Foram 25 toneladas exportadas após cinco anos de negociações. A transação só foi possível graças ao tratamento hidrotérmico de frutas, uma tecnologia desenvolvida por uma rede de pesquisa liderada pela Embrapa há mais de duas décadas.
O obstáculo veio de decisões dos principais mercados importadores de frutas, que não aceitam a aplicação de produtos químicos para o controle da mosca-das-frutas (Ceratitis capitata), uma das maiores ameaças à fruticultura mundial por atingir diversos tipos e variedades de frutas.
Durante muito tempo, o Brasil só usava o controle químico para combater a praga, prática que fechou as portas de vários mercados internacionais que adotam barreiras fitossanitárias exigentes.
Água quente e controle do inseto – Desenvolvida no início da década de 1990, a técnica brasileira foi uma adaptação de um tratamento de frutas utilizado em outros países, como o México, e consiste em mergulhar frutas de até 425 gramas em água aquecida a 46ºC por 75 minutos e frutas entre 426g e 650g, por 90 minutos. O processo mata ovos ou larvas do inseto que estejam presentes. O trabalho dos cientistas brasileiros foi desenvolver parâmetros para as condições nacionais e para o combate à mosca-das-frutas, já que à época a técnica só era utilizada para outras pragas.
Além do tratamento hidrotérmico, foi indicado o monitoramento das populações da mosca no campo, a fim de subsidiar o combate feito com métodos isentos de químicos, como a instalação de iscas no pomar e outras técnicas de manejo integrado de pragas (MIP).
O sucesso da solução levou a um novo modelo brasileiro de certificado fitossanitário, o que abriu à fruticultura nacional os mercados da Coreia do Sul, Japão, Chile, Argentina, Estados Unidos, União Europeia e, recentemente, da África do Sul.
A rede de pesquisa responsável pelo desenvolvimento da técnica é composta por especialistas da Embrapa, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP) e da biofábrica Moscamed Brasil, com a supervisão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e o apoio da Associação dos Produtores e Exportadores de Hortifrutigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco (Valexport).
O vale das frutas – A região do Vale do Rio São Francisco é o principal polo frutícola do País, em especial de mangas das variedades Tommy Atkins, Kent, Palmer e Keitt. Em 2009, por suas uvas de mesa e manga de qualidade diferenciada, recebeu do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) o selo de Indicação de Procedência, requerido pelo Conselho da União das Associações e Cooperativas dos Produtores de Uvas de Mesa e Mangas do Vale do Submédio São Francisco (Univale).
Segundo dados da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), atualmente o Vale do São Francisco é responsável por 90% da manga brasileira exportada e gera 200 mil empregos diretos. “De janeiro a setembro de 2018 as exportações totais de manga somaram US$ 93,43 milhões. Dos 93 mil hectares plantados em 2017, 35.630 hectares produzem manga”, informa Eduardo Brandão, da Abrafrutas, que cita uma curiosidade: de acordo com o pacto firmado entre o Brasil e os Estados Unidos, todos os packing houses [casas de embalagem] do Vale têm a presença de um técnico americano para assegurar o uso correto da técnica. “Quem não tem packing house aluga essa estrutura e paga pelo serviço do técnico americano. É um investimento alto, mas o valor pago pelos Estados Unidos, que é o maior consumidor da manga nacional, compensa”, afirma.
Novos mercados – Segundo o presidente da biofábrica Moscamed Brasil, Jair Fernandes Virgínio, o tratamento hidrotérmico foi fundamental para que os frutos de manga alcançassem o nível de qualidade necessário para embarcar mundo afora e abrir novos mercados. “Foi um grande desafio posto. Além de matar os ovos e as larvas, o protocolo não poderia comprometer a qualidade dos frutos e o shelf life, que é o tempo de prateleira. A estratégia também levou em conta o risco de infestação para o país importador. Outra grande preocupação foi descobrir a temperatura adequada de acordo com o tamanho do fruto”, lembra.
Organização social reconhecida pelo Mapa e pelo Governo da Bahia, a Moscamed é a única responsável pela certificação, em todo o Brasil, para quem exporta manga para os Estados Unidos produzidas em pomares com algum grau de infestação de moscas-das-frutas. Na região do Vale do São Francisco, a empresa monitora semanalmente 5.339 hectares de manga com potencial para exportação. A certificação é fornecida apenas aos pomares com índice Mosca-Armadilha-Dia (MAD) inferior a 1. “Um MAD acima de 0,5 é um gatilho e a propriedade precisa usar medidas de controle”, declara Jair Virgínio.
Solução para mercados exigentes – O diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), o engenheiro-agrônomo José Eduardo Brandão Costa, ratifica a importância do tratamento. “Ele foi a solução encontrada pelo setor para entrar em mercados exigentes como o americano. O maior receio deles era que, nos oito a dez dias de transporte até lá, houvesse a possibilidade de que os frutos levassem os ovos ou as larvas da mosca”, relata.
Endossado pelos produtores, o tratamento ganhou importância, em especial pela rentabilidade. Frederico Costa, diretor comercial da Ibacem Agrícola, localizada em Curaçá, na região norte da Bahia, fala sobre a contribuição da Embrapa na pesquisa que culminou com o protocolo. “Sem ele não seria possível exportar manga para Estados Unidos, Japão, Chile e Argentina, que são mercados que exigem o tratamento hidrotérmico, desenvolvido em parceria com os produtores exportadores com interesse nesses mercados”.
Empregando 900 colaboradores durante o pico da safra, a Ibacem Agrícola exporta, anualmente, cerca de 1,5 milhão de caixas de manga da variedade Tommy Atkins para os Estados Unidos. “Indiscutivelmente, a Moscamed presta um serviço extraordinário no Vale do São Francisco, fazendo o monitoramento técnico-científico e recomendando os tratamentos que são necessários a campo, de maneira que sejam minimizados os problemas dos produtores exportadores. Nada pode ser feito de forma empírica em uma atividade como a nossa, com o nível de exigência do mercado de frutas. É muito importante a união dos produtores, em sintonia com a Moscamed, para que o combate à mosca-das-frutas seja sistêmico, permanente, e não de forma eventual”, afirma Frederico Costa.
Segundo Tássio Lustoza Silva Gomes, gerente executivo da Valexport, associação criada em 1988 que reúne cerca 70% dos produtores exportadores da região em seu quadro de associados, a região tem 40 exportadores de manga, mas apenas dez utilizam packing houses com estrutura para o tratamento hidrotérmico nos municípios de Petrolina (PE), Juazeiro e Casa Nova (BA). “No pico da safra, são 11 inspetores americanos acompanhando todo o processo. As regras são bem parecidas para Estados Unidos, Japão, Argentina e Chile, porém, temos algumas distinções técnicas quanto ao uso de sensores no ato da realização do hidrotérmico, como também para alguns países se faz necessário o monitoramento da mosca-da-fruta”, declara.
Quatro empregos diretos por hectare – Os dados da Valexport indicam que, em média, cada propriedade que cultiva manga na região gera quatro empregos diretos por hectare irrigado somente com a exportação. No pico da safra, nos 6 mil hectares destinados à exportação, o número total de empregos diretos chega a 24 mil e os indiretos, a aproximadamente 30 mil.
Os Estados Unidos são o principal consumidor individual de mangas do Brasil, com uma particularidade: “O país fica atrás somente da Alemanha, que não é o consumidor final das frutas enviadas para lá, servindo como um hub [central de distribuição] para os demais países da Europa”, salienta Tássio Gomes.
“Sabemos que o mercado da África do Sul tem muito potencial, porém ainda é cedo para falarmos em volume anual de exportação. Até o momento são quatro empresas credenciadas e a Abrafrutas está trabalhando para aumentar esse número. A primeira remessa foi enviada pela empresa Argofruta”, conta Eduardo Brandão.
No fim de 2017, a manga nordestina chegou aos consumidores da Coréia do Sul, um dos mercados mais exigentes do mundo em relação à sanidade e à qualidade dos alimentos. Pelo acordo bilateral, a contrapartida brasileira é importar peras frescas do país asiático. Levando em consideração as etapas de geração e transferência entre os anos de 1987 e 2003, o investimento total na tecnologia foi estimado pela Embrapa em R$ 2,4 milhões.