Daniel Pardo – Correspondente da BBC Mundo na Colômbia
Faz uma semana que a Colômbia vive uma espiral de protestos e confrontos violentos entre manifestantes e forças de segurança
Moradores da Comuna 20 de Cáli, o primeiro e maior bairro informal da terceira cidade mais populosa da Colômbia, organizaram uma vigília na segunda-feira (3/5) em homenagem aos manifestantes mortos após cinco dias de protestos violentos.
“Havia crianças e mães, era um ambiente de família”, lembra Kevin Reyes, um liderança social da região. As pessoas presentes à vigília percorreram o caminho que liga o bairro ao resto da cidade.
“Por volta das 20h30 começamos a ouvir que o Esmad (Esquadrão Móvel Anti-Motim) estava chegando… então chegou um helicóptero que tocava o hino nacional e uma luz refletora foi emitida como se procurasse pessoas”, ele lembra.
E aí começou um confronto no qual Reyes viu “policiais encapuzados e militares disparando armas semiautomáticas e rifles”. No dia seguinte, a comunidade de Siloé, como também é conhecido o bairro, contabilizava vários mortos e desaparecidos. Agora eles esperam fazer uma nova vigília em homenagem às vítimas.
Faz uma semana que a Colômbia vive uma espiral de protestos e confrontos violentos entre manifestantes e forças de segurança. São choques inéditos em sua história recente por sua abrangência e por serem constantes. E Cáli, uma cidade com mais de 2,3 milhões de habitantes e capital do departamento do vale do Cauca, no sudoeste da Colômbia, se tornou o epicentro.
A onda de protestos começou com uma proposta de reforma tributária mas deve se manter mesmo após a votação do projeto ter sido suspensa. O projeto tinha pontos polêmicos, como aumento de impostos sobre a renda e sobre produtos básicos, de forma a aumentar a arrecadação tributária e evitar que a dívida colombiana gere a perda de mais pontos nas avaliações de risco de agências internacionais.
O governo defendia a necessidade desse incremento como forma de arrecadar o equivalente a 2% do PIB e sustentar os programas sociais implementados durante a pandemia de covid-19.
No último domingo, já diante de quatro dias consecutivos de protestos, o presidente Iván Duque pediu que o Congresso tirasse reforma tributária da pauta de votações, para que fosse revisada e virasse “fruto de consenso, de modo a evitar incerteza financeira”. Mesmo assim, as manifestações continuaram, principalmente em protesto pelas mortes ocorridas nos choques com a polícia.
Os dados disponíveis da onda de violência na Colômbia são preliminares e não consolidados. A Ouvidoria Geral contabilizou nesta terça-feira (4/5) pelo menos 19 mortos, 89 desaparecidos e milhares de feridos. Mas só em Siloé na segunda-feira, por exemplo, a prefeitura de Cáli contabilizou cinco mortes. A escalada da violência em todo o país – com Cáli como epicentro, mas também em municípios de pequeno e médio porte – bloqueou as estradas principais, destruiu dezenas de pedágios e incendiou centenas de edifícios públicos e privados.
O governo de Iván Duque, que propôs na terça-feira (4/5) um reunião para negociação com todos os setores, inclusive manifestantes, atribui a violência a infiltração de grupos guerrilheiros e terroristas, bem como a vândalos que aproveitam para saquear o comércio.
Os críticos, porém, falam em massacres pelas mãos do Estado após o anúncio do presidente de militarizar as ruas. O general-chefe do Exército, Eduardo Zapateiro, chegou a Cáli para liderar o que chama de “recuperação da cidade”.Enquanto isso, centenas de vídeos, que cada um parece interpretar de acordo com sua posição, circulam pelas redes sociais e chats, ampliando a ansiedade que invade o país.
“Violência na comunidade”
Em outra área de Cáli, uma área mais rica conhecida como Ciudad Jardín, a comunidade local também se reuniu na rua na noite de segunda-feira.