Embaixada da Dinamarca promove workshop sobre o tema. País é exemplo na garantia da independência do paciente
Muito se fala a respeito da questão da mobilidade de quem é cadeirante, mas quase nada se comenta sobre outras necessidades específicas dessas pessoas, que também podem lhes tirar o direito de se sentirem dignas e prontas para retomar a vida de maneira igualitária. Talvez, a mais importante delas seja a necessidade de cuidados especiais com o sistema urológico. Foi para tratar do tema que a Embaixada da Dinamarca promeveu, na última quarta-feira (24), um workshop que reuniu profissionais de saúde, ex-pacientes, personalidades e autoridades interessadas no assunto.
O evento foi aberto pelo embaixador Kim Hojlun Christensen. Segundo ele, apesar de todos os avanços tecnológicos, “é preciso buscar políticas públicas em prol das pessoas com deficiência”. Ele lembrou que o Brasil avançou muito, nos últimos anos, para ampliar os direitos e as liberdades das pessoas com deficiência, mas ainda assim “os desafios para facilitar o dia-a-dia da vida de cadeirantes são permanentes tanto aqui quanto na Dinamarca”.
De acordo com estimativas do Ministério da Saúde, 6 mil novos casos de lesão medular são registrados todos os anos no Brasil, sendo 80% das vítimas homens jovens, que perdem o controle da bexiga por causa do corte na comunicação entre o cérebro e o músculo responsável por armazenar a urina.
Um dos palestrantes do workshop promovido pela Embaixada da Dinamarca, Rafael Hoffmann (33), atleta paralímpico da Seleção Brasileira de Rugby, deu seu depoimento sobre as dificuldades que lesados medulares enfrentam diariamente para urinar. “Quem não vive esse tipo de lesão imagina que um cadeirante simplesmente não anda, mas junto com a lesão vem todo um pacote. O fato de não andar é o que menos incomoda”, destacou.
Rafael é cadeirante há quase dez anos. Segundo o atleta, foi durante uma viagem ao exterior para participar de uma competição de rugby que ele conheceu um procedimento que impactaria para sempre sua qualidade de vida, o chamado cateterismo hidrofílico, capaz de permitir a retirada total da urina acumulada na bexiga de forma prática e com menos riscos à saúde. “Antes fazia ciclos de antibiótico praticamente de três em três meses por causa os cateteres sem lubrificação e isso para um atleta de alta complexidade como eu é complicado porque fico fora dos treinos. Só no final de 2013 conheci o cateter hidrofílico. A gente (os atletas de rugby da Seleção Brasileira) comentava ‘puxa, se já existisse isso no Brasil…. E existia, mas a gente não sabia. Em Curitiba, o cateter hidrofílico é fornecido pelo SUS”, continuou Rafael.
SEM TRAUMAS – Um dos pontos altos do workshop foi, sem dúvida, a explicação da enfermeira Gisela de Assis, presidente da Associação Brasileira de Estomaterapia – Seccional do Paraná, sobre as diferenças entre os procedimentos para a retirada da urina adotados na maioria dos municípios do país e o adotado em Curitiba.
De acordo com a enfermeira, os cateteres disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde são feitos de PVC, alteram a rigidez com a temperatura, exigem que o usuário aplique lubrificante em sua superfície antes do uso e oferecem sérios riscos de contaminação e ferimentos na mucosa, que podem provocar estreitamento da uretra. Já os hidrofílicos, que são feitos de poliuretano e totalmente lubrificados, são práticos e evitam traumas. Além disso, a pessoa pode fazer uso deles até dentro do carro se for preciso devido a seu design exclusivo e embalagem que evita contaminações. “A gente espera que um dia possam ser usados na rede pública de saúde”, enfatizou Gisela.
O procedimento de retirada de urina por meio do cateter hidrofílico, aliás, é o padrão adotado na Dinamarca. É a empresa Coloplast, que tem escritório no Brasil há 17 anos, que produz o cateter distribuído em toda a rede de saúde dinamarquesa e em algumas cidades brasileiras.
De acordo com estudos apresentados pelo médico, os cateteres lubrificados são de custo-efetivo, ou seja, são mais caros que os oferecidos na maior parte do SUS, mas evitam gastos com uso de internações e de medicamentos para contornar as consequências de infecções urinárias de repetição.
DESAFIO – O deputado federal Odorico Monteiro (PROS-CE), um dos convidados a assistir ao workshop, parabenizou o trabalho de pesquisa feito pela Coloplast para melhorar a vida de lesados medulares. “O que a gente teve aqui hoje foi uma aula sobre o Sistema de Saúde do Século 21, fortemente centrada no cuidado quando o paciente passa a ter autonomia. Depois, no tratamento da família, das redes sociais constituídas e do profissional de saúde – que passa a ter papel de parceiro do vítima da lesão medular -, o grande desafio é fazer com que o SUS incorpore toda essa tecnologia”, ressaltou. Integrante da Comissão de Seguridade Social da Câmara, o parlamentar destacou ainda que o assunto merece ser discutido em audiência pública.
“Nossa missão é tornar mais fácil a vida de pessoas com necessidades íntimas de saúde. Gostaríamos que essas pessoas esquecessem essa condição”, afirmou o diretor-geral da Coloplast Brasil, Luiz Tavares. Segundo o diretor, atualmente, mais de 14 mil pacientes são atendidos pelo Programa Ativa, que disponibiliza assistência de enfermeiros, em 136 países, para orientar vítimas de lesões medulares a fazer o uso correto do cateter para esvaziamento da bexiga. O Programa foi criado para dar ao paciente uma vida o mais normal possível, fazendo uso de uma técnica que evita constrangimentos provocados por incontinência urinária e riscos de danos à saúde.