Mais de 550 civis, entre eles mulheres e crianças, morreram vítimas da repressão das forças de segurança desde o golpe de Estado de 1º de fevereiro, que depôs o governo civil de Aung San Suu Kyi, segundo a Associação de Ajuda aos Presos Políticos (AAPP).
Outros quatro civis foram mortos a tiros no sábado (3) e um homem de 30 anos foi assassinado, também com arma de fogo, no domingo (4) no norte do estado birmanês de Kachin. A junta assegurou aos meios de comunicação estatais que as forças de segurança estavam “demostrando a máxima contenção”.
O número de vítimas da repressão poderia ser muito maior, teme a entidade. Cerca de 2.700 pessoas foram detidas. Muitas delas foram presas na surdina, sem acesso a advogados ou a seus familiares, e estão desaparecidas.
Criatividade – Apesar da violência, a mobilização pró-democracia continua, com dezenas de trabalhadores em greve e setores inteiros da economia paralisados. Inspirados no domingo de Páscoa, o movimento de desobediência civil publicou nas redes sociais de fotos e saiu às ruas de Yangon exibindo ovos que traziam mensagens como: “Vamos salvar Mianmar”, “Queremos democracia” ou “Sai fora, MAH”, em uma alusão às iniciais do líder da junta militar Min Aung Hlain.
“A criatividade, a coragem e a valentia do nosso povo são o futuro de Mianmar”, tuitou o doutor Sasa, enviado especial na ONU do governo civil deposto. Em sua tradicional mensagem de Páscoa, o papa Francisco expressou sua “proximidade” com os jovens birmaneses que “estão comprometidos com a democracia, fazendo ouvir sua voz de forma pacífica”.
“Jesus ressuscitou: Aleluia, Mianmar ressuscitará”, tuitou Charles Bo, o primeiro cardeal de Mianmar, que é um país majoritariamente budista. Francesa Total fica em Mianmar. Diante da deterioração constante da situação, as ONGs internacionais e locais e alguns políticos na França pediram à petroleira Total, presente em Mianmar desde 1992, que abandonasse o país. Mas o grupo decidiu ficar.
A empresa manterá sua produção de gás, que “fornece eletricidade a uma população numerosa em Yangon”, a capital econômica do país, informou neste domingo o diretor-geral da petroleira, Patrick Pouyanné. Ele completou que a Total quer assim evitar expor seus funcionários ao risco de “trabalhos forçados” se for embora.
O grupo francês pagou US$ 230 milhões às autoridades birmanesas, em 2019, e US$ 176 milhões, em 2020, a título de impostos e “direitos de produção”, segundo documentos financeiros. Bloquear os pagamentos “exporia os altos funcionários da nossa filial ao risco de serem detidos e presos”, afirma Pouyanné em um artigo publicado no semanário francês Le Journal du dimanche. A Total se compromete a entregar às ONGs de direitos humanos a mesma quantidade paga ao Estado birmanês. Em meados de março, a empresa elétrica francesa EDF suspendeu um projeto de US$ 1,5 bilhão para construir uma hidrelétrica em Mianmar.
Interrupções da Internet – Até agora, as condenações ocidentais não têm surtido efeito junto aos generais birmaneses. O acesso à internet continua interrompido para a maioria da população. A junta militar também aperta o cerco a Aung San Suu Kyi, acusada de corrupção e de ter violado uma lei sobre segredos de Estado que data da época colonial. Se for considerada culpada, a ex-dirigente de 75 anos, detida em um local secreto, mas que está “bem de saúde”, segundo seus advogados, corre o risco de ser afastada da vida política e de ser condenada a muitos anos de prisão.
Foram emitidas também ordens de prisão contra 40 celebridades: cantores, modelos, influenciadores… Eles são acusados de ter difundido informações que podem provocar motins nas forças armadas.
Ameaça de guerra civil – A repressão contra civis indignou minorias do país. Dez facções étnicas deram seu apoio no sábado à mobilização pró-democracia e vão reexaminar o cessar-fogo assinado com os militares em 2015.
A poderosa União KNU condenou os ataques aéreos do exército no sudeste de Mianmar que, segundo ela, causaram mais de 12.000 deslocados. A KNU pediu às minorias étnicas birmanesas (mais de 130) a se unirem contra a junta. Outros grupos rebeldes já ameaçaram retomar as armas. A enviada da ONU para Mianmar, Christine Schraner Burgener, advertiu para um risco “sem precedentes” de “guerra civil”.