Por Wagner Parente, CEO da BMJ
Na semana passada foi publicada uma consulta pública para redução de imposto de importação de diversos produtos químicos (Para lista completa vide: https://bit.ly/2r40d9t). Muitos deles têm produção nacional, alguns tem até antidumping. A indústria química brasileira havia proposto uma lista passível de redução tarifárias, de produtos que não são feitos por aqui. O rol foi bastante ampliado pela Argentina (que tem indústrias menor que a nossa). Muitos teóricos do liberalismo apoiarão veementemente propostas como essa.
Aliás, o viés liberal defendido, pelo Alexandre Schawartsman na sua coluna na Folha de S.Paulo (vide:https://bit.ly/2TIKWIl) parece estar ganhando cada vez mais defensores.
Considerando o setor químico em tela, me parece que o entendimento do doutor Alexandre Schawartsman precisa ser visto com mais cautela. Pode ser custoso demais abrir o mercado antes de fazer os ajustes que poderiam promover a competividade do setor: não faz sentido exportarmos imposto (com o fim do Reintegra), não faz sentido não haver um preço razoável para o gás-matéria-prima, entre diversas distorções que o setor químico brasileiro enfrenta.
O professor defende uma redução unilateral de tarifas. Com a devida vênia, não me parece recomendável abrir mão de setores vulneráveis à concorrência externa, sem ganhar nada com isso em contrapartida – pois não o faríamos no âmbito de acordos comerciais – e sem os devidos ajustes, que passam por questões tributárias até o custo logístico, por exemplo. Não reconhecer essa realidade, é confiar demais nas teorias liberais que muitos dos países hoje desenvolvidos apregoam, mas que poucos de fato implementaram (vide o ótimo “Chutando a escada” de Ha-Joon Chang. Disponível em: https://amzn.to/2DIyXoY ).
Um contraponto importante ao posicionamento liberal vem de um recente estudo de dois autores, Rafael Dix Carneiro (brasileiro, da Universidade de Duke dos Estados Unidos) e Brian Kovak (da Universidade de Carnegie dos Estados Unidos), que realizaram um estudo chamado “Margins of Labor Market Adjustment to Trade”, em que analisam a abertura brasileira dos anos de 1990. Seguem algumas conclusões do estudo:
- Queda do emprego formal: um trabalhador de região com maior redução tarifária esteve empregado no setor formal, em média, 9,9 meses a menos entre 1990 e 2010. Este efeito negativo não se recupera nos anos seguintes à liberalização, mas se agrava.
- Houve compensações entre setores, mas insuficiente: empregos em setores não expostos a concorrência externa ajudaram a compensar as perdas nos setores expostos, mas esses efeitos não foram suficientemente grandes para compensar as perdas.
- Perda de rendimento do trabalhador: desde o início da liberalização, um trabalhador de região com forte redução tarifária perdeu, em termos relativos, 1,8 vezes seu rendimento formal anual pré-liberalização.
- Baixa migração inter-regional: os resultados negativos sugerem que era menos provável que trabalhadores inicialmente empregados em regiões com maior redução tarifária migrassem para um emprego formal em outra região mais favoravelmente afetadas.
- Regiões que foram mais impactadas pela redução tarifária tiveram um aumento 5,28 pontos percentuais maior na parcela de trabalhadores informais do que outras regiões menos afetadas pela liberalização.
O fato é: mesmo quem defende a redução unilateral de tarifas, admite que o efeito positivo vem depois de aproximadamente de 20 anos (vide: https://glo.bo/2FvcTA3). O problema é que o efeito negativo na produção e no emprego ocorrem de imediato. É indispensável que existam políticas que deem conta dessas externalidades negativas. Estados Unidos, Coreia do Sul e União Europeia possuem políticas de ajuste; indispensável que o Brasil tenha a sua também.
Além das cinco conclusões já citadas, o estudo demonstra que o setor que morre, não volta. Não existe indústria Zumbi: morreu, já era. Ou seja, dificilmente uma indústria química que fecha no Brasil por não conseguir concorrer com importados, voltará a se instalar por aqui. Abrir mão de um setor pode ser uma escolha de governo, mas a sociedade precisa ter absoluta clareza das consequências desse tipo de decisão.
O diálogo com os tomadores de decisão é fundamental. Muitos dos nomes vieram direto da academia e do setor financeiro e tem potencial de fazer ótimas gestões. Todos parecem ter ânimo para fazer do país mais aberto e competitivo. É plenamente possível unir a sociedade em torno dessa ideia: trabalhadores, setor produtivo e acadêmicos. Basta diálogo.