ONU Brasil
A ampla privatização de bens públicos em muitas sociedades está sistematicamente eliminando proteções de direitos humanos e marginalizando ainda mais aqueles que vivem na pobreza, de acordo com um novo relatório de especialista das Nações Unidas publicado na última sexta-feira (19).
“Estados não podem dispensar suas obrigações com os direitos humanos ao delegar serviços e funções essenciais para companhias privadas, à medida que sabem que isso efetivamente prejudicará esses direitos para algumas pessoas”, afirmou Philip Alston, relator especial da ONU para a extrema pobreza e os direitos humanos.
Philip Alston, relator especial da ONU para a extrema pobreza e os direitos humanos, criticou a extensão com a qual Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e até a própria ONU promoveram agressivamente a ampla privatização de serviços básicos, sem levar em conta as implicações nos direitos humanos ou as consequências para os mais pobres. Ele também criticou grupos de direitos humanos por não responderem com força suficiente aos desafios resultantes.
“Privatizar a prestação de justiça criminal, proteção social, prisões, educação, serviços básicos de saúde e outros bens públicos essenciais não pode ser feito às custas de jogar proteções de direitos pela janela”, disse Alston.
“Estados não podem dispensar suas obrigações com os direitos humanos ao delegar serviços e funções essenciais para companhias privadas, à medida que sabem que isso efetivamente prejudicará esses direitos para algumas pessoas.”
Ele destacou que, embora “os defensores apresentem a privatização como uma solução técnica para gerenciamento de recursos e redução de déficits fiscais, ela na verdade se tornou uma ideologia de governança que desvaloriza bens e espaços públicos, a compaixão e uma série de outros valores que são essenciais para uma sociedade decente”.
“Embora os defensores das privatizações insistam que ela poupa dinheiro, aumenta a eficiência e melhora os serviços, as evidências do mundo real frequentemente contestam ou contradizem essas afirmações”, disse Alston.
As privatizações têm pressupostos fundamentalmente diferentes dos que pregam o respeito aos direitos humanos, como a dignidade e a igualdade, disse ele. Elas inevitavelmente priorizam os lucros e colocam de lado considerações como igualdade e não discriminação. Detentores de direitos são transformados em clientes. Os mais pobres, necessitados ou em situações problemáticas são marginalizados ou excluídos. Critérios de direitos humanos estão ausentes de quase todos os acordos de privatização, que raramente incluem condições para monitoramento contínuo de seus impactos em fornecimento de serviços.
“Mecanismos existentes de responsabilização de direitos humanos são claramente inadequados para lidar com os desafios de privatizações amplas e em larga escala”, disse Alston. “A comunidade dos direitos humanos não pode mais ignorar as consequências de privatizações e precisa reconsiderar radicalmente sua abordagem”.
Agentes de direitos humanos devem começar retomando a superioridade moral e reafirmando o papel central de conceitos como igualdade, sociedade, interesse público e responsabilidades compartilhadas, enquanto contestam a suposição de que privatizações deveriam ser a abordagem padrão. “A comunidade de direitos humanos precisa desenvolver novos métodos que confrontem sistematicamente as implicações mais abrangentes de amplas privatizações e garantir que direitos humanos e responsabilização estejam no centro de esforços de privatizações”, disse Alston.
Parece não existir limites para as privatizações promovidas pelos Estados, disse o relator. Instituições públicas e serviços em todo o mundo foram assumidos por companhias privadas dedicadas a lucrar a partir de partes importantes de sistemas de justiça criminal e prisões, ditando prioridades e abordagens educacionais, decidindo quem irá receber intervenções de saúde e proteção social, escolhendo qual infraestrutura será construída, onde, e para quem, frequentemente com consequências para os mais marginalizados. “Há um grande risco de que ondas de privatizações vivenciadas até o momento serão em breve seguidas por um verdadeiro tsunami”, disse Alston.
Privatizações de proteções sociais frequentemente levam a um foco em preocupações de eficiência econômica que buscam minimizar tempo gasto com clientes, encerrar casos mais cedo, gerar taxas sempre que possível e atender àqueles em melhor situação, empurrando os com menos recursos e problemas mais complexos para as margens da sociedade.