Rodrigo Craveiro
A Casa Branca bem que tentou amenizar, e até mesmo desmentir, a declaração do presidente Donald Trump. No entanto, o estrago estava feito. Em entrevista ao site Axios, o magnata republicano colocou em xeque a confiança em Juan Guaidó, chefe de Estado autodeclarado da Venezuela, e admitiu um encontro com o presidente Nicolás Maduro. “Poderia pensar nisso (…) Maduro gostaria de se reunir. E eu nunca me oponho às reuniões”, afirmou. “Sempre digo que se perde muito pouco com as reuniões. Mas, até agora, eu as recusei”, acrescentou, referindo-se ao líder chavista.
Entre 2017 e 2018, o norte-americano vislumbrava a possibilidade de um encontro. A nova menção ao diálogo, mesmo que sob condição, indica uma guinada de rumo da política externa de Washington — nos últimos dois anos, a Casa Branca apostava em sanções, afastava a chance de uma reunião e depositava esperanças de que a fragmentada oposição venezuelana conseguiria uma mudança de regime.
Na manhã de ontem, Trump buscou esclarecer sua fala, por meio de uma publicação no Twitter. “Ao contrário da esquerda radical, eu sempre estarei contra o socialismo e ao lado do povo da Venezuela. Meu governo sempre esteve do lado da liberdade e contra o regime opressivo de Maduro”, escreveu. “Eu somente me reuniria com Maduro para discutir uma coisa: a saída pacífica do poder.”
Maduro não perdeu tempo. No fim da tarde de ontem, se disse “disposto” a conversar “quando for necessário” com Trump. “Eu me reuni com (Joe) Biden (candidato do Partido Democrata à Casa Branca). Conversamos bastante, de forma respeitosa. Da mesma maneira que falei com Biden, poderia falar com Trump”, garantiu. Também na entrevista ao Axios, Trump deu a entender que desconfia de Juan Guaidó. “Acho que não era necessariamente a favor (de Guaidó), mas algumas pessoas gostavam dele, outras, não. Soou bem para mim. Não acho que tenha sido muito significativo, de uma maneira, ou de outra”, disse. Trump teria sido levado pelo então conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, a avalizar o líder opositor venezuelano.
Envolto em polêmica e às vésperas de ser lançado, um livro escrito por Bolton lança mais lenha na fogueira sobre a forma com que o republicano vê Guaidó. “Isso é falso”, assegurou ao Correio Edward Rodríguez, porta-voz de Guaidó, que declinou um pedido de entrevista. Na madrugada de ontem, Biden ironizou as declarações do presidente republicano. “Trump fala duro sobre a Venezuela, mas admira bandidos e ditadores, como Nicolás Maduro. Na condição de presidente, eu defenderei o povo venezuelano e a democracia”, afirmou, ao retuitar a entrevista do adversário ao site Axios.
Ao ser questionada sobre quem Trump considera o líder legítimo da Venezuela e se ele reunir-se-ia com Maduro, a porta-voz da Casa Branca, Kayleigh McEnany, citou o tuíte do presidente e garantiu: “Nada mudou; ele continua reconhecendo Juan Guaidó”. “O presidente não perdeu a confiança nem um pouco. E esse tuíte que li para vocês afirma isso muito claramente. Também gostaria de observar como este presidente tem sido duro com Maduro ao reconhecer Guaidó”, acrescentou.
Ratificação – Para o cientista político venezuelano José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor da Universidad Simón Bolívar (em Caracas), Trump viu a necessidade de ratificar sua posição anterior em relação a um possível diálogo com Maduro. “Sua posição não pode mudar drasticamente no meio de uma campanha eleitoral. Ainda mais quando o Departamento de Justiça dos EUA apresentou denúncia contra Maduro por tráfico de drogas”, afirmou ao Correio. O especialista considera nula a possibilidade de uma reunião entre Maduro e Trump. “Não há mudança de posição dos EUA sobre a situação da Venezuela. Por isso, não existe cenário possível para tal encontro. A campanha eleitoral de Trump gira em torno de um ataque ao socialismo, usando a Venezuela como exemplo. Sem falar das diferenças de caráter ideológico e de posição sobre temas diversos relacionados ao meu país e à suposta participação do regime no terrorismo.”
Prefeito de Caracas transformado em preso político e forçado ao asilo em Madri, Antonio Ledezma disse ao Correio que a posição dos EUA sobre algumas “variáveis” afeta opiniões, com algumas tonalidades, sobre o comportamento de atores dentro da Venezuela. “Mas a política a favor do resgate da democracia e da liberdade é compartilhada por republicanos e democratas”, observa. Ele considera importante o fato de os EUA terem ratificado o compromisso em alcançar a libertação da Venezuela.