Em entrevista exclusiva à Embassy Comunicação, a responsável pela missão diplomática venezuelana no Brasil, embaixadora María Teresa Belandria relata a busca pela democracia naquele país que hoje (05) comemora a data nacional. A diplomata explica a situação da pandemia, de um possível acordo político com apoio internacional, da reabertura parcial da fronteira com o Brasil e do projeto de movimentação Ruta por Venezuela, por meio do qual, houve importante manifestação dos jovens do país. Belandria também falou de projetos sociais de apoio aos migrantes venezuelanos no Brasil onde vem dando todo apoio àquela comunidade. Leia agora a íntegra da entrevista de María Teresa Belandria.
1- Na opinião da senhora há algo a comemorar nesta data especial?
A Venezuela comemora 210 anos desde a assinatura do Ato de Independência, ato civil a partir do qual houve uma guerra que durou 12 anos até que todo o processo fosse consolidado. Por isso não podemos esquecer o esforço que nos levou a ser uma nação livre e independente, aquela que hoje luta novamente pela sua liberdade e pela democracia que nos foi tirada há 20 anos.
2- Como está a realidade da pandemia na Venezuela? O consórcio Covax, iniciativa global para garantir acesso rápido e equitativo a vacinas contra a covid-19 a todos os países, não destinou vacina para o país por falta de atualização dos dados econômicos desde 2014. Algo está sendo feito para que os venezuelanos tenham acesso a esta doação?
A ditadura de Nicolás Maduro não aceitou as vacinas disponibilizadas pelo mecanismo COVAX. Também não aceitou a oferta do governo provisório do Presidente Juan Guaidó de custear todo o processo que inclui a rede de frio, logística e distribuição das vacinas sob um plano de vacinação supervisionado pela OPAS e UNICEF. Em vez disso, deu prioridade aos funcionários do regime que foram vacinados com doações recebidas da China e da Rússia. Este mesmo regime pretende agora utilizar a população como “cobaias” com uma “vacina” cubana que ainda não foi autorizada pela OMS. Ou seja, descartou opções efetivas para salvar vidas, em detrimento da população e em benefício de Cuba, sem que haja até o momento um plano de vacinação claro e eficaz que permita atingir um número suficiente de venezuelanos para reduzir os índices de infecções e mortes associadas ao COVID-19.
3- O Canadá, os EUA e a União Europeia sublinham a importância de uma abordagem coordenada e multilateral liderada pela Venezuela para apoiar uma transição pacífica para a democracia na Venezuela. Os Estados Unidos apoiam uma saída negociada para a crise política no país, mas continuam mantendo a pressão econômica e diplomática sobre Maduro, até que o país sul-americano realize eleições “transparentes”. Como a senhora vê esta questão?
A crise humanitária e social na Venezuela tem solução e nada mais é do que um acordo político, que envolve o estabelecimento de um calendário eleitoral que inclui eleições presidenciais, regionais e parlamentares. Para isso, é imprescindível cumprir requisitos anteriores, credíveis e verificáveis. Um árbitro eleitoral imparcial, observação internacional qualificada que não seja um mero acompanhamento, mas missões de observação da OEA, ONU e UE; a libertação de todos os presos políticos, a garantia total do regresso dos exilados e que os partidos políticos da oposição possam participar sem riscos para os seus dirigentes e militância, entre outros. Nesse sentido, a declaração dos Estados Unidos, União Europeia e Canadá destaca que a comunidade internacional acompanhará os esforços de negociação que nos levará a esse processo e a uma transição pacífica, sem perder de vista que o regime deve dar cumprimento de amostras reais e eficazes para que sanções econômicas e financeiras possam ser consideradas e, eventualmente, suspensas. Até o momento, a comissão negociadora nomeada pelo governo interino está fazendo os primeiros contatos nos Estados Unidos e na Europa para iniciar formalmente as negociações com a comissão a ser nomeada pelo regime, que são esperadas até o final de julho, sob os auspícios de o Reino da Noruega e outros países fiadores ainda por definir.
4- A Coalizão opositora que venceu legislativas em 2015 e elegeu Guaidó poderá participar de eleições na Venezuela, de acordo com decisão recente. Como a senhora vê a situação política no país?
Conforme explicamos na resposta anterior, estamos na fase exploratória do processo de negociação e todos esses aspectos serão considerados; portanto, ainda é cedo para afirmar ou negar esse cenário.
5- O Brasil, segundo a imprensa, reabriu fronteira com Venezuela após mais de um ano, mas limita entrada a 50 pessoas por dia e está regularizando a situação dos migrantes. Está realmente sendo feito isto? Como está a situação dos venezuelanos em Roraima, estado brasileiro que abriga maior número destes migrantes?
A Portaria 655 de 23 de junho de 2021 mal flexibilizou a entrada de venezuelanos pela fronteira terrestre devido à grave crise humanitária que persiste dentro da Venezuela e, além disso, autoriza a regularização de migrantes que entraram irregularmente desde 18 de março de 2020 pela fronteira fechado. Por isso, queremos agradecer mais uma vez ao Brasil por acolher generosamente nossos cidadãos que fogem da fome, da falta de liberdade, da falta de assistência médica e vêm a este país em busca de uma nova vida. Agora, pretende-se primeiro regularizar os refugiados que se encontram nos abrigos da Operação Acolhida para que sejam internalizados e assim abram espaços a novos refugiados. Isso explica a entrada limitada a 50 pessoas por dia, valor que pode ser reduzido ou aumentado de acordo com a estimativa das autoridades. A única maneira de parar o fluxo migratório é com uma mudança política na Venezuela. Enquanto isso não se concretizar, os venezuelanos seguirão cruzando as fronteiras em busca de esperança e de novas oportunidades, sendo o Brasil um desses destinos.
6- Recentemente foi lançado o projeto Ruta por Venezuela cujo objetivo é conectar a sociedade venezuelana e denunciar abuso de direitos humanos. Houve uma boa adesão a esta atividade?
Foi uma atividade do movimento estudantil das universidades da Venezuela que acompanhamos. Mais uma vez, os estudantes desafiaram a ditadura marchando até mesmo em frente ao próprio palácio presidencial. Não houve movimentos massivos de cidadãos por vários motivos, o primeiro dos quais foi o medo: temos mais de 300 presos políticos. Protestar na Venezuela pode levar você à prisão. A segunda, COVID-19: sem vacinas e medicamentos, ninguém quer se expor. E, por fim, a falta de gasolina: não há como se locomover. Porém, o objetivo político foi cumprido: levantar a voz e lembrar que somos ativos contra a ditadura.
7 – Além do projeto Cozinha Escola, existem outros projetos sociais voltados para os venezuelanos?
Sim, temos muitos projetos em diferentes fases, graças ao apoio de embaixadas, ONGs e empresas privadas. A cada dia acrescentamos mais: Beleza Além das Fronteiras e Academia do Café de São Paulo, cursos online gratuitos em português; qualificação profissional: costura, cozinha, sapataria em Maringá; o Cozinha-escola e palestras voltadas para a educação migratória no Rio de Janeiro. Obrigado por nos oferecer este espaço em nosso dia nacional e por nos permitir informar a toda a comunidade diplomática credenciada no Brasil sobre o trabalho de nossa missão em benefício dos venezuelanos que vivem neste maravilhoso país. Viva a Venezuela Livre!