Os principais partidos de oposição da Venezuela, reunidos num grupo batizado de G4, anunciaram, nesta terça-feira (31), que participarão das eleições regionais de 21 de novembro, quando o país escolherá novos governadores e prefeitos.
A decisão quebra um boicote a eleições por parte dos opositores que vinha desde 2017, quando o regime de Nicolás Maduro, por meio de um pleito com várias irregularidades, impôs ao país uma Assembleia Constituinte, contraposta à Assembleia Nacional.
Em 2018, a reeleição do próprio Maduro foi considerada ilegítima pela oposição, que não se fez presente na disputa. Na sequência, o líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se declarou presidente interino, alegando que havia um vazio de poder.
A decisão de pôr fim ao boicote foi anunciada em uma entrevista coletiva, em Caracas, dos representantes do que agora se denomina Plataforma Unitária. O grupo usará a sigla da MUD (Mesa de Unidade Democrática), coalizão antichavista que existiu entre 2009 e 2016, antes de ser proscrita pela ditadura. Foi com essa associação que a oposição obteve a maioria na Assembleia em 2015.
A nova coalizão tem até esta quarta (1º) para enviar os nomes de seus candidatos ao CNE (Conselho Nacional de Eleições). O líder opositor Juan Guaidó, que tinha ressalvas à participação da oposição, por considerar que as condições dadas “não são as de uma eleição livre”, pediu aos demais que formassem uma chapa única para competir nacionalmente.
“Anunciamos à comunidade nacional e internacional nossa participação no processo de eleições regionais e municipais, depois de um longo e difícil processo de deliberação interna”, disse Marianela Anzola, do partido Un Nuevo Tiempo. “Decidimos assim por causa da difícil situação que o país atravessa, pelo estado de urgência para encontrar soluções permanentes a nosso padecimento e pelo propósito de fortalecer a unidade.”
Além do Un Nuevo Tiempo, integram o G4 o Voluntad Popular, o Primero Justicia e a Ação Democrática. Na entrevista estavam também Tomás Guanipa (PJ) e Henry Ramos Allup (AD). Horas depois do anúncio, Maduro comentou a decisão da oposição, dizendo que ela é digna de aplausos e representa a abertura de um ciclo de estabilidade política. “Vou sentar em minha poltrona com pipoca no dia 21 de novembro para assistir a Guaidó votar”, afirmou.
Em outro evento mais cedo, o ex-congressista Freddy Guevara, do VP, também havia indicado a mudança no posicionamento de seu grupo. “Havíamos pedido três coisas: eleições livres, fim da usurpação e governo de transição. Era nosso desejo e achávamos que era inegociável. Agora, chegamos à conclusão de que essas coisas talvez não possam ocorrer todas de uma só vez, e que é preciso ir dialogando e fazendo a transformação aos poucos”, disse.
Ele saiu recentemente do Helicoide, uma prisão destinada a presos políticos, em um “gesto de aproximação” da ditadura, no contexto das negociações que estão ocorrendo desde o mês passado no México.
Guevara se juntará também a essas discussões na próxima sexta-feira (3), quando ocorre uma nova rodada de conversas entre oposição e ditadura, na Cidade do México, com mediação da Noruega.
“Temos muitos motivos para descrer do diálogo, já nos frustramos no passado. Agora penso que não há outra opção possível, uma vez que saídas pela violência estão totalmente descartadas”.
O Voluntad Popular, assim como o resto do G4, queria que Maduro cedesse a ponto de antecipar as eleições presidenciais de 2024, mas o chavismo deixou claro que não chegará a isso nesse momento. Enquanto a oposição luta pela libertação de mais presos políticos, por regras claras paras as eleições, habilitação de líderes proscritos e justiça por abusos de direitos humanos, a ditadura busca que as sanções internacionais contra o país e seus altos funcionários sejam retiradas.
Como contrapartida, o regime liberou presos como Guevara e afirmou que o novo CNE, que inclui dois membros não chavistas, atuará com liberdade. Também assegurou que as eleições terão observadores internacionais, algo que esteve ausente nos pleitos anteriores.
Mesmo com a dura crise econômica e os fortes impactos da pandemia na Venezuela, além das sanções, o regime de Maduro conta ainda com um uma militância firme e uma popularidade de 15%, segundo o instituto Datanálises.
Apesar de mais de 80% da população querer mudanças, de acordo com o mesmo levantamento, há um desgaste das principais lideranças da oposição, como Juan Guaidó (cuja popularidade é de 25%). Mais de 70% dos venezuelanos creem que os partidos políticos atuam mais em interesse próprio do que pelo bem-estar do país.
Na segunda-feira (30), a ONG Human Rights Watch afirmou que espera que as negociações na Venezuela tenham um “foco muito concreto sobre como reconstruir o país, ter eleições livres e enfrentar a emergência humanitária”.
Segundo as Nações Unidas, já são 6 milhões os venezuelanos que deixaram o país nos últimos anos. “É preciso que a comunidade internacional pressione pela libertação de mais presos políticos”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da entidade.