Patrícia Maria Oliveira Lima, embaixadora do Brasil em Cartum, falou à reportagem da ANBA sobre os espaços abertos no Sudão para cooperação e produção com estrangeiros em função da nova fase que vive do país. Ela quer mais presença brasileira.
São Paulo – As oportunidades no Sudão estão chamando mais a atenção de estrangeiros desde que o país entrou em uma nova fase econômica e política, deflagrada por uma série de acontecimentos a partir de 2019. Em entrevista para a reportagem da ANBA pelo Zoom, a embaixadora do Brasil em Cartum, Patrícia Maria Oliveira Lima, falou sobre o atual cenário sudanês e sobre sua vontade de que o Brasil aumente a cooperação e o comércio com o país diante dos vários espaços existentes.
Patrícia assumiu a embaixada há um pouco mais de dois anos e acredita que os níveis de comércio entre o Brasil e o Sudão poderiam ser “infinitamente melhores”. Ela contou para a ANBA da riqueza em recursos naturais que o Sudão possui e da necessidade de parceiros internacionais com expertise para industrializar e exportar produtos oriundos do campo sudanês. O país tem, por exemplo, produção agrícola vasta, gado para a produção de carne, couros para fazer calçados, algodão para o setor têxtil, água, terras, entre outros.
A diplomata acredita que a aproximação pode se dar pela cooperação para produção local, complementada por exportações do Brasil ao país na área de parceria e vendas internacionais a terceiros países a partir do Sudão. Patrícia relata que há planos de um projeto de produção de carne halal no Sudão em colaboração com brasileiros, mas ele foi interrompido em função da pandemia de covid-19. A embaixadora tem esperança de que ele possa ter continuidade em 2021.
O Brasil possui parcerias de longa data com os sudaneses no setor sucroalcooleiro. Há projeto de cooperação antigo em andamento e outro mais novo para a produção de etanol a partir da batata-doce, ambos tocados atualmente em colaboração com o setor privado do Brasil, segundo a embaixadora. Isso ocorre diante de uma demanda por açúcar que só cresce. “A gente sempre tem ajudado e a demanda por açúcar é sempre maior e maior”, afirma Patrícia, expondo que o intercâmbio nessa área poderia ser até maior.
A embaixadora acredita que a cooperação no setor de carnes, por exemplo, produziria um aumento maior também do comércio com o Brasil. O Sudão tem gado para corte e leiteiro, mas precisa investir na vacinação, o que também abre um espaço para cooperação com brasileiros, segundo a embaixadora. Em têxteis, há muita importação de roupas de países como Turquia, Índia e China, sem alta qualidade. A embaixadora vê grande espaço para as malhas do Brasil, inclusive para a confecção de abayas a partir do tecido. “Há um campo enorme, tanto em roupas para crianças, como feminino, masculino”, afirma.
No setor de calçados, a embaixadora também percebe espaço para as empresas brasileiras, tanto para a produção conjunta no país como para a exportação a partir do Brasil, já que a oferta local não é de qualidade. Há disponibilidade doméstica de couro bovino e até mesmo de tilápia, cuja pele tem produção de calçados no Brasil.
Patrícia acredita numa cooperação multifacetária entre Brasil e Sudão, que poderia envolver exportação de maquinário brasileiro para viabilizar produções locais, oferecimento de capacitação, uso do Sudão como um hub para exportações e ajuda na geração de empregos, entre outras frentes. “Haveria um caráter humanitário e social bastante importante”.
Novo cenário – Apesar do desejo da embaixadora de uma relação maior com o Brasil, o que o Sudão tem presenciado é uma aproximação recente e muito forte com países como Estados Unidos e os membros da União Europeia. O Sudão entrou em uma nova perspectiva com a queda do governo de Omar Al-Bashir no começo de 2019, seguida da formação de um novo governo e mais recentemente, no final de 2020, de um acordo com os Estados Unidos.
Os novos fatos fizeram o capital estrangeiro olhar com mais interesse para o Sudão. “Foi uma estratégia muito bem sucedida, financeiramente é muito bom para futuros e novos negócios”, afirma a embaixadora sobre o acordo, lembrando, no entanto, que norte-americanos, canadenses e integrantes da Comunidade Europeia ganharam espaço e que isso incluiu até mesmo a cooperação em energia solar e no setor de maquinário.
No ano passado, o Brasil exportou cerca de US$ 27 milhões ao Sudão, principalmente em maquinário agrícola e açúcar. Na outra mão, os sudaneses fizeram vendas de US$ 760 mil ao mercado brasileiro, primordialmente em goma arábica e em plantas e sementes, de acordo com dados da Câmara de Comércio Árabe Brasileira.
Em um ano marcado pela pandemia, como foi 2020, a exportação do Brasil para o Sudão avançou 55%. O país, no entanto, sofreu os reflexos da covid-19, com diminuição e paralisação de voos e lockdown, como na maioria das nações. Patrícia conta que a resposta do governo foi muito rápida, ao fechar portos, aeroportos, escolas, universidades e outros setores. “O impacto foi menor talvez por uma medida bastante rápida e o apoio até internacional da OMS (Organização Mundial da Saúde) e outros organismos”, afirma.
O Sudão deve receber vacinas e começar a imunizar a população nos próximos 15 dias, segundo a embaixadora. O governo brasileiro ajudou no enfrentamento da pandemia no país com a doação de kits de testes de covid-19 no valor de US$ 250 mil. O auxílio foi viabilizado pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA), das Nações Unidas.
O Sudão vive principalmente de atividades econômicas como a produção agrícola, de goma arábica e a exploração de minerais, entre eles o ouro. “Existe sempre a expectativa de que em algum momento o Sudão se converta no Bread Basket (celeiro) do Golfo porque reúne todas as condições, é rico em água, em solo, tem técnica agrícola milenar desde a época dos faraós e a terra aqui é de excelente qualidade”, diz, destacando a qualidade e potencial da mão de obra sudanesa.
Ajudando as meninas – Enquanto vai trabalhando para encontrar e viabilizar oportunidades no comércio Brasil-Sudão, a embaixadora mantém uma agenda muito ativa também na cooperação cultural e humanitária. Ela está organizando com universidades brasileiras e sudanesa minicursos online sobre africanidades Brasil-Sudão, além da viagem de um mestre brasileiro para dar atualizações sobre capoeira a um grupo local já formado.
A embaixadora pretende retomar neste ano um projeto de treinamento por brasileiros em comportamento seguro e defesa pessoal para mulheres e meninas sudanesas. Desde 2019 foram feitas duas edições, com 2.700 participantes. “Realmente foi um projeto fantástico que eu gostaria de retomar. Agora com as escolas e tudo sendo retomado, talvez depois do Ramadã, lá para maio ou junho, já haja espaço para a gente fazer uma terceira edição”, afirma.
Comunidade brasileira – A comunidade brasileira que mora no Sudão é pequena e não deve passar de cinco pessoas, segundo a embaixadora. Há também brasileiros que se deslocam até o país e ficam por períodos determinados em função da cooperação no setor sucroalcooleiro. Somando esses dois grupos, são ao redor de 20 brasileiros que têm atualmente no Sudão um lugar de estadas mais prolongadas ou de moradia.