Rodrigo Craveiro
Apesar do acordo de cessar-fogo, mediado pela Rússia, entre as forças do Azerbaijão e os rebeldes separatistas apoiados pela Armênia, os intensos combates persistem na região de Nagorno Karabakh. A sudeste, o Quirguistão vê uma esperança de solução para a crise política deflagrada por denúncias de fraude nas eleições legislativas de 4 de outubro. O presidente quirguiz, Sorronbai Jeenbekov, se disse disposto a renunciar, enquanto clãs políticos literalmente se apossaram de prédios do governo e dois grupos de manifestantes que apoiam políticos rivais travaram choques nos últimos dias. No sábado, o ex-presidente Almazbek Atambayev, libertado por simpatizantes no dia 6, voltou a ser preso. O populista Sadyr Japarov, por sua vez, assumiu oficialmente o cargo de primeiro-ministro.
Mais ao norte, Alexander Lukashenko permanece impassivo depois de uma contestada vitória nas urnas. A oposição busca meios de impedir que o autocrata da Bielorrússia, há 26 anos no poder, permaneça por mais um mandato. Lukashenko responde com repressão, prisões e torturas. Ao lado, o presidente russo, Vladimir Putin, teme que a instabilidade regional abale a hegemonia de Moscou e os planos do Kremlin, ainda que obtusos, de criar uma “Grande Rússia” na Eurásia. O Kremlin colocou a líder opositora bielorrussa Svetlana Tikhanovskaya na lista de “procurados”. Se viajar à Rússia, a política, de 38 anos, pode ser presa e levada à capital da Bielorrússia, Minsk, para ser julgada.
Três décadas depois da fragmentação da União Soviética (URSS), as ex-repúblicas estão longe de serem modelos de democracia sólida. Diretor do Centro para Estudos Políticos e Legais do Quirguistão, na capital, Bishkek, Tamerlan Ibraimov disse ao Correio que o Kremlin monitora com atenção a situação nos países vizinhos. “Em um grau ou outro, o cenário nessas nações pode influenciar a conjuntura na própria Rússia. O grau de possível influência de Moscou sobre diferentes nações pode ser distinto. Por exemplo, não há dúvida de que a guerra entre Azerbaijão e Armênia, e a potencial interferência da Turquia, poderia causar maior impacto sobre Putin do que o conflito aqui no Quirguistão”, explicou.
Ibraimov acredita que confrontos regionais possam reduzir o papel da Rússia na região e promover o aumento da influência de outras nações, como Turquia, China e Estados Unidos. Além dos russos, os norte-americanos e os franceses advertiram que os ataques a civis em Nagorno Karabakh são “uma ameaça inaceitável para a estabilidade da região”.
Apesar de reconhecer a gravidade da crise política em seu país, o especialista quirguiz a entende como fruto de problemas internos, associados à insatisfação popular com violações nas eleições para o Jogorku Kenesh (Parlamento), bem como com a crise socioeconômica causada pela pandemia da covid-19. “O impacto da crise no Quirguistão sobre outras ex-repúblicas soviéticas pode ser indireto, principalmente ao estimular os cidadãos a manifestarem a insatisfação com o poder. Algo que, em tese, preocupa Putin, que tem buscado sufocar e anular os opositores.
Incômodo
Por sua vez, Dennis Berdakov — fundador da Rede de Pesquisas Transfronteiriças da Eurásia Central, em Bishkek (Quirguistão) — explicou ao Correio que a instabilidade em seu país incomoda a Rússia e a China, sobretudo por motivos geopolíticos e econômicos. “O Quirguistão, pequena nação montanhosa de 6 milhões de habitantes, é uma das mais importantes rotas de trânsito da China para a Rússia, a Europa e o Oriente Médio, além de servir de escoamento para produtos chineses. Estados Unidos, Turquia e a União Europeia estão extremamente atentos à crise, pois somos a mais desenvolvida democracia da região, apesar de termos estruturas policiais frágeis”, disse. Ele teme a deflagração de um conflito étnico capaz de tornar o Quirguistão “um novo Afeganistão”, com as potências estrangeiras impondo seus interesses.
De acordo com Berdakov, a Eurásia enfrenta outro processo de fragmentação, similar ao que ocorreu na União Soviética. Ele aponta razões internas, como o fracasso da economia, o comércio internacional em queda e a crise financeira. Por sua vez, o analista avaliou que a Rússia testemunha disputas internas da elite e vê com ceticismo qualquer possibilidade de “reintegração da ex-União Soviética”. “Mas, é certo que o mundo mudou rapidamente na Eurásia, desde o colapso da URSS. Muitos estados tornaram-se quase feudais novamente, com poderosos laços de clãs.”
» Pontos de vista
Por Dennis Berdakov
O planeta em colapso
“A Rússia está interessada em assegurar que haja paz nos Estados do espaço pós-União Soviética, no Cáucaso e na Ásia Central. Ela não quer receber nova onda de refugiados, nem transferência de guerras étnicas ao seu território. A tensão na Rússia cresce. Entramos na era do colapso do mundo em regiões econômicas. Ninguém precisa de ninguém. Haverá novas ‘metrópoles’, como EUA e China, cercadas de países periféricos em chamas.” Fundador da Rede e Pesquisas Transfronteiriças da Eurásia Central, em Bishkek (Quirguistão).
Por Tamerlan Ibraimov
Protagonismo na região
“Sem sombra de dúvidas, o presidente Vladimir Putin tenta criar uma ‘Grande Rússia’ e manter seu papel de liderança no espaço pós-soviético. No entanto, a instabilidade nessas nações está principalmente ligada a problemas internos. Ao mesmo tempo, até certo pontro, essa instabilidade às vezes requer a intervenção da Rússia, o que aumenta seu papel como principal ator no espaço eurasiano da ex-União Soviética.” Diretor do Centro para Estudos Políticos e Legais do Quirguistão (em Bishkek).