O Brasil pode se ver diante de uma política externa americana mais assertiva e menos flexível, especialmente no que tange às relações com a China e a América Latina.
Robson Cardoch Valdez — Doutor em estudos estratégicos internacionais (UFRGS) e professor de relações internacionais do IDP
O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos traz desafios e oportunidades para o Brasil. Com a nomeação do senador Marco Rubio como secretário de Estado, o Brasil pode se ver diante de uma política externa americana mais assertiva e menos flexível, especialmente no que tange às relações com a China e a América Latina.
Marco Rubio, de ascendência cubana, é conhecido por seu posicionamento linha-dura contra governos autoritários na região e por sua postura crítica em relação à influência chinesa no Hemisfério Ocidental. Assim, levando-se em consideração que as agendas de imigração e narcotráfico foram efetivamente instrumentalizadas pelo candidato Trump durante sua vitoriosa campanha eleitoral, a diplomacia brasileira deverá estar atenta aos efeitos colaterais dessa abordagem no entorno regional sul-americano. Nesse contexto, uma política migratória mais restritiva (deportações em massa) e sanções contra Venezuela e Nicarágua poderão, por exemplo, impor uma nova dinâmica a esse fluxo migratório que tem os Estados Unidos como principal destino.
Da mesma forma, a China foi outro pilar da campanha de Trump que conseguiu, juntamente com a temática migratória, mobilizar eleitores para além de sua bolha ideológica, dando-lhe a vitória, inclusive, em estados tradicionalmente democratas. Assim, o Brasil pode ser indiretamente impactado pela guerra comercial envolvendo chineses e norte-americanos, dado que Brasil e China apresentam uma relação econômica cada vez mais profunda. Percebam que o inconformismo da estreita relação sino-brasileira já tinha sido externalizado pelo primeiro governo Trump, no caso do uso da tecnologia 5G, e pelo governo Biden, no caso da eventual adesão do Brasil ao projeto chinês Belt and Road Initiative (Nova rota da seda).
Por outro lado, a relação bicentenária de Brasil-Estados Unidos é marcada por altos e baixos, mas sempre manteve um diálogo aberto. Essa longevidade nas relações diplomáticas pode servir como um fator de estabilidade em tempos de incerteza. O Brasil continuará sendo um ator relevante na América Latina, e os Estados Unidos precisarão manter laços sólidos com o país, seja por interesses comerciais, seja por questões estratégicas, como segurança regional e combate ao narcotráfico. Esses aspectos pragmáticos reforçam a ideia de que interesses nacionais se sobrepõem às roupagens ideológicas dos governos de ocasião.
Fonte: Correio Braziliense