De Ecoa, em São Paulo
Desde a primeira edição do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), em 2000, o sistema educacional da Finlândia vem sendo classificado entre os melhores do mundo. O ranking elaborado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, compara o desempenho de países e regiões administrativas de todo o planeta na educação.
Por conta disso, o modelo educacional do país passou a despertar maior interesse ao longo das últimas décadas. Surgiu um imaginário sobre suas particularidades: seria verdade que estudantes finlandeses quase não têm lição de casa e passam menos tempo na sala de aula? Que a escola começa de fato aos 7 anos e ninguém repete de ano? O sistema tem mesmo suas particularidades, segundo admitiu Riia Palmqvist, conselheira da Agência Nacional de Educação da Finlândia, órgão que é vinculado ao Ministério de Educação e Cultura do país e responsável por implementar suas políticas.
Em entrevista a Ecoa, Palmqvist explicou que o sucesso da Finlândia nessa área é uma construção de um século e tem a ver com aspectos como acesso igualitário à educação de qualidade, valorização dos professores e apoio especial aos alunos que têm necessidades específicas de aprendizagem.
“Acreditamos que a educação é para todos”
A ideia de escolarização obrigatória em todo o território surgiu em 1921, poucos anos após conquistar sua independência da Rússia soviética. Essa política assentou os primeiros tijolos do sistema educacional que existe hoje. Outra medida importante para manter os alunos na escola – e que ainda é realidade — são refeições gratuitas diárias que passaram a ser oferecidas a partir de 1948 e foram muito bem-vindas em meio à pobreza do pós-guerra.
Atualmente, a etapa mandatória do ensino básico vai dos 7 aos 15 anos de idade, quando os finlandeses concluem a educação básica integral. É um ciclo obrigatório de nove anos — mais curto em relação ao Brasil, por exemplo, onde a educação básica dura dos 4 aos 17 anos. Há escolas públicas e privadas (estas últimas podem oferecer algum diferencial, mas precisam seguir as diretrizes nacionais). Todas são gratuitas, sem exceção. A ideia de uma escola privada gratuita pode soar confusa para quem se acostumou à realidade do ensino no Brasil. Mas é isso mesmo: o governo financia o ensino, mesmo oferecido por instituições privadas.
“A escola não custa nada para ninguém. As refeições são gratuitas, não se pode cobrar por viagens escolares, filmes ou quaisquer outras atividades”, disse Palmqvist. “Algumas empresas tentaram abrir uma escola aqui devido à boa reputação que temos na educação, pensaram que poderiam torná-la um negócio. Mas não é possível. Não damos permissão para isso a ninguém no meu escritório, porque o ensino tem que ser gratuito”. Antes dos sete anos de idade, as crianças finlandesas podem ter acesso (por um valor baixo ou sem custo, dependendo da renda familiar) a creches e instituições de educação infantil, onde o foco principal é o brincar.
“Não se pode fazer da escola um negócio na Finlândia”
Riia Palmqvist
Após concluírem o ciclo obrigatório, os finlandeses podem seguir estudando por mais três anos, optando entre uma formação com foco acadêmico e outra mais profissionalizante. Ambas fornecem a base necessária caso desejem aplicar para o ensino superior.
“Ninguém fica para trás” Na Finlândia, não há repetência e a taxa de evasão na educação básica integral é muito baixa. Mais de 99% dos estudantes concluem os nove anos desse ciclo. Segundo Palmqvist, o ideal de uma educação para todos é o que faz com que o sistema seja inclusivo. Para ela, a inclusão é um dos pontos fortes do sistema finlandês.
“Acreditamos que cada indivíduo se beneficiará em obter a melhor educação possível. A gente não sai classificando as crianças, dizendo que uma não pertence ou que outra só precisa de tal tipo de educação. Todo mundo recebe a mesma educação e quem precisa de auxílio recebe muito apoio para chegar a um determinado nível. Não deixamos ninguém para trás, mantemos todos a bordo”, disse a conselheira de educação.
Escolas finlandesas também estão adaptando seu espaço fisicamente em busca de maior flexibilidade. Em lugar da sala de aula tradicional, estão adotando o modelo aberto, ou “open plan”, sem paredes ou divisões definidas entre corredores e salas de aula e com um mobiliário formado por itens como pufes e sofás, em vez das tradicionais carteiras.
Qualquer criança que não esteja tendo um aprendizado satisfatório é encarada como tendo necessidades especiais e passa a receber maior suporte dos professores e da escola. A forma de ensino se adequa a essas necessidades, buscando encontrar uma maneira de fazer com que cada indivíduo aprenda. A maior parte das crianças e jovens com deficiência no país estudam em escolas convencionais, que buscam integrá-los sempre que possível.
“Acreditamos que a aprendizagem é algo muito pessoal e que acontece no ritmo da criança”
Riia Palmqvist
A conselheira da agência de educação finlandesa atribui a taxa de sucesso dessa integração à dedicação e formação dos professores, outro ingrediente do sucesso do país na educação.
“Os professores são o coração do nosso sistema” Por várias décadas o ensino tem sido uma carreira bastante valorizada na Finlândia. O grau de exigência é alto no que diz respeito à formação dos profissionais: a função de professor no ensino básico exige pelo menos um mestrado em educação. Em compensação, os profissionais são bem remunerados e têm tido seu papel reconhecido pela população. Mesmo seguindo as diretrizes nacionais de educação, escolas e docentes têm um alto grau de autonomia sobre o cotidiano escolar.
“Nossos professores têm muita liberdade. Eles podem escolher como ensinam o currículo. Não temos livros didáticos nacionais, eles escolhem o material que desejam usar”, disse a finlandesa. Professores finlandeses também passam em cerca de 100 horas por ano a menos ensinando do que a média de países da OCDE para todos os níveis de ensino. O dado se explica pelo fato de que a jornada escolar finlandesa também é a menor entre esses países, com duração em torno de quatro a cinco horas e meia diárias na educação básica integral.