Por Kirill Dmitriev
Desde o registro em 11 de agosto da vacina russa Sputnik V, desenvolvida pelo Centro Nacional de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, vários países do mundo mostram interesse na aquisição do medicamento. No total, o país já recebeu pedidos de um bilhão de doses.
Entretanto, a Rússia também enfrenta críticas por parte de vários países e companhias ocidentais, especialmente daqueles que desenvolvem suas próprias vacinas, baseadas em tecnologias cujas segurança e eficácia ainda não foram comprovadas, como a do RNA mensageiro ou do vetor de adenovírus de macaco. Após a publicação dos resultados de testes clínicos das fases I e II da Sputnik V na revista The Lancet gostaríamos de juntar as respostas a todas essas perguntas e fazer algumas nossas perguntas.
Será que a vacina foi roubada?
Não, nós não a roubamos. A vacina usa uma tecnologia única de dois vetores de adenovírus humano, uma tecnologia que ainda ninguém no mundo tem para a COVID-19. Vetores são vírus modificados, incapazes de se reproduzir, que transportam o material genético da espiga do coronavírus, a proteína usada por este para se conectar a células humanas. A tecnologia da Sputnik V usa dois diferentes vetores de adenovírus humano, Ad5 e Ad26, para primeira e segunda injeções.
Esta tecnologia ajuda a superar a imunidade já existente a adenovírus. A Rússia se beneficiou da modificação para a COVID-19 da plataforma da vacina de dois vetores já existente que foi desenvolvida contra ebola em 2015, que passou por todas as fases de testes clínicos e foi usada para vencer a epidemia de ebola na África em 2017. Atualmente, isso está no arsenal russo caso a epidemia de ebola reapareça. A vacina foi adquirida por vários outros países.
Evidentemente, após algum barulho exagerado no início, esta questão foi descartada mesmo pelos críticos mais estridentes da Rússia, porque não tem nenhuma base. Mas ainda é importante destacar isso, porque nós vimos tentativas de pintar a vacina russa com cores escuras mesmo antes de esta ser registrada.
Quando serão publicados os resultados das fases I e II dos testes?
Os resultados da primeira e segunda fases de testes clínicos foram publicados em 4 de setembro na The Lancet, uma das mais antigas e mais respeitadas revistas científicas no mundo, após minucioso processo de revisão por colegas. Isto é só o início de uma série de publicações. Seguem os pontos principais do artigo:
As fases I e II de testes clínicos da Sputnik V não mostraram efeitos indesejados (SAE, na sigla em inglês, Grau 3) por nenhum critério, ao mesmo tempo, o aparecimento de tais efeitos em outras vacinas-candidatas tem variado de 1% a 25%.
Em 100% dos voluntários de testes clínicos da Sputnik V foi produzida uma resposta imunológica humoral e celular estável. O nível de anticorpos que neutralizam o vírus foi 1,5 vez mais alto do que em pessoas recuperadas da COVID-19. Pelo contrário, a vacina da companhia britânica AstraZeneca demonstrou o mesmo nível de anticorpos em pessoas recuperadas de estado grave da COVID-19. Imunidade de ambos os tipos de T-células especiais, CD4+ e CD8+, que identificam e destroem células infectadas pelo SARS-CoV-2 e constituem a base para a imunidade de longo prazo, também foi detectada em todos os voluntários.
Especialistas do Centro Nacional de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya conseguiram comprovar a eficácia da plataforma de vetores de adenovírus humanos, apesar das dúvidas de que pessoas vacinadas poderiam já ter imunidade aos adenovírus humanos. Foi determinada a dose segura, que permite alcançar resposta imunológica em 100% de pessoas vacinadas, mesmo naquelas que recentemente já foram infectadas por adenovírus. As preocupações sobre a imunidade pré-existente às infeções de adenovírus foram a razão principal para o desenvolvimento urgente de novas vacinas baseadas em métodos alternativos, como os vetores de adenovírus de macacos ou plataformas de RNA mensageiro, métodos que não tinham sido estudados e testados ao longo dos anos. A eficácia comprovada da Sputnik V reduz a necessidade de desenvolvimento apressado de tais plataformas.
Pelo uso de dois vetores diferentes (Ad5 e Ad26) em duas injeções separadas é possível atingir uma resposta imunológica mais eficiente. Enquanto no caso de uso de dois vetores iguais o sistema imunológico lança mecanismos de defesa e começa a rejeitar o medicamento na segunda injeção. Assim, o uso de dois vetores diferentes na vacina Sputnik V evita o possível efeito neutralizante e garante uma imunidade mais forte e duradoura.
O número de participantes dos testes foi baixo?
À primeira vista, os testes da vacina Sputnik V parecem ser de menor dimensão, com 76 participantes, em comparação com os 1.077 voluntários que estiveram envolvidos na primeira e segunda fases de testes da vacina da AstraZeneca. Entretanto, a concepção do teste da Sputnik V era mais eficaz e a testagem baseada em melhores pressupostos. Desde o início, a AstraZeneca realizou seus testes com base no modelo de uma só injeção, mas esse pressuposto estava errado, já que somente o modelo de duas injeções pode gerar imunidade de longo prazo, o que AstraZeneca admitiu após seus testes. Como consequência de pressupostos errados, a empresa testou o modelo de duas injeções só em dez pessoas de 1.077. No total, o número de pessoas que receberam duas doses da vacina em testes da Sputnik V ultrapassa em quatro vezes este número da AstraZeneca. Mas a maioria das mídias não refere esse ponto.
Haverá testes clínicos em mais pessoas?
Em 26 de agosto, na Rússia foram lançados estudos pós-registro que envolvem mais de 40 mil pessoas, enquanto os testes ds fase III da AstraZeneca nos EUA têm 30 mil voluntários. Os testes clínicos da Sputnik V em Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Filipinas, Índia e Brasil começarão neste mês. Os resultados preliminares dos testes da fase III serão publicados em outubro ou novembro de 2020.
Por que foi autorizado o registro de uso emergencial?
A segurança de vacinas e medicamentos baseados em adenovírus humanos e em vetores de adenovírus foi confirmada em mais de 75 revistas científicas internacionais e por mais de 250 testes clínicos.
Cientistas russos forneceram desde 1953 a todo o mundo dados convincentes sobre a segurança do uso de vacinas e medicamentos baseados em adenovírus humano. Segundo registros, mais de 10 milhões de militares norte-americanos receberam vacinas de adenovírus humano desde 1971. Gendicina, um medicamento contra câncer também baseado em vetores de adenovírus humano, foi administrado a mais de 30 mil pessoas na China no decorrer de 15 anos. Testes clínicos de vacinas, baseadas na tecnologia de vetores de adenovírus humanos e que usam os mesmos vetores que a Sputnik V, já envolveram mais de 25 mil pessoas ao redor do mundo. Desde 2015, mais de 3.000 pessoas receberam vacinas deste tipo contra ebola e vírus MERS, criados também no Centro Gamaleya.
Então, a Rússia registrou a vacina porque esta já tinha uma plataforma de transmissão através de adenovírus humano segura e eficiente, anteriormente aprovada para outras doenças. Após a Rússia, outros países também anunciaram planos para registro de suas vacinas para o uso emergencial – a Sinovac Biotech na China, o governo do Reino Unido e o chefe da Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA Stephen Hahn.
Alguém mais usa tecnologia parecida para as suas vacinas?
Algumas outras empresas usam plataformas baseadas em vetores de adenovírus humanos para suas vacinas contra a COVID-19. Por exemplo, a Johnson&Johnson usa somente o vetor Ad26 e a CanSino da China usa só o vetor Ad5, enquanto a Sputnik V usa ambos. O trabalho da Johnson&Johnson e da CanSino não só confirma o método russo, mas também mostra as vantagens da Sputnik V, já que os estudos mostraram que dois vetores diferentes produzem melhor resultado do que um.
Rússia também tem perguntas
Considerando tudo isso, a Rússia, como líder evidente na pesquisa de vacinas e desenvolvedora da vacina mais segura e eficaz contra a COVID-19, tem algumas perguntas aos produtores de vacinas ocidentais que usam o RNA mensageiro e tecnologias baseadas em vetores de adenovírus de macacos.
Agora podemos perguntar aos nossos críticos: “Por que vocês veem o cisco no olho de seu irmão e não prestam atenção à trave em seu próprio olho?”
A primeira pergunta é esta: houve alguns estudos de longo prazo com RNA mensageiro ou vetores de adenovírus de macacos para detectar efeitos cancerígenos ou influência na fertilidade?
A segunda pergunta: nós não conseguimos encontrar tais estudos. Poderia a ausência deles ser a razão de várias empresas farmacêuticas, que desenvolvem vacinas contra COVID-19 baseadas nestas tecnologias, pressionarem os países para [obterem] isenções que os protegeriam de processos judiciais caso algo der errado?
A terceira pergunta: por que as mídias ocidentais não relatam a falta de estudos a longo prazo sobre os outros métodos, baseados em vetores de adenovírus de macacos ou plataformas de RNA mensageiro?
Vacina humana ou de macaco?
Estas vacinas, baseadas em vetores de adenovírus de macacos ou RNA mensageiro, nunca foram usadas ou aprovadas antes, e o estudo delas tem um atraso de ao menos 20 anos em relação à plataforma comprovada de vetores de adenovírus humanos. Contudo, seus desenvolvedores já obtiveram contratos de fornecimento no valor de bilhões de dólares de governos ocidentais e podem solicitar o registro acelerado, ao mesmo tempo recebendo a indenização completa.
Há muitas vantagens na tecnologia do RNA mensageiro que pode desempenhar um papel importante no futuro, mas testes de segurança de longo prazo ainda não estão entre essas vantagens. Uma lacuna fatal de vacinas baseadas em vetores de adenovírus de macaco ou RNA mensageiro é que mesmo testes da fase três não esclarecem dúvidas sobre riscos de longo prazo dessas vacinas, enquanto tais perguntas sobre vacinas baseadas em vetores de adenovírus humanos já receberam respostas com êxito.
Alguns executivos estão abertos sobre isso. O executivo sênior da AstraZeneca, Ruud Dobber, chamou isso de “uma situação única em que nós como companhia simplesmente não podemos arriscar se daqui a […] quatro anos a vacina mostrar efeitos colaterais. Nesses contratos que temos agora, pedimos indenização”.
Nós cremos que é importante fazer com que as pessoas saibam os riscos envolvidos na aprovação de soluções novas, não testadas, como o mensageiro RNA ou o adenovírus de macaco.
Apreciamos a “garantia de segurança” que as companhias farmacêuticas planejam anunciar em breve, mas esperamos que se comprometam não só a assegurar resultados a curto prazo, mas também a assegurar que não há riscos acrescidos de câncer a longo prazo e infertilidade devido às suas vacinas.
Essa informação vai ajudar a proteger a saúde das pessoas e a pensar na perspectiva de longo prazo.
Nem todas as bases de vacinas foram criadas iguais
Para concluir: nem todas as bases de vacinas foram criadas iguais. Enquanto a fase III de testes ainda terá de ser concluída e o sucesso final da Sputnik V na proteção da COVID-19, mesmo das populações mais vulneráveis, ainda terá de ser estabelecido, a vacina da Rússia é baseada na plataforma disponível mais segura e comprovada, e foi registrada para o uso emergencial em plena conformidade com a lei e os procedimentos russos.
Esperamos que nossas perguntas sobre riscos de longo prazo obtenham respostas, assim como outras perguntas que plataformas de vacinas não comprovadas podem gerar no futuro. A pior pandemia do século fez todos nós buscarmos uma solução. Mas vamos esperar que nossos críticos adiram aos mesmos padrões de rigor, segurança e transparência. Afinal de contas, precisamos enfrentar a pandemia em conjunto, com total transparência e sem preconceitos.
https://br.sputniknews.com/…/2020090716037812-vacina-sputn…/