Rodrigo Craveiro
Enquanto o presidente Donald Trump agradecia o apoio à reeleição anunciado pela Associação Nacional de Rifles (NRA), a covid-19 avançava de forma descontrolada pelos Estados Unidos e impactava a forma como a opinião pública percebe a resposta do republicano à tragédia. Na quinta-feira, o país registrou 71.229 casos de contágio pelo novo coronavírus, o maior número desde o início da pandemia. Até o fechamento desta edição, os EUA acumulavam 3.626.500 infecções e 138.979 mortes (23% do total no mundo).
Uma pesquisa publicada pelo jornal The Washington Post e pela rede de TV ABC News mostrou que 38% dos norte-americanos aprovam a gestão de Trump em relação à covid-19 — a terceira queda consecutiva em quatro meses (51% em março e 46% em maio). Seis em cada 10 cidadãos reprovam a conduta do mandatário. A força-tarefa contra a covid-19, liderada pelo médico infectologista Anthony Fauci, recomendou que 18 estados na chamada “zona vermelha” (com mais de 100 infectados por 100 mil habitantes) deveriam reverter as medidas de abertura econômica estimuladas por Trump. Para especialistas consultados pelo Correio, a queda na popularidade do republicano é reflexo da má resposta à pandemia e pode colocar em xeque o projeto de reeleição, em 3 de novembro.
Alan Dershowitz, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard e advogado de Trump, lembrou que “os votos se importam mais com a competência do que com outros fatores, especialmente durante uma crise”. “Ainda é muito cedo para especular sobre as eleições”, acrescentou. No entanto, Bruce Ackerman, professor de direito da Universidade de Yale, explicou que a incompetência do presidente alienou muitos eleitores independentes. “Alinhados aos simpatizantes do Partido Democrata, eles fornecem atualmente a Joe Biden uma maioria decisiva no Colégio Eleitoral. Como é provável a continuidade das altas taxas de desemprego, parece improvável que Trump ganhará apoio da maioria nos próximos meses”, disse.
Desempregados – Ackerman aponta que a questão crucial é saber se Biden, uma vez eleito, terá êxito nos pontos de fracasso de Trump e se o democrata fornecerá ajuda às dezenas de milhões de americanos expulsos do mercado de trabalho. “Só o tempo dirá.”
De acordo com Kyle Kondik, editor da newsletter Sabato’s Crystall Ball e professor do Centro de Política da Universidade da Virgínia, o magnata republicano enfrenta um dilema. “Ele tem um problema, precisa governar para sair do mesmo, e não demonstrou capacidade para manobrar o navio do Estado através dessa tempestade”, admitiu. O especialista acredita que os EUA tiveram uma das piores respostas mundiais à pandemia. “O peso do fracasso tem encolhido os números de Trump”, comentou, em alusão às recentes pesquisas de opinião. Apesar de reconhecer a resiliência do presidente e o fato de muitos americanos não serem persuadíveis quando se trata de uma votação, Kondik aposta que Trump não poderá obter a reeleição, caso seus índices nas sondagens mantenham-se ruins. “O tempo está acabando para ele.”
Historiador político da American University (em Washington), Allan Lichtman cita uma série de falhas cometidas pela Casa Branca na gestão da pandemia. “Trump estragou a própria resposta à pandemia desde o início. Ele alegou falsamente que a proibição de viagens à China salvou milhões de vidas. Naquele momento, o novo coronavírus estava se espalhando pelos EUA, e os infectados chegavam da Europa”, disse. “Também repetiu, falsamente, que o vírus estava sob controle e que desapareceria. Falhou em fornecer testes e equipamentos de proteção necessários aos estados, além de não ter desenvolvido uma estratégia nacional para lidar com a doença.” Lichtman recorda que Trump chegou a sugerir a ingestão de desinfetantes e a associar as testagens de diagnóstico a um segundo pico nas infecções. “Ele instou os estados a reabrirem a economia e depreciou Fauci.”
Até dezembro de 2019, o historiador apontava que Trump tinha perspectivas sólidas de reeleição. No entanto, Lichtman afirmou que a pandemia e os protestos antirraciais deflagrados pelo assassinato do afro-americano George Floyd, nas nmãos de um policial branco, reduziram as chances de vitória do republicano. “Ainda não fiz as previsões finais, mas o Escritório Nacional de Pesquisa Econômica indicou que os EUA estão em recessão, o que dificulta um milagre nas pesquisas para o segundo trimestre.”
Pentágono proíbe bandeira confederada em bases militares – O chefe do Pentágono, Mark Esper, proibiu a bandeira confederada, muitas vezes considerada um símbolo de racismo, em todas as bases militares dos Estados Unidos, onde são frequentemente exibidas em salas comuns. Em mensagem endereçada a todos os oficiais das Forças Armadas dos Estados Unidos, o Departamento de Defesa divulgou uma lista de bandeiras autorizadas em bases, a bordo de navios de guerra, escritórios ou salas de conferências e em todos os espaços alugados pelo departamento fora de suas dependências. A bandeira confederada, uma cruz azul sobre fundo vermelho, decorada com 13 estrelas brancas, simbolizando os estados do sul que se opunham à abolição da escravidão, enfrentando o norte durante a Guerra Civil (1861-1865), é excluída da lista de bandeiras autorizadas. “As bandeiras que levamos devem responder aos imperativos militares de ordem e disciplina, tratar todos com respeito e dignidade e rejeitar os símbolos da divisão”, disse Esper na carta publicada no Twitter.
» Pontos de vista
Por Alan Dershowitz
Crises diferentes – “Todos os líderes enfrentam três crises ligadas ao novo coronavírus: sanitária, econômica e política. Aqueles que fecharam o país cedo demais e de modo permanente saíram-se melhor. Aqueles que colocaram a economia ou a política antes da saúde parecem piores agora. No entanto, ainda é muito cedo para especularmos sobre o impacto eleitoral.” Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard e advogado de Donald Trump.
Por Allan Lichtman
Rejeição em massa – “O povo norte-americano tem amplamente rejeitado a resposta de Trump à pandemia e afirmado que ele não estava fornecendo informações verdadeiras e precisas. Anthony Fauci (chefe da força-tarefa da Casa Branca contra a covid-19) e a maioria dos governadores estaduais obtiveram avaliações muito mais altas do que o presidente.” Especialista em história política pela American University (em Washington).
Por Nathan L. Gonzales
Abertos a um novo líder – “A disputa presidencial não acabou, mas Joe Biden está em vantagem. Não acho que os americanos esperam que o coronavírus será eliminado antes de 3 de novembro ou que a economia voltará ao normal até lá. Mas a maioria das pessoas não vê o país na direção certa. Isso faz com que sejam abertos a um novo líder.” Editor da newsletter apartidária Inside Elections e especialista em eleições norte-americanas.