentos, sempre está observando situações que possam influenciar na sua segurança alimentar. Por enquanto estamos conseguindo evitar o risco de desabastecimento. Mas, para isso, é imprescindível continuar cooperando com os países fornecedores, incluindo o Brasil. Por exemplo, entre os alimentos que o Japão importou em 2021, 68% do frango e 14% da soja e do milho foram produzidos no Brasil.
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Há negociação com o Brasil para aumentar as compras de produtos agrícolas ?
O Brasil é um fornecedor de produtos agropecuários atrativos para o Japão. Em relação a alguns produtos, inclusive as frutas, as autoridades dos dois países já estão analisando a possibilidade da liberação de importações pelo Japão. Por outro lado, dizem que no Brasil a venda de saquê japonês está aumentando anualmente. Mas ainda há vários produtos atrativos no Japão que o povo brasileiro não conhece. Por exemplo, conhece o shōchū? É uma bebida alcoólica destilada tradicional japonesa feita de arroz, batata ou trigo. Ou já provaram carne wagyu de shimofuri? Quero introduzir produtos do Japão para os brasileiros e ativar ainda mais o comércio em ambos os lados.