Alexandre Sampaio*
Sensibilizados pelos nefastos impactos econômicos da pandemia da Covid-19, nos setores de eventos e turismo, um grupo de deputados, encabeçado pelo deputado Felipe Carreras, protocolou, em dezembro de 2020, o Projeto de Lei nº 5.638/2020. O texto propunha medidas compensatórias às referidas atividades econômicas, integrantes do que chamaram de Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE.
Neste projeto de lei, destaco os tópicos: a possibilidade de parcelamento especial de débitos tributários, com desconto de até 70% (setenta por cento) sobre o valor total da dívida e o prazo máximo para sua quitação de até 145 (cento e quarenta e cinco) meses; o pagamento de indenização oficial para os agentes econômicos que experimentaram redução superior a 50% (cinquenta por cento) no faturamento, entre 2019 e 2020, baseada nas despesas com pagamento de empregados; além de reduzir a 0% (zero por cento), pelo prazo de 60 (sessenta) meses, as alíquotas de tributos federais (PIS, COFINS, CSLL e IRPJ).
Mesmo sendo louvável, tal iniciativa parlamentar encontrou dificuldades no governo, sob a alegação de que não se fazia acompanhar a estimativa de impacto orçamentário e financeiro nas contas públicas, em razão da renúncia de receita fiscal e, também, sob o argumento de pretender instituir tratamento desigual entre os contribuintes, em afronta à isonomia tributária. Entretanto, a proposta foi aprovada pelo Congresso Nacional e remetida à sanção presidencial em abril de 2021, tendo sido parcialmente vetada pelo Presidente da República, exatamente em relação às alíquotas zeradas e possibilidade de indenização. Mais à frente, com a restituição do projeto ao congresso, o veto presidencial foi derrubado, sendo promulgada a parte vetada da Lei 14.148/2021, em 18/03/2022.
Portanto, a partir daí, o que se viu foi uma inércia injustificada da Receita Federal do Brasil, em estabelecer meios práticos para o gozo dos direitos previstos na Lei do Perse. Acontece que, embora a lei inicial tenha sido publicada em 3 de maio de 2021, somente em 23 de junho do mesmo ano, o Ministério da Economia fez publicar a sua portaria nº 7.163, onde foram definidos os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE das empresas que estariam abrangidas pelo PERSE.
Como se isso não bastasse, mesmo com a derrubada do veto presidencial em 18/03/2022 e, consequente vigência do artigo que instituiu o direito à redução a 0% (zero por cento) das alíquotas de tributos federais, pelo prazo de 60 (sessenta) meses, apenas em 06/05/2022 a Receita Federal do Brasil (RFB) fez publicar a atualização da tabela de códigos do sistema de Escrituração Fiscal Digital (EFD)/SPED (Sistema Público de Escrituração Digital), de nº 4.3.13 – Produtos Sujeitos à Alíquota Zero da Contribuição Social (CST 06), versão 1.25, a qual possibilitou que as empresas pudessem declarar a alíquota zerada para PIS e COFINS.
Nesse intervalo, é importante registrar que somente com a publicação do artigo 4º, da Lei nº 14.390, em 05/07/2022, uma das inseguranças jurídicas e dúvidas dos contribuintes abrangidos pelo PERSE foi respondida, qual seja, que não haveria necessidade de que a empresa interessada em gozar dos benefícios do PERSE estivesse enquadrada no regime de tributação do Lucro Real, sendo admitido o regime do Lucro Presumido, para efeito de pagamento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e IRPJ.
Apesar disso, até a presente data, a RFB não implementou meios, providos de segurança jurídica, a fim de que as empresas pudessem deixar de pagar os tributos federais incluídos no PERSE com alíquota zerada, inclusive quanto ao cumprimento das obrigações acessórias daí decorrentes, principalmente a elaboração da DCTF – Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais.
Paralelo a isso, o Ministério da Economia, com a publicação da sua portaria 7.163, ainda criou duas limitações ao efetivo gozo dos benefícios do PERSE para bares e restaurantes, não prevista na própria Lei que o instituiu: 1) Que as atividades econômicas beneficiárias do PERSE, estivessem sendo exercidas até 04 de maio de 2021, data de publicação da Lei; 2) Que as empresas do setor de turismo, estivessem inscritas em situação regular no CADASTUR (Lei nº 11.771/2008) até 04 de maio de 2021.
Como se vê, a portaria editada pelo Ministério da Economia exorbitou na sua função de regulamentar a legislação formal, impondo limitações ao usufruto de benefício fiscal não previstos em Lei aprovada pelo Congresso Nacional. É fato que por meio do poder regulamentar, está autorizado o Poder Executivo a exigir certos requisitos procedimentais para a fruição de determinado benefício instituído em lei. Porém, pontuo que adotar limite temporal não explícito em lei (inscrição prévia no CADASTUR, cadastro mantido pelo Ministério do Turismo, na data de publicação da lei), evidentemente extrapola esse poder regulamentar porque cria indevido marco temporal e institui condicionante não autorizada pelo texto legal.
É importante notar, aliás, que para bares e restaurantes, o cadastro no CADASTUR é facultativo, como previsto na Lei 11.771/2008 (Lei Geral do Turismo). Como, então, exigir-se que tais empresas estivessem já inscritas para, somente assim, poderem usufruir do benefício fiscal?
A única resposta possível é que, desde a apresentação do PERSE, ainda na condição de proposta legislativa, o programa compensatório destinado a colocar de pé os setores de turismo e eventos foi negligenciado e rechaçado pelo governo federal, sob o argumento de grande impacto no tesouro.
Sendo injustificável o cenário que se apresenta, na medida em que, até hoje a RFB não permitiu o exercício pleno dos benefícios fiscais previstos em Lei. Espera-se que o Poder Judiciário continue realizando a sindicabilidade das omissões do Poder Público Federal, declarando ilícita a parte da Portaria Ministerial que exigiu uma inscrição prévia no CADASTUR e permitindo, na prática, que as empresas vejam seus direitos assegurados, ainda que de forma parcial. Reforço que o turismo brasileiro ainda pede socorro, mas agradece os tópicos que trazem alguma segurança financeira para o setor.
*Presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA).