Rodrigo Craveiro
Milhares de palestinos e árabes-israelenses participaram, ontem, de uma greve geral na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, enquanto a comunidade internacional intensificava os esforços diplomáticos em prol de uma trégua nas hostilidades. As esperanças recaem sobre a França — o país, que ocupa a Presidência do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentou uma resolução de cessar-fogo no conflito israelense-palestino. O texto foi formulado em coordenação com Cairo e Amã, em um encontro por videoconferência entre os presidentes Emmanuel Macron (França) e Abdel Fatah Al Sissi (Egito). “Os três países chegaram a acordos sobre três elementos simples: os tiros devem parar, é chegado o momento do cessar-fogo e o Conselho de Segurança da ONU para resolver o problema”, informou o Palácio do Eliseu, por meio de comunicado. Não estava claro quando a resolução apresentada pela França seria submetida à votação.
Mais cedo, a União Europeia tinha cobrado uma “interrupção imediata” da violência e a “implementação de um cessar-fogo entre palestinos e israelenses”. No entanto, a posição dissonante da Hungria, durante uma reunião virtual de emergência dos chanceleres do bloco, frustrou uma opinião unificada. Apesar de o presidente norte-americano, Joe Biden, ter subido o tom em três recentes telefonemas para o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, os Estados Unidos voltaram a bloquear uma terceira declaração conjunta do Conselho de Segurança da ONU por entender que a medida não ajudaria a reduzir a escalada de violência. Segundo o jornal The New York Times, uma liderança do movimento fundamentalista islâmico Hamas exigiu cessar-fogo unilateral.
Durante o chamado “Dia de Fúria” — convocado pelo partido Fatah contra a desapropriação de palestinos no bairro de Sheikh Jarrah (em Jerusalém Oriental) e contra a incursão da polícia de Israel na Mesquita de Al-Aqsa —, quatro palestinos morreram em confrontos com soldados judeus. No nono dia de escalada da violência, foguetes do Hamas disparados contra o sul de Israel mataram dois trabalhadores tailandeses, elevando a 12 o número de mortos no país. A aviação israelense retomou os bombardeios à Faixa de Gaza. Até o fechamento desta edição, o Ministério da Saúde da Autoridade Palestina contabilizava 217 mortos, incluindo 63 crianças e 36 mulheres.
“Se eu estiver viva amanhã (hoje), farei um relato sobre como foi esta noite de bombardeios”, afirmou ao Correio, por telefone, a professora Huda Al Assar, 55 anos, moradora de Deir Al-Balah, no centro da Faixa de Gaza. “A parte sul da minha cidade está sendo atacada de maneira assustadora”, acrescentou, por volta das 23h15 (17h15 em Brasília). De acordo com ela, Khan Yunis — vizinha de Deir Al-Balah — foi alvo de 30 bombardeios em pouco menos de cinco minutos. “Estou falando com você e escutando o som dos caças israelenses.”
Embaixador
“As marchas na Palestina histórica provam que os palestinos são um povo com uma causa central. Um povo com raízes ao longo da história não perde sua unidade e coesão, mesmo quando sujeito ao exílio e ao deslocamento”, declarou ao Correio Ibrahim Alzeben, embaixador palestino em Brasília. Segundo ele, os direitos nacionais de um povo que os persegue não se perdem por prescrição. O diplomata acredita que os protestos a favor da Palestina ocorridos nos últimos dias na Europa provam a solidariedade de parte das forças populares globais à causa e às demandas do povo palestino.
Alzeben denunciou que “Netanyahu continua sua operação sangrenta contra Gaza e contra a Palestina em geral”. “Nós sabemos que ele não retrocederá por vontade própria até que alcance seu objetivo não declarado, que é garantir-se no poder para assegurar imunidade ante ao Judiciário”, explicou. “Mas, também, pode ocorrer de sua aposta ser frustrada, e a história dobrar sua criminosa página política”, acrescentou.
Apesar da tensão crescente nos territórios ocupados, Eytan Gilboa — professor de comunicação política da Universidade Bar-Ilan (em Ramat Gan, Tel Aviv) — descarta uma nova intifada (levante palestino). “O partido Fatah e a Autoridade Palestina, que consideram o Hamas e a Jihad Islâmica inimigos, não querem que isso ocorra, pois poderia fortalecer o Hamas”, explicou à reportagem. Gilboa afirmou que Israel pretende danificar a infraestrutura militar e o poder de combate do Hamas e da Jihad Islâmica de forma que os impeça de dispararem foguetes. “Netatanyahu também quer parar com o costuma dessas facções de decidirem quando abrir e quando cessar fogo. Dessa vez, apenas Israel determinará o momento de colocar fim à guerra. Parece que esta rodada terminará neste fim de semana.”
» Depoimento
“Se eu sair, morrerei”
Yacoub Abu Arafeh
“Eu vivo em Sheikh Jarrah e passo o dia todo tentando proteger minha casa dos colonos judeus. Estamos com muito medo da desocupação. Temos lidado com os colonos há 49 anos em nossa vizinhança. Sheikh Jarrah é o coração de Jerusalém. Está em nossos corações. É a minha terra natal, o local onde nasci. Sheikh Jarrah é muito importante para os palestinos e para Jerusalém Oriental. Se eu sair daqui, morrerei.
Todas as cidades da Palestina estão dispostas a salvar Sheikh Jarrah, Jerusalém e as mesquitas. Os colonos querem tirar todos os palestinos de Jerusalém e fazê-la apenas uma cidade para os judeus. Não é justo. Querem tomar e destruir nossas casas e prédios e construir 12 grandes edifícios para os judeus. A intenção é erguer 2.240 residências para os israelenses.” Palestino, ator de teatro e músico, 59 anos, morador de Sheikh Jarrah (Jerusalém Oriental).