*Por Thomas Law, Embaixador Pedro Luiz Rodrigues e Sóstenes Marchezine
Em 9 de novembro de 1989, caiu o Muro de Berlim. Este é considerado o símbolo do fim da Guerra Fria que dividiu o mundo em uma bipolaridade diplomática entre norte-americanos e soviéticos. Durante décadas disputaram a predominância global, mas o fim da União Soviética, exatamente dois anos depois, permitiu o ressurgimento do multilateralismo.
O mundo passou por rápidas transformações. Em 1991 surgia o Mercosul, bloco econômico fundado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Dois anos depois, forma-se a União Europeia, que chegaria a reunir 28 países.
Naquela mesma época, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, divulga o relatório “Nosso Futuro Comum”, dando origem ao conceito de desenvolvimento sustentável. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Eco-92), realizada no Rio de Janeiro em 1992, lançava as sementes que culminariam num programa global oito anos depois: os “Objetivos do Milênio”, aprovado em 2000 pela Assembleia Geral da ONU.
Em 2002, a Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio+10), em Joanesburgo, colocou definitivamente o desenvolvimento sustentável como elemento central na agenda internacional.
Até 2015, data-alvo dos 8 Objetivos do Milênio, surgiram outros blocos como o BRICS em 2006. Reunindo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o grupo fortalecia o multilateralismo e redesenhava questões diplomáticas no cenário mundial. Entendendo que os indicadores econômicos, sociais e ambientais não ofereciam um quadro de esperança quanto ao futuro das próximas gerações, a ONU propôs que os seus 193 países membros assinassem a Agenda 2030, composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas.
Nas últimas décadas, é perceptível que as mudanças na diplomacia convencional acompanharam as novas maneiras de se enxergar o mundo, com enfoque no desenvolvimento sustentável. Logo que se começou a falar sobre Agenda 2030 no Brasil, a ONU fez um apelo: “o sucesso dos ODS depende de uma nova diplomacia cidadã global, que envolva diretamente o setor privado e a sociedade civil organizada”.
De fato, os ODS podem ser tanto um “alvo” quanto uma maneira de exercer “diplomacia pública”. Essa premissa serve tanto para os representantes estatais, da diplomacia oficial, quanto para os indivíduos e organizações da sociedade civil envolvidos em ações de diplomacia cidadã.
Como muitas das metas da Agenda 2030 demandam um esforço global compartilhado, seu êxito depende da cooperação não só entre as nações, mas também dos cidadãos. Assim, os ODS deveriam fazer parte da atuação de diplomatas ao mesmo tempo em que o debate “público” sobre essas questões apresentam uma compreensão específica dos assuntos globais, dizendo respeito a todos os cidadãos que se importam com o futuro do planeta.
Além disso, no documento-base da Agenda 2030, denominado “Transformando nosso mundo”, há a previsão de avaliações periódicas sobre os avanços na implementação que depende da sociedade civil organizada. Isso ocorre porque as Nações Unidas em diferentes ocasiões chamam os cidadãos, não só os governantes, a serem protagonistas nesse programa de mudança global.
Muitas organizações da sociedade civil contribuíram diretamente no debate que resultou na versão final da Agenda 2030. Por meio dos “Grupos Principais”, que foram estabelecidos durante a Eco-92, realizaram importantes propostas sobre temas como a situação da mulher, dos povos indígenas e pessoas com deficiência, por exemplo.
O pesquisador espanhol Raul de Mora Jimenez, no livro “Public Diplomacy And SDG: SDG as a Goal anda as a Means Of Public Diplomacy”, destaca que “sem a ampla participação da sociedade civil é improvável que alguns dos Objetivos e Metas teriam sido incluídos na Agenda”. Ele também assegura que “na perspectiva da diplomacia pública, os membros da sociedade civil têm um papel de destaque na promoção dos ODS, agindo tanto como advogados como fiscais da sua implementação [em seus países]”.
Ao mesmo tempo, Elisabeth Hege e Damien Demailly, que pesquisam a relação das Organizações Não Governamentais e os ODS, apontam para quatro maneiras que os cidadãos podem colaborar: cobrando ações dos governantes, divulgando os ODS para o grande público, implementando projetos em consonância com os ODS e estabelecendo um maior diálogo com o setor privado sobre os temas.
O paralelo com a ação da diplomacia cidadã é visível, em especial no que tange ao relacionamento com o governo e a ampliação do diálogo na busca de soluções. Isso é especialmente válido no contexto atual de multilateralismo, onde as relações entre as nações envolvem ações conjuntas, bilaterais e em “blocos” econômicos. Ao influenciar as ações de seu país no escopo da Agenda 2030, inevitavelmente isso se refletirá nas suas relações exteriores.
Afinal, a diplomacia cidadã não se restringe à comunicação e petições públicas, ela envolve chamadas para a ação, que podem ter efeitos globais. Talvez um dos maiores aspectos “invisíveis” da Agenda 2030 é o desafio para se pensar o mundo em outros termos. Um bom exemplo são os ODS relacionados ao planeta. Eles demandam ações que ultrapassam fronteiras, pois os problemas não estão circunscritos a questões pontuais.
Temos uma década até que o prazo de 2030 seja alcançado e a situação global reavaliada. O exercício da diplomacia cidadã tem, sim, capacidade de ajudar a gerar um mundo mais sustentável, próspero e justo para todos.
Thomas Law é advogado, doutor e mestre em direito pela PUC/SP. É presidente do Instituto Sociocultural Brasil/China (Ibrachina) e da Comissão Especial Brasil/Organização das Nações Unidas de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã (CEBRAONU), da OAB Nacional.
Pedro Luiz Rodrigues é jornalista e diplomata aposentado. Foi Embaixador do Brasil na Nigéria, Benim, Níger e Chade e Ministro-Conselheiro em Paris. Serviu em Washington, Buenos Aires, Tel-Aviv, Assunção e Daca. Foi Secretário de Relações Internacionais do Distrito Federal.
Sóstenes Marchezine é advogado; secretário-Geral da Comissão Especial Brasil/Organização das Nações Unidas de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã (CEBRAONU), da OAB Nacional; e secretário-executivo do Grupo Parlamentar Brasil/ONU (GPONU), no Congresso Nacional.