Por Flávia Biroli, Luciana Lóssio e Nadine Gasman (*)
As mulheres são 52% do eleitorado no Brasil, mas têm ocupado cerca de 10% dos cargos políticos eletivos. A sub-representação permanece mesmo após o país ter adotado legislação específica para aumentar o número de mulheres eleitas, como as cotas eleitorais que são, desde 1997, de 30% das candidaturas.
Nas eleições de 2014 para a Câmara dos Deputados e para as assembleias legislativas, 91,1% dos deputados federais e 88,7% de deputados estaduais eleitos foram homens. Nas eleições municipais do ano passado, 86,4% dos eleitos para vereador são homens.
Os números do pleito de 2016 revelam barreiras persistentes à participação das mulheres na política. Em mais de um quarto das câmaras legislativas, só homens venceram.
Deve-se fazer uma pergunta simples às mulheres: sua experiência, seu trabalho, suas preocupações, sua visão de mundo são idênticos aos dos homens? As contribuições que podem dar à vida pública podem ser substituídas pelas deles? Sendo negativa a resposta, há algo de errado em levar à esfera política apenas o ideário masculino.
Há barreiras ainda maiores às mulheres negras, que foram menos de 5% (somando pardas e pretas) do total de eleitos a vereador.
Outro dado das eleições de 2016 que preocupa e mostra que o sistema político não absorveu a vontade expressa pelo Brasil na lei de cotas é que 85,9% das candidaturas sem voto são de mulheres.
Há aqui uma clara indicação de que candidaturas femininas estão sendo alocadas para satisfazer a lei eleitoral. Nesse ponto, vale trazer um segundo problema. Não basta termos candidatas mulheres se não há efetividade nas candidaturas.
Para além das “candidaturas-laranja” que a ausência de votos sugere, vale ressaltar a falta de apoio dos partidos às candidaturas femininas. O sexismo, presente na composição das instâncias diretivas e em práticas cotidianas, neutraliza a presença e influência femininas.
O comprometimento com a cidadania das mulheres só existirá quando for além de palavras nos próprios partidos.
O saldo nas prefeituras em 2016 não foi melhor do que nas câmaras. O percentual de 11,5% de prefeitas eleitas representa uma pequena redução em relação a 2012.
E aqui, cabem outras indagações: quantas mulheres comporão o primeiro escalão dos governos? Quantos municípios terão organismos dedicados especificamente a políticas para mulheres, como o combate à violência contra elas, o aprofundamento de políticas para a equidade, que envolvem de estruturas de cuidado para as crianças e apoio para as mulheres trabalhadoras a políticas voltadas à promoção de igual cidadania de gênero?
É hora de partidos, assim como prefeitas e prefeitos eleitos, mostrarem seu comprometimento. Com mais mulheres na política local, investidas de autoridade, teremos sementes para melhores resultados nas futuras eleições. Entendemos que a cidadania das mulheres depende de sua atuação na vida política.
O projeto Cidade 50-50, uma parceria entre ONU Mulheres, Tribunal Superior Eleitoral, Instituto Patrícia Galvão e Grupo de Pesquisa Demodê-UnB, propõe um compromisso com as mulheres e meninas do país, em direção a cidades nas quais mulheres e homens possam tomar parte na governança.
O horizonte é o da paridade. Mas o desafio que lançamos é possível desde já. Prefeitas e prefeitos, com seus partidos, podem levar a sério a vontade política já expressa na Lei de Cotas, indicando no mínimo 30% de mulheres para cargos de primeiro escalão. Desse modo mostrarão seu engajamento com a igual cidadania de gênero, expressa na Constituição e nas leis do país.
FLÁVIA BIROLI, professora do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília), coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê).
LUCIANA LÓSSIO, ministra do Tribunal Superior Eleitoral, é presidente da Associação de Magistradas Eleitorais Ibero-americanas e conselheira do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
NADINE GASMAN é representante da ONU Mulheres no Brasil.
Artigo publicado originalmente no jornal Folha S. Paulo em 16 de janeiro de 2017.